Por João Soares Neto (*)
“Os que não conseguem relembrar o passado estão
condenados a repeti-los”. George Santayana (1863-1952), filósofo americano.
Caro
Leitor: tenha paciência com o texto. Vá até ao final. Leia devagar. Começo: Fiódor
Dostoiévski (1821-1881), grande escritor russo, autor de “Crime e Castigo”,
publicado em 1866, romance geralmente apresentado em dois volumes, fala de
sentimentos de personagens atormentados, daí ter sido o seu autor considerado
“o homem do subsolo”, objeto de estudo de Freud.
No
primeiro volume, tradução de Rosário Fusco, pág.345, Raskólnikov, personagem
central, é abordado sobre artigo por ele publicado na “Palavra Periódica”. Nele
fala sobre a natureza do crime. É dito que os homens são divididos em
“ordinários e extraordinários”.
“Os
homens ordinários devem viver na obediência e não têm o direito de transgredir
a lei, uma vez que são ordinários. Os indivíduos extraordinários, por sua vez,
têm o direito de cometer todos os crimes e de violar todas as leis pela única
razão de serem extraordinários”.
Como
surgem dúvidas, Raskólnikov, o autor, resolve explicar: “Não foi propriamente
assim que me exprimi – começou num tom simples e modesto. – Aliás, confesso-lhe
que o senhor reproduziu o meu pensamento bem de perto. Pensando bem,
reproduziu-o exatamente. A única diferença é que eu não insinuo como o senhor
dá a entender que aos homens extraordinários seja permitido cometer todas as
espécies de crimes. Parece-me que um artigo nesse sentido não poderia ser
jamais publicado. Eu somente insinuei que o homem extraordinário tem o direito,
não o direito legal, mas o direito moral de permitir à sua consciência saltar
certos obstáculos e, isso, somente no caso em que exige a realização de sua
ideia benfeitora, para toda a humanidade”.
Volto
e pergunto: por acaso há alguma semelhança no passado e presente do Brasil entre
pessoas que se consideraram extraordinárias e acreditaram que, em nome de uma
causa, poderiam fazer o que quisessem?
Ele
continua: “Na maioria dos casos, esses homens reclamam, sob as mais diversas
fórmulas, a destruição da ordem estabelecida em proveito de um mundo melhor.
Mas, se for preciso, para fazerem triunfar as suas ideias, eles passam sobre
cadáveres, atravessam mares de sangue. Dentro deles, a sua consciência
permite-lhes fazê-lo em função naturalmente da importância da sua ideia”.
Pausa
para mim: há similar na história da pátria amada?
Sigo
com ele, páginas adiante: “Uma coisa é certa: é que a repartição dos indivíduos
nas categorias e subdivisões da espécie humana deve ser estritamente
determinada por alguma lei da natureza. Essa lei é-nos, bem entendido,
desconhecida ainda até a hora presente, mas acredito que ela exista e nos possa
ser revelada um dia. A enorme massa dos indivíduos do rebanho, como dissemos,
não vive na face da terra senão para fazer aparecer, finalmente, no mundo,
depois de uma série de longos esforços, de misteriosos cruzamentos de povos e
de raças, um homem que entre mil possua a sua independência, e um sobre dez
mil, sobre cem mil, à medida que o grau de independência se eleva”.
Eu,
de novo: teríamos nós, ao longo da nossa história, encontrados esses homens
extraordinários? Teriam eles, se realmente encontrados, o direito – em nome de
uma ideia – de cometer toda a sorte de crimes, com ou sem sangue? Talvez seja
preciso que voltemos a reestudar a História do Brasil, desde o comércio
internacional de escravos ao tempo da colonização portuguesa,depois
transformada em vice-reino – fugindo de Napoleão Bonaparte e seu exército – com
a “proteção” da Inglaterra; Rediscutir como aconteceu a independência do
Brasil. Vale dizer que o nosso D. Pedro I, com o seu grito do Ipiranga, pouco
depois, foi aclamado rei de Portugal, nominado D. Pedro IV. Há uma estátua dele
no Rossio, em Lisboa.
Depois,
deveremos olhar a Proclamação da República, com todas as suas nuances e as
influências verdadeiras, escoimadas nos livros em que as nossas crianças e nossos
jovens devem acreditar. Pense nisso.
Será
que a Guerra do Paraguai (a tal Tríplice Aliança) não foi uma mera artimanha da
protetora Inglaterra? Quem puder,
pesquise e veja se estou exagerando.
Desde
a Proclamação da República, houve tanta confusão no Brasil que não sei como
chegamos ao século 21. Repare um pouco, lembre-se de todos os ex-presidentes,
os eleitos, os impostos e os gerados (Floriano Peixoto,1892, e José
Sarney,1985). Aprazerem-se em procurar saber um pouco mais de cada episódio.
Dostoiévski
foi citado por mim, como condão ou reflexão, para que todos saibam fazer a
distinção entre os homens comuns e os extraordinários que nos trouxeram até
aqui. Cada um tire as suas próprias conclusões. Afinal, não há crime sem
castigo da história.E no romance. Pelo menos. Obrigado.
(*) Escritor e empresário. Da
Academia Cearense de Letras.
Publicado no jornal O Estado, de
21/03/2015.