Por Antônio Silva Lima Neto
(*)
A atitude pessoal mais cruel do presidente da
República ocorreu em março de 2021. Em uma de suas lives semanais, para
ridicularizar o ex-ministro Henrique Mandetta, ele imitou
jocosamente um paciente com falta de ar que arqueja, em meio a uma
crise de insuficiência respiratória provocada pela Covid-19.
Em entrevista ao Jornal Nacional na última segunda,
ao ser perguntado se lhe faltara compaixão, ele mentiu, negando o fato. Como se
as imagens tivessem sido apagadas por uma máquina manuseada pelo Grande
Irmão dos futuros distópicos.
Agora que se aproximam as eleições, ando a
me perguntar o que teria ocorrido no cenário estadual se o Governador(a)
tivesse seguido as recomendações de Bolsonaro. Teríamos recusado as
medidas não farmacológicas (uso de máscara, isolamento social); investido no
tratamento precoce ineficaz; subestimado a necessidade de estoques de
oxigênio e da abertura preventiva de leitos; e desacreditado
as vacinas. Viveríamos, provavelmente, o que houve em Manaus, no fatídico
janeiro de 2021, durante intervenção calamitosa do Ministério da Saúde.
O risco de um novo governante se
defrontar com uma emergência sanitária, como uma pandemia, não é
desprezível. Esta exigirá medidas, eventualmente impopulares,
mas baseadas na ciência, com o intuito máximo de salvar vidas. Essa
possibilidade real é suficiente para que os eleitores rechacem políticos
alinhados, mesmo de maneira velada, com o negacionismo.
Para algumas categorias a aceitação da
perversidade é ainda mais grave. Médicos e outros profissionais que
estavam na linha de frente do combate à pandemia, e têm na essência da sua
prática a empatia com o sofrimento humano, parecem não ter se dado conta. Não
esperem a história julgá-los e, sobretudo, evitem o desastre que sofreríamos
caso o enfrentamento hipotético de uma nova pandemia fosse conduzido por
pessoas incompetentes (tecnicamente e emocionalmente) para tal.
Depois da tragédia que vivemos, deveríamos ter
no juramento de posse do Presidente e dos Governadores, uma cláusula
de comprometimento inequívoco com a ciência, sempre que se deliberem sobre
ações que impactem fortemente a saúde das coletividades.
(*) Médico epidemiologista, doutor em Saúde Coletiva, gerente da Célula de
Vigilância Epidemiológica da Secretaria Municipal de Saúde de Fortaleza e
professor do curso de Medicina da Unifor.
Fonte: Publicado In: O Povo, de 26/08/2022. Opinião. p.15
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