sexta-feira, 30 de abril de 2021

O ÉPICO NO LÍRICO

Por Luciano Maia (*)

Tem-se que o Épico é narrativo, fantástico, heroico. Ora, tanto ou mais fantástico pode ser o Lírico...

O título destas linhas bem poderia ser “O lírico no épico”. Em viagem através dessa dualidade (apenas aparente), pensei em dois poetas da nossa contemporaneidade: Murilo Mendes (1900-1975) e Gerardo Mello Mourão (1917-2007). É curioso como as sugestões nos chegam. Os poemas de Murilo Mendes, em seus vários livros e, especialmente, em Siciliana, chegam-me agora numa revisitação inesperada. Quando estive na Sicília há dois anos, com aquela arquitetura mais presente na memória mítica do que na aparência que ainda apresenta agora, devo ter-me lembrado do poeta. Mas essa lembrança fugiu. E será porque lá lembrei-me, que lembro agora? Claro, os seus poemas em tributo a uma beleza que nós herdamos da civilização mediterrânea (e atlântica!) vieram-se ao pensamento: Vejam isto: Mudo, entre capitéis e cactos / Subsiste o oráculo. / A manhã doura a pedra e vagos nomes, / Agrigento me contempla, e vou-me. Esta evocação (perdoem-me a ousadia) é tão irmã da minha!

O poeta fica em reverência profunda, enquanto “durar na zona limite da memória” o estado de arrebatamento que o invade diante da contemplação do passado helênico e pagão; as suas invocações (as do lugar), diz Murilo Mendes, o contemplam! Isso é pura épica. É neste instante que se desenrolam na mente do poeta todas as lutas e celebrações, amores e tantas outras mais aventuras, façanhas, conquistas, tudo envolto numa aura épica e lírica, a um só tempo.

Certa vez, disse o poeta romeno Lucian Blaga (1895-1961), ele, essencialmente lírico, que as coisas que se tornam poesia são, quase sempre ou sempre, as coisas findas (Drummond também o disse), aquelas irremediavelmente ultrapassadas, só passíveis de retornar pela vereda do quase inefável, da palavra em poesia. Estas observações não excluem o épico. Porque o épico – isto nos ensina Gerardo Mello Mourão – não se extinguirá, ao contrário do que afirmam os arautos de uma pós-modernidade (pós-modernismo, melhor dito) cega aos embates das civilizações, aquela merecedora de culto e esta, por resistir.

Tanto Murilo Mendes ou outro qualquer poeta lírico, hermético ou transparente (do trobar clus ou trobar leu), quanto um poeta voltado ao épico, pode prestar o seu tributo às coisas findas que retornam pela mágica palavra da poesia. Tem-se que o Épico é narrativo, fantástico, heroico. Ora, tanto ou mais fantástico pode ser o Lírico... Falando de ontem ou do que precisa ser feito para o amanhã.

(*) Membro da Academia Cearense de Letras (ACL).

Fonte: Publicado In: O Povo, de 26/12/2017. Opinião. p.11.

Crônica: “Cair num pranto de choro” ... e outro causo

Cair num pranto de choro

Naquele dia o garçom Olegário chegara atrasado ao trabalho, o Bar do Ganço ('ganço' mesmo), não tendo ouvido o princípio do bate-boca/arranca-rabo entre meu primo Francisco Matos Pinto e Biluca Pinto. O casal, na mesa ao lado da minha, brigava feio, era de fim de romance - chifre no meio (corria o boato de que Biluca andara se botando pra João Preá).

O que "serve comida e bebida aos clientes do restaurante", atrasado por força do prego de pneu da bicicleta à altura do Antônio Bezerra, pegou o bonde do cacete verbal andando. Tentou apaziguar os ânimos, oferecendo aos querelantes uma aguinha com açúcar, aluá, quissuco, cinzano, caldo de peixe...

- Quero burundanga nenhuma! Quero meu Pinto de volta! - impunha Chico.

- Deixa eu ficar com teu Pinto, Chico! Senão... - pedia ela lamentativamente. 

A peleja por causa dum pinto soava realmente estranha. O fí de tia Hilda, demais afetado, fazia fincapé.

- O Pinto é meu, é meu e é meu! Você não foi digna do Pinto que eu te dei!

- Chico, sem seu Pinto eu fico nua! Tem nem graça!

- Quem mandou você se engraçar doutro pinto?!?

- Não é Pinto, é Preá! - defende Biluca.

- Assumiu né, bichinha?!? 

