terça-feira, 4 de junho de 2024

MISERICÓRDIA PARA A SANTA CASA

Por Pedro Jorge Ramos Vianna (*)

Nos últimos dias tenho acompanhado os textos publicados pelo O POVO acerca da situação financeira da Santa Casa da Misericórdia de Fortaleza. O nome deste artigo não é uma brincadeira, mas uma expressão exata do que deveria ser sentido pelos governantes do Brasil, do Ceará e de Fortaleza.

Todos concordam que o maior bem que um indivíduo pode ter é sua saúde. Mas milhões de cearenses carecem desse bem. E Fortaleza tem uma instituição que oferece meios, quando possível, para que o cidadão obtenha sua saúde. E, isso, gratuitamente.

Como compreender, então, que o setor público não ofereça sustentação para esse trabalho? Como pode um hospital sobreviver, por mais bem administrado que seja, quando suas receitas não cobrem seus custos?

Vejamos a defasagem entre custos e receitas da Santa Casa: a) para "clínica paciente na oncologia", a receita individual é de R$ 367,44 e a despesa é de R$ 914,53; b) para a "colecistectomia", o custo individual é de 2.413,20 e o hospital recebe R$ 996,34. Como se pode ver, a Santa Casa só recebe algo em torno de 40% dos custos dos tratamentos oferecidos.

A situação atual versus capacidade potencial (dados mensais): para o item "atendimento especializado": a capacidade é de 2.600, mas só está atendendo 1.300 pacientes; para o caso das "cirurgias de alta complexidade", o hospital pode fazer 282, mas só está fazendo 141 operações.

E para as "cirurgias de média complexidade", sua capacidade é de 642 mensais, contra 321 realizadas. Portanto, hoje, a Santa Casa só pode oferecer algo em torno de 50% de sua capacidade total de atuação.

Sabemos que "saúde" é um bem "meritório". Assim, não necessariamente, deve ser ofertado pelo setor público.

No Brasil, a Constituição em seu artigo. 196 estabelece o seguinte: "A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação."

Mas, como pode ser observado, o que está na lei não é o estado de saúde do cidadão, mas as ações que busquem a "redução do risco de doença". Talvez seja por isso que as autoridades públicas não se interessem pela saúde do Zé da Silva ou da Maria Silva. Eles não os conhecem e, assim, não podem lhes pedir o voto.

Mas as "esmolas" como o Programa Ceará sem Fome, têm sempre o "cartão" que identifica nominalmente o beneficiário. Assim, cobrar-lhes a contrapartida do voto é tarefa fácil.

É vergonhoso que uma Instituição de saúde pública, que pode salvar, por ano, centenas de vidas, não tenha por parte dos governos deste País o apoio necessário para a realização de seu trabalho em um clima de paz e harmonia.

(*) Economista e professor titular aposentado da UFC,

Fonte: O Povo, de 5/05/24. Opinião. p.18.

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