segunda-feira, 11 de setembro de 2023

MORTE DE CRIANÇA AUTISTA É TAPA NA CARA DA SOCIEDADE

Por Carlos Viana (*)

A morte do pequeno Heitor Viana da Silva, de 9 anos, mostra, mais uma vez, a invisibilidade das pessoas com deficiência.

Heitor era autista não verbal e morreu na última semana. Como sempre, a mãe da criança, que a deixou no carro enquanto ia ao banco, foi atacada nas redes sociais.

No entanto, ninguém se perguntou se essa mulher tinha ajuda para cuidar do menino. A responsabilidade sobre a criação de uma criança, sobretudo de uma com uma deficiência severa como Heitor, não é responsabilidade apenas da mãe.

Cresci convivendo com pessoas com deficiência e pude presenciar a luta dessas mulheres guerreiras para que seus filhos tenham cuidados médicos e acesso à educação.

Minha mãe é exemplo disso. Quando ela descobriu que eu era cego, com quase um mês de vida, largou o emprego para me levar ao médico e, posteriormente, à escola.

A escola de cegos em Fortaleza fica num bairro distante de minha casa, e minha mãe, assim como as mães dos meus colegas, ficava a manhã inteira na escola, sentada em duros bancos de madeira, esperando que nossas aulas terminassem para nos levar de volta para casa. Raros foram os casos que algum pai acompanhava algum amigo cego até a escola. Aliás, muitos homens, ao saberem que seus filhos têm alguma deficiência, deixam a responsabilidade apenas sob os ombros da parceira.

A morte de Heitor é um tapa na cara de uma sociedade tão preconceituosa, que prefere julgar em vez de entender os motivos. Essa sociedade que tenta, a todo custo, tornar nós, pessoas com deficiência, invisíveis.

A morte de Heitor dói, não só pelo sofrimento da família, mas por expor assim, de forma tão crua, como as pessoas não se importam com o outro.

Onde estavam os seguranças e demais funcionários do local, que não interceptaram uma criança andando sozinha? Onde estavam os demais estudantes, que também não fizeram nada.

Ao ler a notícia da morte do pequeno Heitor, meu peito encheu-se de tristeza e dor. Quantas vezes eu, que sou cego, precisei de ajuda na rua e, mesmo o local estando lotado, as pessoas fizeram de conta que não me ouviam? Quantas vezes, numa parada de ônibus, pedi para alguém me informar quando meu coletivo chegasse, e ninguém o fez?

Que a morte de Heitor sirva para tornar essa sociedade em que vivemos mais humana.

E a você, mãe do Heitor, meu mais forte abraço e mais sinceros sentimentos. 

(*) Jornalista. Repórter do Núcleo de Opinião do jornal O POVO.

Fonte: Publicado In: O Povo, de 11/09/23. Opinião, p.22.

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