Por Helvécio Neves Feitosa (*)
A relação entre médicos, insculpida no
Código de Ética Médica (CEM), não trata apenas de cortesia entre colegas, muito
menos de dispositivos atinentes a regras de etiqueta ou de convivência
harmônica entre os que exercem a mesma profissão. Na verdade, o que está em
jogo são os melhores interesses dos pacientes, dos seus familiares e da
coletividade, razão maior da existência do ato médico.
Embora o médico deva ter, para com os
seus colegas, respeito, consideração e solidariedade, isso não o exime de
denunciar atos que contrariem os postulados éticos da profissão ou que possam
agredir os direitos conquistados na luta pela cidadania ou lastreados pelo
respeito à dignidade humana. Não se pode falar em solidariedade de classe
quando alguém viola princípios éticos da profissão ou a usa para favorecer o
crime. Lançar mão da posição hierárquica de gestor para impedir que seus
subordinados atuem consoante o regramento ético da profissão fere mortalmente a
deontologia médica. Não se trata apenas de faltas contra companheiros da mesma
atividade profissional, mas, acima de tudo, de graves e, potencialmente,
irreparáveis prejuízos na condução dos interesses maiores dos pacientes ou da
coletividade.
De acordo com o CEM, é vedado ao médico
"Desrespeitar a prescrição ou o tratamento de paciente, determinados por
outro médico, mesmo quando em função de chefia ou de auditoria, salvo em
situação de indiscutível benefício para o paciente, devendo comunicar
imediatamente o fato ao médico responsável" (Art. 52).
As interferências no ato médico por
superior hierárquico ou auditor, traduzidas por alteração da prescrição de
medicamentos, anotações em exames solicitados, críticas às técnicas cirúrgicas
realizadas, às dietas, ao internamento e à alta são absolutamente descabidas,
ao afrontar a dignidade do profissional e a autonomia tecno-científica de cada
médico. A exceção a esse dispositivo resume-se a situações em que exista a
evidência de dano ao paciente e, ainda assim, o médico tem o dever de comunicar
a ocorrência ao colega responsável. Como exemplo de necessidade fortuita de
intervenção, pode ocorrer a situação de prescrição de medicação errada, que
coloque o paciente em perigo iminente de morte ou de sério agravo à sua
saúde.
(*) Médico, professor
universitário e Presidente do Conselho
Regional de Medicina do Estado do Ceará (Cremec).
Fonte: Publicado In: O Povo, de 10/06/2020. Opinião. p.15.
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