Por
Romeu Duarte Junior (*)
A Manoel e Mana Holanda
Dia desses, deu no jornal que um empresário, de muitos janeiros
vividos e bem-sucedido em tudo o que fez na vida, realizou um sonho antigo:
abriu uma garapeira dentro do seu shopping para vender caldo de cana e pastel.
Como toda azeitona tem caroço, fiquei ruminando de mim para comigo: o que faz
alguém, que já conseguiu tudo em sua existência, lutar pela concretização de um
desejo tão simples? Seria essa a chave do enigma Rosebud do famoso filme
Cidadão Kane criado pelo meu herói Orson Welles? Tantas perguntas. Só sei que o
senhor apareceu na fotografia exibindo um sorriso de orelha a orelha, além de
um pastel que parecia bem gostoso. Ali estava alguém feliz e de vontade saciada
por ter alcançado algo que ansiava desde menino. Só ventura.
A ideia ocorreu-lhe quando, garoto, frequentava a heráldica
Pastelaria Leão do Sul, ícone astronômico da Praça do Ferreira. "Ainda vou
botar um negócio desse para mim um dia", dizia de si para consigo enquanto
provava o delicioso lanche da tarde. Contudo, não foi fácil para ele efetuar o
tão caro capricho. Sua mulher, por exemplo, não via qualquer sentido na
proposta, para ela apenas uma arrumação, ainda mais com ele naquela idade.
"Ah, é? Pois eu vou acabar parando no hospital se eu não fizer
isso!", disse-lhe o marido. Ela, muito sábia, retrucou-lhe: "Entre
discutir e ser feliz, eu prefiro ser feliz. Ande, vá vender o seu caldo de cana
e o seu pastel". Na inauguração, o mais novo garapeiro da cidade
mostrava-se mais alegre do que quando abriu seu shopping há 34 anos.
Qual será o seu cotidiano agora? Aos cuidados diários que dispensa
ao seu centro comercial de três centenas de lojas somar-se-á aquele que
devotará à sua merendeira. Posso vê-lo de jaleco atrás do balcão, organizando
os pastéis e demais acepipes no fiteiro, checando a temperatura e a qualidade
do caldo de cana, servindo com cortesia os clientes, recebendo dinheiro e
passando troco. Como dizia minha saudosa mãe, mais vale um gosto do que cem mil
réis. Apesar da tortura onipresente do etarismo, essa doença de quem se acha um
eterno Peter Pan, sempre é hora de começar algo novo, de investir, de tornar
exequível um pensamento, tenha a pessoa a idade que tiver. Não está aí o Nirez,
em seus verdejantes 90 anos, pondo no Facebook o seu belo acervo?
Sempre a matutar sobre as coisas do mundo, encarei a notícia como
uma baita lição de vida. Não devemos desistir dos nossos sonhos, são eles que
nos levam pela estrada afora. Quanta gente vive por aí de forma frustrada por
não ter coragem de mudar de caminho e fazer o que sempre deveria ter feito?
Sofri isso na pele. Larguei a engenharia no oitavo semestre, faltando apenas um
ano para terminar, e me mudei de mala e cuia para a arquitetura, onde fiz quase
tudo o que foi possível. Agora, perto da aposentadoria, erra aquele que pensa
que vou armar a rede na varanda e lá me instalar, curtindo o dolce far niente.
Vou reassumir o meu escritório e me transformar num arquiteto de
bairro. Isso mesmo, fazendo pequenos projetos e obras. E escrevendo, prazerosa
paixão...
(*) Arquiteto e professor da UFC. Sócio do Instituto do Ceará.
Colunista de O Povo.
Fonte: Publicado In: O Povo, de 29/07/24. Vida & Arte. p.2.
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