Por jornalista Tarcísio Matos
Por que é que
tu bebe, enjoado?
Conheci
um Nonato Raimundo, bodegueiro, que se gabava de nunca haver vendido fiado. E
um Assis de Francisco, coveiro autônomo afamado, que se jactava de jamais haver
comprado sem o dinheiro na frente.
Um
dia, porém, ambos se negarão: o bodegueiro vai vender fiado e, pior, o coveiro
vai levar sem nunca pagar. Era 31 de dezembro de 1949, exatos 60 atrás. A
peleja entre eles começou no dia anterior.
Assis
de Francisco, que só pegava em grana quando enterrava um cristão, chega
cabreiro à bodega de Nonato Raimundo. Placa enorme na parede o encabula: "Não vendemos fiado.
A bêbado, muito menos!".
O
coveiro, quase um mês sem morrer ninguém na cidade, anda pra lá e pra cá. Quer
pedir pra levar umas coisinhas, pagar amanhã: quilim de feijão, terça de
querosene e o impreterível litro de cachaça.
- Tô canso de dizer
que num vendo fiado, Assis!
- O povo lá em casa tão fomento. Um mês sem
enterrar ninguém!
- Pois espere
morrer um e venha comprar à vista!
- Dona Mundola deve bater a caçuleta de hoje pra
amanhã, macho! Pego dinheiro adiantado e venho pagar. Considere aí!
As
palavras tocam fundo o coração de Nonato Raimundo. Quer por sua mãezinha, por
quem valeria o sacrifício. Quer por Assis, sem fama de velhaco. Quer por
Mundola, que tava mesmo morre num morre.
Resolve,
enfim, vender fiado. Mas pede garantias ao freguês. Assis as concede: Mundola
moribunda, partindo desta, ao sexto badalar do sino da igreja, podia esperar
que ele riscava na bodega com a bufunfa.
Dito
e feito. Beirava 5 da manhã quando o sino da matriz soou blim-blom,
blim-blom... Nonato, agora aliviado, abre as portas do seu comércio (à beira do
cemitério), doido pra ver o cortejo fúnebre passar. Está já na calçada.
Lá
vem o corpo na rede, faz cara de lamento pelo defunto. Certifica-se de que
receberá o que lhe é devido, perguntando: "Quem é o morto aí, colega?"
- O coveiro Assis de Francisco, tadinho! Morreu de
beber cana!
Imagina se não fosse!
Após
oito anos no poder, de direito, Parente pleiteava mais quatro. Mas não confiava
sequer na mulher pra substituí-lo na Prefeitura. Quem o sucederia? Se na
família não encontrava nome à altura, o que dizer lá fora!
Pensou
no padre, mas até o Papa mandar resposta de Roma! Pensou em importar de São
Paulo alguém de gabarito. Foi que num sonho com Getúlio Vargas uma voz indicou
João Silibrino, caseiro de sua fazenda.
Empreitada
simples: o candidato e futuro prefeito só deveria balançar a cabeça daqui pra
lá, quando fosse pra dizer que sim, e de lá pra cá, quando não. Enfim, 80%
disseram 'sim' ao indicado de Parente.
O
velho coronel, enfim, está no terceiro mandato. A João Silibrino cabe deixar os
netos do prefeito de fato na escola; sua função é tirar o leite do gado,
atender telefone. Falando nisso, o telefone tocou e o caseiro...
- Como? Tão anarquizando o prefeito na praça? Peraí!
João,
mão na boca do fone, fala com Parente, na mesa, almoçando...
- Prefeito, tem uns povo na praça chamando o senhor de ladrão!
- Ladrão? Eu? O prefeito aqui é João Silibrino. Vá
lá e se defenda!
- Tá bom, eu vou. Mas pode ser depois de encher os potes, dotô?
Fonte: O POVO, de 6/08/2019.
Coluna “Crônicas”, de Tarcísio Matos.
p.2.
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