Olegário tem relativo entendimento do imbróglio quando o primo Chico dispara essa:

- Vou contratar advogado especialista em tiração de sobrenome do nome de quem caçoa dum Pinto! 

E deu por encerrada a conversa, para a compreensão in totum do garçom do Bar do Ganço:

- Em matéria de sua pessoa, adeus meu Pinto!!! 

Peia pra dez, Mundico levou sozinho!

Pense num brugelho danado - buliçoso, arrochado, arengueiro, imoral, cheio de nós pelas costas, aquele Mundico! Todo noite no telhado de casa, urinava no povo da rua em esguichos fenomenais. E jogava pedra, chamava o povo pelo apelido, mangava, vaiava, frescava até enjoar. A avó, quase 'cega da vista', repreendia mas era mesmo que nada. Nem aí pros carões dele, o maluvido menino a cada dia mais se especializava. Reclamação era o que não faltava. 

Veja como são as descoincidências da vida. Naquela noite, o pequeno presepeiro foi jogar bola na quadra da Associação e, para não perder o embalo, pediu ao colega Betinho fizesse as traquinagens que deram a Mundico fama no bairro. O comparsa matou a pau; em matéria de esculhambação, dizem, fez melhor que o titular.

Ocorre que a avó de Mundico, já sem paciência, bota uma escada e ganha a lapa do telhado. Pega o suposto neto bonequeiro pelas bitacas (em plena ação) e dá-lhe surra de cansanção maior do mundo. Arrasta lá de cima o pivete pela orelha, pra terminar a mão de chibata na sala. Aos berros, o coisinha ruim tenta se defender:

- A senhora tá enganada, dona Mariquinha! Eu sou...

- ... um fí duma égua muito do sem futuro!!!

Até que alguma das netas avisa:

- Vó, esse em quem a senhora tá dando não é Mundico! É Beto de dona Isaura. 

Braba como estava, a velhinha não perdeu o rebolado:

- Bem feito! Peia em capiroto por tabela também vale!

Fonte: O POVO, de 16/10/2020. Coluna “Crônicas”, de Tarcísio Matos. p.2.

quinta-feira, 29 de abril de 2021

HESITAÇÃO VACINAL

Meraldo Zisman (*)

Médico-Psicoterapeuta

Impressões negativas sobre uma vacina são muito difíceis de mudar

Cada grupo das redes sociais é formado por pessoas com opiniões semelhantes. O mesmo acontece com os que não desejam tomar a vacina contra o coronavírus ou serem contrários a esse método profilático.

Não há nada de novo nesse complexo conjunto de medos, tão contagioso ou mais no que se refere à presente, ou a pandemias passadas. Compreensivo. Introduzir qualquer coisa diferente de comida no próprio corpo ou sangue é sempre uma experiência emocionalmente carregada.

Mesmo em países onde há pressa para aplicar a vacina, a hesitação pode surgir em comunidades específicas, particularmente em grupos marginalizados. Alguns grupos desconfiam da autoridade do Estado – às vezes, devido à História das experimentações médicas – e alguns buscam orientação espiritual, em vez de temporal, sobre qual a adequada maneira de conviver. Suas crenças estão ligadas às emoções individuais e quem lida com a psiquê humana sabe que elas são impossíveis de controlar pois variam de indivíduo para indivíduo.

Mas vamos ao assunto do momento: “tomar ou não tomar a vacina”. Quanto a essa questão, há que respeitar o conhecimento profissional que diz: Ninguém consegue ser o dono das próprias emoções.

Tão logo os pesquisadores biomédicos começaram a trabalhar em vacinas contra o Sars-COV2, o vírus que causa a covid-19, as pessoas responsáveis pela Saúde Pública começaram a se preocupar com a “hesitação vacinal”.

Sei que essa hesitação vacinal é extremamente fluida no tempo e no espaço, sujeita a todas as categorias de influências. No domínio do contato entre grupos, a percepção de informação estereotipada sobre membros de fora do grupo, por exemplo através da exposição à mídia, aumentará a probabilidade não só de que se irá ativar tal hesitação no “aqui e agora”, mas de que as consequências dessa hesitação poderão ter enormes atuações maléficas, mais tarde.

Observei que, se eu receber algo muito errado através do WhatsApp e passar pra frente, estarei comentando crime seríssimo. O certo é nunca repassar tal tipo de mensagens.

Ao ficar quieto no meu antro de ignorância, não estarei induzindo as gentes que não têm o devido acesso à ciência a espalhar o medo no caso de eventos adversos da vacina, sejam eles raros ou não. Ao não repassar, nada tenho a perder, mas tenho uma enorme chance de diminuir o medo de todos. Apelo. Faça um favor para a humanidade: pare de enviar seus vídeos/áudios e reportagens de quinta categoria que só sustentam o descrédito vacinal.

