segunda-feira, 11 de março de 2024

DOUTOR, MINHA MÃE NÃO PODE MORRER...

Por Carlos Roberto Martins Rodrigues Sobrinho (Doutor Cabeto) (*)

Por trás dessa frase, um desespero, uma mistura de sensações. A orfandade e a percepção da finitude mostram-se como atos contínuos.

A morte, essa sim, tem uma culpa! Ou mesmo, precisa de uma culpa para alentar o fracasso da tentativa da imortalidade.

Essa conversa, esse diálogo não tem relação com saberes ou informações técnicas, mas à insegurança sobre os resultados. Afinal, cada um tem sua culpa, seu fracasso exposto no fim.

Nessas horas me vem a lembrança da minha avó materna, a sua imagem diante da música, das lagrimas escorrendo ao lembrar do seu pai, ao ouvir a canção "naquela mesa tá faltando ele...". Transparecia, apesar da saudade, uma aceitação serena da sua partida. Falava-me com simplicidade e segurança sobre o desfecho da vida dos amigos e até da própria vida.

Naquela época, creio, éramos menos prepotentes em relação às adversidades. Restava-nos a capacidade de doar, de conviver e de compaixão.

"Doutor, minha mãe não pode morrer" transcende uma avaliação mais superficial. Espelha, de alguma forma, uma sociedade narcísica. Simplesmente por estabelecer a si mesmo qualidades diferenciadas inexistentes, uma ação pendular entre a satisfação com as qualidades a si atribuídas e a melancolia da constatação do contrário.

Do ponto de vista objetivo trata-se de uma geração que estabelece o direito da eternidade, do desejo e do prazer. Nada tem a ver com a garantia da sustentabilidade e da necessidade de empatia.

Questionei a alguns amigos; a resposta foi rápida e direta, não somos narcísicos e sim queremos ser felizes.

Naquela ocasião, veio à minha lembrança o conto "O imortal" de Machado de Assis, memória da minha adolescência, com os relatos do Homeopata "Dr Leão". A minha curiosidade com o elixir da vida e da morte não me antecipava a percepção da pulsão de morte e imortalidade da psicanálise, que se mostra fruto de um desejo narcísico.

Os anos passaram desde o ocorrido, mas pouco mudou. A insistência pela imortalidade associa- se, também, a incapacidade para o sofrimento. Traço tão marcante da nossa personalidade atual ou mesmo, do nosso comportamento imodesto.

Enfim, eis aqui apenas uma dúvida e uma reflexão; por Clarice " a nossa diária e permanente acomodação resignada à irrealidade".

Também faz lembrar Vinicius de Moraes: "que não seja imortal posto que é chama, mas que seja infinito enquanto dure".

(*) Médico. Professor da UFC. Ex-Secretário Estadual de Saúde do Ceará.

Fonte: Publicado In: O Povo, de 27/01/2024. Opinião. p.29.

Nenhum comentário:

 

Free Blog Counter
Poker Blog