Meraldo
Zisman (*)
Médico-Psicoterapeuta
… No Brasil a repercussão do
discurso eugênico-nazista permanece significativa …
As imigrações dos últimos 150 anos para o Brasil são
perceptíveis na formação do País. Muitas comunidades de imigrantes trouxeram
consigo, nas suas culturas, elementos antissemitas do imaginário popular,
principalmente aquelas oriundas da Europa Central e Oriental. Em alguns locais
dessas regiões só recentemente os judeus foram plenamente incluídos na
comunidade, podendo agora enterrar seus mortos em cemitérios cristãos.
Movimentos racistas no Brasil, preconizados por grupos
denominados neonazistas, os têm como um de seus alvos, ao lado de
afrodescendentes, nordestinos, homossexuais e outras minorias como os mendigos,
pobres, sem teto, meninos de rua e outros socialmente marginalizados.
Afora os judeus que vieram com os portugueses a partir do
descobrimento, é a partir de meados de 1875 que se dá a vinda das primeiras
famílias judaicas para o País. A extração da borracha no Norte do Brasil foi um
dos principais atrativos. No início do século XX, na tentativa de fugir da
miséria causada na Europa após a Primeira Grande Guerra, uma terceira leva de
judeus começou a chegar ao território brasileiro, todos convictos de que esse
seria o País da tolerância religiosa e também do enriquecimento rápido: café,
borracha, fabricação de tecidos e insipiente produção industrial.
À época, a intenção do governo brasileiro era a de atrair
novos contingentes populacionais para o incremento da produção agrícola, a
ocupação efetiva do território e o suprimento de força de trabalho qualificada
para as indústrias nascentes. Os judeus que eram provenientes do Leste Europeu
instalaram-se em grande parte nas cidades de São Paulo e Rio de Janeiro, os
dois maiores centros urbanos dos pais. Muitos desses judeus eram comerciantes,
mas também havia aqueles que se dedicavam ao setor de serviços, ao artesanato
ou ainda ao trabalho fabril.
Já os judeus que chegavam da Rússia se instalaram no Rio
Grande do Sul e, por conhecerem técnicas agrícolas, logo se alojaram nas
colônias que eram fundadas pelas instituições de ajuda a esses imigrantes. Até
a década de 1930 o que se pensava no Brasil a respeito da imigração era que
essa contribuísse para a formação racial e cultural da sociedade, especialmente
se estivesse influenciada pelos ideais do branco europeu.
A partir de então, essa forma de ver e de pensar o
imigrante transformou-se num discurso nacionalista e nativista, o que levou à
criação de uma lei que restringia a entrada de alguns estrangeiros no país,
destacando-se os judeus.
… Na esfera das teorias
raciais europeias que adentraram o país durante as primeiras décadas do século XX, a ideia
do branqueamento racial teve um forte impacto na mentalidade social brasileira …
O intuito dessa política era de “preservar a raça
brasileira”. Para atingir esse objetivo foi elaborada, no ano de 1934, uma lei
que definia a estratégia de controle da imigração. A partir de então o governo
brasileiro passou a ter autoridade total sobre a entrada de imigrantes judeus
no Brasil. Alguns exemplos são os textos que trataram de compreender
detalhadamente fatos como o da chegada dos portugueses, do processo da
mestiçagem e do começo do período republicano, englobando as teorias e a
crítica cultural que surgiram ao longo do século XX.
Silvio Romero, por exemplo, foi um dos intelectuais que –
simpatizante das ideias nacionalistas que na época eram propagadas – queriam
encontrar uma identidade “autóctone” para a população brasileira. O autor rompe
com a visão romântica e propõe que se faça a elaboração de estudos da cultura
do Brasil, partindo das concepções evolucionistas e raciais construídas pelos
europeus.
Na esfera das teorias raciais europeias que adentraram o
país durante as primeiras décadas do século XX, a ideia do branqueamento racial
teve um forte impacto na mentalidade social brasileira. Voltados para as
questões da formação racial, cultural e até religiosa do Brasil, esses
pesquisadores procuravam descobrir como a sociedade brasileira agia e pensava
com relação à chegada dos imigrantes.
Percebendo uma certa insuficiência nos estudos que
remontassem à história da imigração judaica brasileira e os diversos aspectos e
causas que ela trouxe consigo, sentimos a necessidade de tentar compreender a
trajetória dos imigrantes judeus no Brasil no século XX, mais especificamente
nos anos 20 e 30, identificando a representação do grupo na sociedade e também
nos discursos promovidos por uma determinada classe intelectual.
Alguns estudiosos denunciaram o antissemitismo no cenário
político brasileiro, fundamentando-se em cartas, documentos oficiais e
periódicos. Elementos como o racismo e o preconceito passaram a fazer parte da
história política e social do Brasil. Embora (seguindo) a mesma linha dos
autores que se dedicaram ao estudo da questão judaica no Brasil, resolvemos
debruçar nossos esforços um pouco mais além da problemática imigratória dos
judeus no país, buscando analisar os discursos raciais e políticos no final do
século XIX e das primeiras décadas do século XX, tendo o judeu como elemento
discriminado central dessas ideias, baseadas no nacionalismo alemão da era
nazista. Na Alemanha, a partir de 1933, no período da 2.ª Guerra Mundial, a eugenia
passou do discurso à prática.
No Brasil a repercussão do discurso eugênico-nazista
continua significativa.
(*) Professor Titular da Pediatria
da Universidade de Pernambuco. Psicoterapeuta. Membro da Sobrames/PE, da União
Brasileira de Escritores (UBE), da Academia Brasileira de Escritores Médicos
(ABRAMES) e da
Academia Recifense de Letras. Consultante Honorário da Universidade de Oxford
(Grã-Bretanha).
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