O mau uso do seu endereço eletrônico ou “Zap” pode vir a matar algum familiar seu ou qualquer outra pessoa, seja amigo e até inimigo.

Pare de fazer circular notícias erradas.

Elas se espalham numa velocidade muito maior do que a do vírus que estamos tentando combater pela aplicação de medidas sanitárias de fomento à confiança da população. Lembre-se de que é mais fácil estimular a inação do que a ação de aceitar a vacinação.

O trabalho dessas pessoas “antivacina” é muito mais simples do que o dos trabalhadores de saúde pública: o medo e a dúvida são mais fáceis de incutir na espécie denominada afoitamente por nós próprios de Homo sapiens, única espécie de Homo que ainda não foi extinta graças à ‘ciência’ que desenvolvemos desde a Idade da Pedra Lascada.  Contra fatos não existem argumentos. Lugar-comum, lugar-comum, dirão muito dos meus escassos leitores, se os houver.

Pois quanto aos ditados, dizem pessoas do interior do meu estado de Pernambuco: “Ditados são a riqueza dos pobres de espírito”.

Mas tomem a vacina!

(*) Professor Titular da Pediatria da Universidade de Pernambuco. Psicoterapeuta. Membro da Sobrames/PE, da União Brasileira de Escritores (UBE), da Academia Brasileira de Escritores Médicos (ABRAMES) e da Academia Recifense de Letras. Consultante Honorário da Universidade de Oxford (Grã-Bretanha).

quarta-feira, 28 de abril de 2021

O AVANÇO DA VACINA PARA GESTANTES

Por Daniel Diógenes (*)

Duas notícias excelentes para gestantes foram divulgadas nas últimas semanas. A primeira é que a Pfeizer e a BionTech iniciaram os testes de vacinas contra o coronavírus em 4 mil grávidas.

Esse é o primeiro passo para termos resultados consistentes nos efeitos da vacina para esse grupo. A outra é que pelo menos 240 grávidas em São Paulo estão entre as voluntárias dos testes dos laboratórios internacionais.

Os fatos vêm como uma luz em tempos tão obscuros, principalmente para elas, que ainda seguem como grupo exilado da imunização emergencial que acontece no país.

Por enquanto, elas ainda aguardam do Ministério da Saúde, um posicionamento sobre inclusão nos grupos prioritários (afinal estamos falando de duas vidas - mãe e filho), ou o desenvolvimento de uma campanha nacional que realmente traga segurança, não só a elas, mas a todos os brasileiros.

Das que receberam as doses do imunizante, estas eram profissionais de saúde na linha de frente do combate contra o coronavírus.

Enquanto isso, as 240 mulheres iniciam a participação nos testes em abril e se unem a outros voluntários de 20 países. Os teste devem acompanhar mães e filhos, após o nascimento, por dois anos para coletar dados, inclusive sobre a imunização de mãe para filho, ainda no útero.

Mesmo apesar da falta de resultados oficiais sobre o impacto da vacina em mulheres grávidas, é suficiente dizer que elas estarão seguras quando a liberação ocorrer - o que deve acontecer ainda esse ano.

Isso porque vale lembrar que a tecnologia usada, por exemplo, pela coronavac, já é uma velha conhecida nossa - com o uso do vírus inativo - mesma formulação já aplicada nas vacinas contra a influenza e aplicada nas campanhas nacionais de vacinação.

Para as gestantes, é importante que haja uma conversa com seu médico. A orientação é que façam avaliações individuais, a partir do momento que as vacinas estiverem aprovadas para elas.

A decisão entre o médico e a paciente deve considerar vários fatores para se chegar à conclusão de que os benefícios sobrepõem potenciais riscos. 

(*) Médico.

Fonte: Publicado In: O Povo, de 19/3/2021. Opinião. p.16.


terça-feira, 27 de abril de 2021

COVID-19 E A MISSÃO DOS PROFISSIONAIS DA SAÚDE

Por Luiz Aramicy Pinto (*)

Estamos prestes a completar um ano que o mundo foi acometido da pandemia da Covid 19. Muito se tem divulgado sobre os melhores métodos para o enfrentamento visando a preservação da vida e minorando suas trágicas consequências.

Desnecessário dizer que ainda hoje o mundo vive um período de inquietação onde os avanços tecnológicos focados principalmente nas pesquisas, e o comprometimento da indústria farmacêutica na busca da vacina em muito tem contribuído para se chegar ao combate efetivo da doença.

