Por Márcia Alcântara Holanda (*)
Atendo o telefone
e ouço uma voz embargada, intercalada com choro abrupto dizendo: "Doutora,
pelo amor de Deus, onde levo meu pai? Está com a Covid-19: tem falta de ar, as
unhas estão arroxeando e o olhar ficando perdido. Me ajude!". Falou Rita -
nome fictício de uma antiga cliente.
Num lampejo da
mente vi a aflição estampada no rosto daquela filha. Uma dor romba instalou-se
em mim, talvez nela e em seu moribundo pai.
As dores rombas
são aquelas disformes, que causam extremo mal-estar e aniquilam o ser humano.
São as dores, eu diria, da "alma". Atingem pessoas ou sociedades.
Elas ocorrem por perdas abruptas de entes queridos, irrealizações de sonhos
idealizados, ou por danos que levam ao infortúnio e até desdouro moral.
Descrevi uma dessas em 27/09/2016 no O POVO, causada pela prisão truculenta do
ex-presidente Lula, condenado como corrupto, na onda de desmantelamento das
estruturas corruptoras e corruptíveis que detonaram o seu partido e o levaram
de roldão. Doeu porque o mesmo elevara nossa autoestima, durante seu governo, a
níveis nunca antes alcançados. Aquele ato nos fez sentir constrangidos pelo
desabamento do que havia sido construído, considerando crenças em valores
defendidos por ele, e nós, quando o elegemos, um dia. Outras aconteceram
depois, como a tragédia de Brumadinho, tolhendo vidas de modo descabido.
Hoje a maior de
nossas dores, vem sob a forma do Sars-Cov-2, estrutura molecular, sub
microscópica que entra no nosso corpo, introduz-se nas nossas células e as
deixam destroçadas, levando seres, ao sofrimento e, muitas vezes, à morte.
Entes, parentes, amigos, aderentes e desconhecidos estão indo bruscamente e nos
deixando devastados pelas perdas inesperadas. Os números das mortes pela
Covid-19 são iníquas, acumuladas aos milhares, com poder aniquilador dessa
geração, e que se alastra País adentro. Entretanto a Covid-19, tem controle,
por ações como: isolamento social e uso de EPIs, somados à cuidados de higiene
pessoal e ambiente, além de suportes médicos individuais e coletivos eficazes.
Para nossa
desolação, o Brasil é o quarto país do mundo a ter perdido mais almas nessa
pandemia (The Lancet, de 09/05/2020). Nossa autoestima já decaída pela atual e
decrépita radicalização política, desarticuladora das organizações
governamentais, piorou mais, diante de nossa impotência para com o vírus. Este
caminha na trilha das mortes, conduzido pelo presidente Jair Bolsonaro. Na
revista acima mencionada, lê-se no editorial: "Covid no Brasil e
daí?". No texto encontra-se uma frase, literalmente traduzida do Inglês:
"Talvez a maior ameaça à resposta do País à epidemia da Covid-19, seja seu
presidente, Jair Bolsonaro".
Portanto, as
dores rombas chegaram aos borbotões. Têm autores e endereços. É preciso um
basta!
P S. Ao final
desse texto, Rita me comunicou que internara seu pai a tempo de salvar-lhe a
vida.
(*) Médica pneumologista; coordenadora do Pulmocenter; membro da Academia Cearense de
Medicina.
Fonte: Publicado In: O Povo, de 17/5/2020. Opinião.
p.14.
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