terça-feira, 1 de agosto de 2023

CAMINHOS DO CEARÁ: Aluá, livros e jardins

Por Izabel Gurgel (*)

O Aluá é dos "refrigerantes naturais" de Fortaleza que "sumiram de todo", escreve Edigar de Alencar (Fortaleza, 1901 - Rio de Janeiro, 1993) sobre a bebida fermentada: "Aluá é feito com milho e rapadura principalmente. Mas pode ser feito com abacaxi ou com côco-babão ou ainda com arroz. A rapadura é indispensável. Açúcar não vale. É a melhor bebida refrigerante que se pode ingerir, mesmo sem gelo. Diurético e inofensivo, mesmo de um dia para o outro, quando o sabor levemente azedo o torna ainda mais excelente. (...) Sua preparação exige cuidados especiais. Vazilha de barro, antecedência mínima de dois dias e muita mexida. Há quem somente adicione o tempero (gengibre, cravo, etc.) quando o aluá está doirado e cristalino, em condições de ser servido". Trecho de "Aluá e outras gostosuras líquidas", do livro "Fortaleza de ontem e de anteontem", Edições UFC, publicado em 1980.

Aluá, você e eu sabemos, também pode ser feito de pão. Experimentei uma variação tendo o gengibre como base da fermentação. No mesmo texto, Edigar de Andrade registra outra bebida fermentada presente em priscas eras na cidade: "Nas primeiras décadas deste século eram comuns em Fortaleza as garrafas (botijas) de um refrigerante fermentado - gengibirra - cuja base como se deduz da denominação era o gengibre. As garrafas bem arrolhadas e com as rolhas fortemente amarradas com barbante, estalavam ao ser abertas como as de cidra e champanha. Era bebida popularíssima, pelo preço inclusive, e conhecida também como 'cerveja de barbante'".

O primeiro livro de Edigar de Andrade é de poesia, publicado em 1932 no Rio de Janeiro, para onde ele havia se mudado. O título tem palmeira: "Carnaúba". Salto direto do livro para experiências de jardim em Fortaleza, quase tão invisíveis hoje, como o aluá e a gengibirra.

Os pátios internos do antigo Seminário da Prainha, no cruzamento das avenidas Dom Manoel e Leste Oeste, guardam jardins. Entramos por acaso, um amigo e eu, em busca da cantina, com silêncio, vazio e brisa, que a memória registrava do lugar antes da pandemia. Não sei de quando é a reforma que separou a faculdade de Filosofia e Teologia da área da Cúria Diocesana, antes integradas. Tem biblioteca, capela e abundância de céu sobre espaços vazios. Amplitude e tempo são um luxo em qualquer época. Com o fim do período letivo, a cantina não está aberta. Pequenos encontros nos caminhos cruzados nos reabasteceram: a professora Cassundé a caminho da Igreja da Prainha, onde registra intenções de missa depois de anos e anos anotando diários de classe de suas turmas anuais de matemática no Colégio Marista; a servidora do Divino, que vai a cada semana fazer o Terço da Misericórdia às 15h, a nos acolher com cafezinho e chá na sacristia; os mundos vegetais.

Penso no bosque do Paço Municipal, nas áreas da Catedral. Está na passagem do Pajeú, o caminho d´água de nome indígena a nos dizer da presença, a bem dizer, de uma biblioteca de palmeiras. Entre Dom Manoel e 25 de Março, beirando os começos da Torres Câmara, tem o Parque Pajeú, a convocar cuidados. Seriam uma trindade benta, campo de outros seres e modos de vida, no meio da cidade. Somos menos sem eles.

(*) Jornalista de O Povo.

Fonte: Publicado In: O Povo, de 25/06/23. Vida & Arte, p.2.


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