segunda-feira, 27 de dezembro de 2021

BRANQUEAMENTO DO POVO BRASILEIRO e ANTISSEMITISMO

Meraldo Zisman (*)

Médico-Psicoterapeuta

No Brasil a repercussão do discurso eugênico-nazista permanece significativa

As imigrações dos últimos 150 anos para o Brasil são perceptíveis na formação do País. Muitas comunidades de imigrantes trouxeram consigo, nas suas culturas, elementos antissemitas do imaginário popular, principalmente aquelas oriundas da Europa Central e Oriental. Em alguns locais dessas regiões só recentemente os judeus foram plenamente incluídos na comunidade, podendo agora enterrar seus mortos em cemitérios cristãos.

Movimentos racistas no Brasil, preconizados por grupos denominados neonazistas, os têm como um de seus alvos, ao lado de afrodescendentes, nordestinos, homossexuais e outras minorias como os mendigos, pobres, sem teto, meninos de rua e outros socialmente marginalizados.

Afora os judeus que vieram com os portugueses a partir do descobrimento, é a partir de meados de 1875 que se dá a vinda das primeiras famílias judaicas para o País. A extração da borracha no Norte do Brasil foi um dos principais atrativos. No início do século XX, na tentativa de fugir da miséria causada na Europa após a Primeira Grande Guerra, uma terceira leva de judeus começou a chegar ao território brasileiro, todos convictos de que esse seria o País da tolerância religiosa e também do enriquecimento rápido: café, borracha, fabricação de tecidos e insipiente produção industrial.

À época, a intenção do governo brasileiro era a de atrair novos contingentes populacionais para o incremento da produção agrícola, a ocupação efetiva do território e o suprimento de força de trabalho qualificada para as indústrias nascentes. Os judeus que eram provenientes do Leste Europeu instalaram-se em grande parte nas cidades de São Paulo e Rio de Janeiro, os dois maiores centros urbanos dos pais. Muitos desses judeus eram comerciantes, mas também havia aqueles que se dedicavam ao setor de serviços, ao artesanato ou ainda ao trabalho fabril.

Já os judeus que chegavam da Rússia se instalaram no Rio Grande do Sul e, por conhecerem técnicas agrícolas, logo se alojaram nas colônias que eram fundadas pelas instituições de ajuda a esses imigrantes. Até a década de 1930 o que se pensava no Brasil a respeito da imigração era que essa contribuísse para a formação racial e cultural da sociedade, especialmente se estivesse influenciada pelos ideais do branco europeu.

A partir de então, essa forma de ver e de pensar o imigrante transformou-se num discurso nacionalista e nativista, o que levou à criação de uma lei que restringia a entrada de alguns estrangeiros no país, destacando-se os judeus.

Na esfera das teorias raciais europeias que adentraram o país durante as primeiras décadas do século XX, a ideia do branqueamento racial teve um forte impacto na mentalidade social brasileira

O intuito dessa política era de “preservar a raça brasileira”. Para atingir esse objetivo foi elaborada, no ano de 1934, uma lei que definia a estratégia de controle da imigração. A partir de então o governo brasileiro passou a ter autoridade total sobre a entrada de imigrantes judeus no Brasil. Alguns exemplos são os textos que trataram de compreender detalhadamente fatos como o da chegada dos portugueses, do processo da mestiçagem e do começo do período republicano, englobando as teorias e a crítica cultural que surgiram ao longo do século XX.

Silvio Romero, por exemplo, foi um dos intelectuais que – simpatizante das ideias nacionalistas que na época eram propagadas – queriam encontrar uma identidade “autóctone” para a população brasileira. O autor rompe com a visão romântica e propõe que se faça a elaboração de estudos da cultura do Brasil, partindo das concepções evolucionistas e raciais construídas pelos europeus.

Na esfera das teorias raciais europeias que adentraram o país durante as primeiras décadas do século XX, a ideia do branqueamento racial teve um forte impacto na mentalidade social brasileira. Voltados para as questões da formação racial, cultural e até religiosa do Brasil, esses pesquisadores procuravam descobrir como a sociedade brasileira agia e pensava com relação à chegada dos imigrantes.

Percebendo uma certa insuficiência nos estudos que remontassem à história da imigração judaica brasileira e os diversos aspectos e causas que ela trouxe consigo, sentimos a necessidade de tentar compreender a trajetória dos imigrantes judeus no Brasil no século XX, mais especificamente nos anos 20 e 30, identificando a representação do grupo na sociedade e também nos discursos promovidos por uma determinada classe intelectual.

Alguns estudiosos denunciaram o antissemitismo no cenário político brasileiro, fundamentando-se em cartas, documentos oficiais e periódicos. Elementos como o racismo e o preconceito passaram a fazer parte da história política e social do Brasil. Embora (seguindo) a mesma linha dos autores que se dedicaram ao estudo da questão judaica no Brasil, resolvemos debruçar nossos esforços um pouco mais além da problemática imigratória dos judeus no país, buscando analisar os discursos raciais e políticos no final do século XIX e das primeiras décadas do século XX, tendo o judeu como elemento discriminado central dessas ideias, baseadas no nacionalismo alemão da era nazista. Na Alemanha, a partir de 1933, no período da 2.ª Guerra Mundial, a eugenia passou do discurso à prática.

No Brasil a repercussão do discurso eugênico-nazista continua significativa.

(*) Professor Titular da Pediatria da Universidade de Pernambuco. Psicoterapeuta. Membro da Sobrames/PE, da União Brasileira de Escritores (UBE), da Academia Brasileira de Escritores Médicos (ABRAMES) e da Academia Recifense de Letras. Consultante Honorário da Universidade de Oxford (Grã-Bretanha).


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