quinta-feira, 13 de junho de 2024

PREMIADO ARTISTA, NOSSA SENHORA E O VILIPÊNDIO

Por Márcia Alcântara Holanda (*)

Em 1950 nasceu Marcus Francisco, filho de seu Mário, escritor e jornalista autodidata e dona Maria, exímia bordadeira. Nesse pequeno universo Marcus cresceu sob valores culturais singelos. Cedo revelou-se desenhista, estilo bico de pena, ganhou prêmios como os dos Salões de Abril de 1969, 1970, 1980. Na música, em 1968, com Raimundo Fagner, conquistaram o primeiro lugar do Primeiro Festival de Música Cearense com "Nada sou", e gravaram "Luzia do Algodão", 1969, sob comando de Aderbal Freire Junior.

Varou o mundo: Fortaleza, Rio, Nova York, conforme "Olhar Balizador" de Dodora Guimarães, em "A Aventura do Traço", exposição de 2008 no CCBN. Passados 16 anos, ele chegou à Pinacoteca do Ceará, que vem lançando fachos de luzes brilhantes sobre a vida e obra de artistas cearenses, ora, nos da década de setenta, exaltando Leonilson e seus asseclas, como Marcus Francisco e outros.

Aos três anos de idade Marcus travestiu-se de Nossa Senhora de Fátima, que à época visitava o Brasil. Seguiu admirando-a. Considerava-a digna e pura. Quando a desenhou, usando óculos escuros, perguntei-lhe sobre o porquê daquilo. Disse: "Queria tanto que a minha Santa tivesse vez por outra um descanso da vista para as destruições praticadas pelos humanos: das guerras aos crimes hediondos". Queria a Santa livre das desumanidades que lhes eram aplicadas. Donald Spoto em: "Francisco de Assis um santo relutante", apresenta provas de que a santidade leva a uma vida de restrições sub-humanas, não aceitando a santidade penosa. Queria liberdade para praticar apenas o amor entre os seres.

Foi o espaço cultural e as obras artísticas cearenses da década de 1970, que o vereador Jorge Pinheiro disseminou aos brados, no Youtube, um julgo inconsistente. Classificou a santa, desenhada por Marcus, como vilipêndio à fé cristã, e, aos gritos, denigre a todos, dizendo ser aquela exposição "um carnaval no inferno". O julgamento perverso do vereador e seus devotos, não obscurece a riqueza cultural e artística que é a Pinacoteca do Ceará. Não tenhamos medo de gritos, mas celebremos a diversidade de expressões, que nos faz compreender o mundo e nos desafiam a pensar além das visões estreitas.

(*) Médica pneumologista; coordenadora do Pulmocenter; membro honorável da Academia Cearense de Medicina.

Fonte: Publicado In: O Povo, de 21/05/2024. Opinião. p. 20.

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