Por Carlos Roberto Martins
Rodrigues Sobrinho (Doutor Cabeto) (*)
Por trás dessa
frase, um desespero, uma mistura de
sensações. A orfandade
e a percepção da finitude mostram-se como atos contínuos.
A morte, essa
sim, tem uma culpa! Ou mesmo, precisa de uma culpa para alentar o fracasso da
tentativa da imortalidade.
Essa conversa,
esse diálogo não tem relação com saberes ou informações técnicas, mas à insegurança sobre os resultados. Afinal, cada um tem sua culpa, seu fracasso exposto
no fim.
Nessas horas
me vem a lembrança da minha avó materna, a sua imagem diante da música, das lagrimas
escorrendo ao lembrar do seu pai, ao ouvir a canção "naquela mesa tá
faltando ele...". Transparecia, apesar da saudade, uma aceitação serena da
sua partida. Falava-me com simplicidade e segurança sobre o desfecho da vida
dos amigos e até da própria vida.
Naquela época,
creio, éramos menos prepotentes em relação às adversidades. Restava-nos a
capacidade de doar, de conviver e de compaixão.
"Doutor,
minha mãe não pode morrer" transcende uma avaliação mais superficial.
Espelha, de alguma forma, uma sociedade
narcísica. Simplesmente
por estabelecer a si mesmo qualidades diferenciadas inexistentes, uma ação
pendular entre a satisfação com as qualidades a si atribuídas e a melancolia da
constatação do contrário.
Do ponto de
vista objetivo trata-se de uma geração que estabelece o direito da eternidade, do desejo e do prazer. Nada tem a ver com a garantia da
sustentabilidade e da necessidade de empatia.
Questionei a
alguns amigos; a resposta foi rápida e direta, não somos narcísicos e sim
queremos ser felizes.
Naquela
ocasião, veio à minha lembrança o conto "O imortal" de Machado de Assis, memória da minha adolescência, com os relatos do Homeopata "Dr
Leão". A minha curiosidade com o elixir da vida e da morte não me
antecipava a percepção da pulsão de morte e imortalidade da psicanálise, que se
mostra fruto de um desejo narcísico.
Os anos
passaram desde o ocorrido, mas pouco mudou. A insistência pela imortalidade
associa- se, também, a incapacidade para o sofrimento. Traço tão marcante da nossa personalidade atual ou mesmo, do nosso
comportamento imodesto.
Enfim, eis
aqui apenas uma dúvida e uma reflexão; por Clarice " a nossa diária e
permanente acomodação resignada à irrealidade".
Também faz
lembrar Vinicius de Moraes: "que não seja imortal posto que é
chama, mas que seja infinito enquanto dure".
(*) Médico. Professor da UFC.
Ex-Secretário Estadual de Saúde do Ceará.
Fonte: Publicado In: O Povo, de 27/01/2024. Opinião. p.29.
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