segunda-feira, 2 de setembro de 2024

OS SONHOS NÃO ENVELHECEM

Por Romeu Duarte Junior (*)

A Manoel e Mana Holanda

Dia desses, deu no jornal que um empresário, de muitos janeiros vividos e bem-sucedido em tudo o que fez na vida, realizou um sonho antigo: abriu uma garapeira dentro do seu shopping para vender caldo de cana e pastel. Como toda azeitona tem caroço, fiquei ruminando de mim para comigo: o que faz alguém, que já conseguiu tudo em sua existência, lutar pela concretização de um desejo tão simples? Seria essa a chave do enigma Rosebud do famoso filme Cidadão Kane criado pelo meu herói Orson Welles? Tantas perguntas. Só sei que o senhor apareceu na fotografia exibindo um sorriso de orelha a orelha, além de um pastel que parecia bem gostoso. Ali estava alguém feliz e de vontade saciada por ter alcançado algo que ansiava desde menino. Só ventura.

A ideia ocorreu-lhe quando, garoto, frequentava a heráldica Pastelaria Leão do Sul, ícone astronômico da Praça do Ferreira. "Ainda vou botar um negócio desse para mim um dia", dizia de si para consigo enquanto provava o delicioso lanche da tarde. Contudo, não foi fácil para ele efetuar o tão caro capricho. Sua mulher, por exemplo, não via qualquer sentido na proposta, para ela apenas uma arrumação, ainda mais com ele naquela idade. "Ah, é? Pois eu vou acabar parando no hospital se eu não fizer isso!", disse-lhe o marido. Ela, muito sábia, retrucou-lhe: "Entre discutir e ser feliz, eu prefiro ser feliz. Ande, vá vender o seu caldo de cana e o seu pastel". Na inauguração, o mais novo garapeiro da cidade mostrava-se mais alegre do que quando abriu seu shopping há 34 anos.

Qual será o seu cotidiano agora? Aos cuidados diários que dispensa ao seu centro comercial de três centenas de lojas somar-se-á aquele que devotará à sua merendeira. Posso vê-lo de jaleco atrás do balcão, organizando os pastéis e demais acepipes no fiteiro, checando a temperatura e a qualidade do caldo de cana, servindo com cortesia os clientes, recebendo dinheiro e passando troco. Como dizia minha saudosa mãe, mais vale um gosto do que cem mil réis. Apesar da tortura onipresente do etarismo, essa doença de quem se acha um eterno Peter Pan, sempre é hora de começar algo novo, de investir, de tornar exequível um pensamento, tenha a pessoa a idade que tiver. Não está aí o Nirez, em seus verdejantes 90 anos, pondo no Facebook o seu belo acervo?

Sempre a matutar sobre as coisas do mundo, encarei a notícia como uma baita lição de vida. Não devemos desistir dos nossos sonhos, são eles que nos levam pela estrada afora. Quanta gente vive por aí de forma frustrada por não ter coragem de mudar de caminho e fazer o que sempre deveria ter feito? Sofri isso na pele. Larguei a engenharia no oitavo semestre, faltando apenas um ano para terminar, e me mudei de mala e cuia para a arquitetura, onde fiz quase tudo o que foi possível. Agora, perto da aposentadoria, erra aquele que pensa que vou armar a rede na varanda e lá me instalar, curtindo o dolce far niente.

Vou reassumir o meu escritório e me transformar num arquiteto de bairro. Isso mesmo, fazendo pequenos projetos e obras. E escrevendo, prazerosa paixão...

(*) Arquiteto e professor da UFC. Sócio do Instituto do Ceará. Colunista de O Povo.

Fonte: Publicado In: O Povo, de 29/07/24. Vida & Arte. p.2.

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