quarta-feira, 10 de julho de 2024

UM REINADO NO DESERTO

Por Carlos Roberto Martins Rodrigues Sobrinho (Doutor Cabeto) (*)

Eis que no final de um dia trabalhoso, ao chegar em casa, quase madrugando, ensaiei uma conversa sobre a leitura e as querelas da atualidade.

Sob meia taça de vinho, ao lado do meu amigo canino, "o chefe", pus-me a pensar alto. Falamos sobre poder, sobre minha experiência no governo, enfim sobre o mundo. Algo não tão romântico, como costumo ser, mas com um ar de realidade que chega a incomodar, mais a mim que aos outros, com exceção da minha Rita, que se faz cúmplice nas minhas viagens.

Relato minha preocupação com a constatação da contradição entre governo e povo, o que gera conflitos, estopins de revoltas, quando agudiza essa desconexão. Mesmo sabendo ser cediço o conceito de que quem governa faz crer que os seus objetivos são os de quem é governado, do povo.

Assistir a desconexão do governo com a realidade chega a dar desespero.

Em 2018 foi publicado no Depress Anxiety uma análise da prevalência de ansiedade em 24 países, com prevalência de 5 a 25 % da população. Em publicação mais recente, já em 2024, foram publicados dados onde estima-se que cerca de 40% da população sofrem de distúrbios de ansiedade moderada a grave. E ainda, de 2017 a 2019 morreram mais 17 % dos americanos que os previstos. Essas ocorreram em pessoas mais jovens, com menos de 60 anos, relacionadas às doenças psiquiátricas e ao uso de drogas.

No Ceará, bem como no Brasil, os números não são tão precisos, mas a minha experiência profissional mostra-me algo similar.

Enquanto isso, a medicalização aumenta exponencialmente, gerando pessoas dóceis, incapazes de demonstrar qualquer revolta, e evidentemente, retardando a tal mudança que almejamos.

O mundo é digital e a política analógica, ao menos para parte dos que nos representa. Não é de agora que os poderosos tentam sufocar os costumes, os valores de uma comunidade, para garantir o domínio absoluto.

Infelizmente, é como se não bastasse a história. Como exemplo, em Antígona, personagem da mitologia de Sófocles, vê-se a contradição entre a lei divina e a lei do estado. Na tragédia o rei Creonte, proíbe Antígona de prestar homenagens fúnebres ao seu irmão morto em batalha contra Tebas.

Ela contradiz as forças do poder absoluto, - "O povo fala. Por mais que os tiranos apreciem um povo mudo, o povo fala. Aos sussurros, a medo, na semiescuridão, mas fala".

Enfim, merece ser rei aquele que não somente busca e sabe aceitar uma verdade nova, mas que a aceita sem hesitação.

Em contrário, trata-se tão somente de um rei no deserto.

(*) Médico. Professor da UFC. Ex-Secretário Estadual de Saúde do Ceará.

Fonte: Publicado In: O Povo, de 15/06/2024. Opinião. p.16.Refl

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