As estatísticas mostram a agressividade da mesma, que tem levado milhares de pessoas a óbito nas mais variadas faixas etárias.

A grande solução que se apresenta para anular esta letal doença são as vacinas que visam proteger a humanidade para que possamos voltar a ter vida normal.

É certo, que hospitais bem equipados e com recursos terapêuticos de ponta tem contribuído para salvar vidas, entretanto, isto não é tudo.

É chegado o momento de se ressalvar o papel e a importância fundamental dos profissionais de saúde que são responsáveis pela assistência integral aos pacientes.

Neste particular reside nossa dificuldade quando aumentamos o número de leitos que sejam clínicos ou de UTI`S com a contratação de pessoal para compor as escalas de plantão.

Médicos infectologistas, intensivistas, enfermeiras, técnicos de enfermagem, auxiliar de enfermagem e demais profissionais inclusive os de TI, a cada dia fica mais raro.

Ressalte-se que as equipes atuais estão fisicamente chegando à exaustão, sem esquecer que alguns já foram contaminados, e até mesmo chegando a óbito.

Tudo isso posto, a nossa reflexão é no sentido de que as universidades tem que priorizar mais ainda a formação e especialização destes profissionais, pois somente assim se concretizará o apoio necessário, a atenção aos pacientes acometidos pela doença.

Para que tenhamos profissionais capacitados sabemos qu levará algum tempo mas, entendemos que esta pandemia vem mostrando a real necessidade de maior atenção aos recursos humanos especializados da saúde, sem deixar de levar em conta as políticas de governo no sentido do aproveitamento e valorização desta mão de obra. 

(*) Presidente da Associação de Hospitais do Ceará.

Fonte: Publicado In: O Povo, de 19/3/2021. Opinião. p.24.


segunda-feira, 26 de abril de 2021

A IMPORTÂNCIA DA VACINA

Por Carlos Viana (*)

Nos Estados Unidos, cerca de 29 milhões de pessoas foram infectadas com o novo coronavírus. Por mais que o número seja assustador, as coisas começam a mudar.

Até o momento, aproximadamente 32 milhões de americanos receberam as duas doses da vacina, e outros 93 milhões a primeira.

Além disso, há estoque de 500 milhões de doses, mais que a população do país, que gira em torno de 300 milhões de habitantes. Mesmo com essa reserva de emergência, o presidente dos Estados Unidos, John Binden, anunciou a compra de mais 100 milhões de doses.

A justificativa é que ainda não se sabe se será necessária a aplicação de doses extras para conter a doença.

No Brasil, o número de vacinados ainda é muito baixo, por causa de um governo negacionista, que só comprou a vacina após o governador de São Paulo, João Doria (PSDB), investir na parceria com um laboratório chinês e começar a vacinação em janeiro.

Portanto, pode-se ver que o Governo Bolsonaro só "acordou" para a necessidade da compra de vacinas por pressões políticas, por medo de perder apoiadores e, por consequência, votos em 2022.

Mas o baixo número de vacinados não é nosso único problema. O Brasil é um dos cinco países do mundo a atingir a triste marca de dois mil mortos em 24 horas. Junta-se assim aos Estados Unidos, Índia, Argentina e México.

Vacinar a população o quanto antes é a arma mais eficaz para conter o avanço do covid-19.

Segundo especialistas, somente a vacinação em massa é capaz de frear novas contaminações e, assim, novas mutações do vírus, que tornam-se cada vez mais contagiosas e letais.

Além de evitar novas mortes, a vacinação também é importante para que a economia volte a funcionar plenamente, uma vez que a população imunizada, poderá voltar às ruas e a fazer compras, frequentar restaurantes, cinemas e outros locais, contribuindo para que a economia gire.

Enquanto a tão sonhada e necessária vacina não chega para todos, continuemos tomando todos os cuidados, obedecendo as orientações médicas como o uso de máscara e lavar as mãos com álcool em gel.

Eu, que sempre tive medo de agulha, estou ansiosíssimo para ser vacinado. 

(*) Jornalista. Repórter do Núcleo de Opinião do jornal O POVO.

Fonte: Publicado In: O Povo, de 16/3/21. Opinião, p.19.


PAÍS FABULOSO

Por Luiz Gonzaga Fonseca Mota (*)

Encontramos em várias fábulas de Esopo e de La Fontaine lições de moral que permitiram, com outras palavras, a elaboração do resumido texto. Florestal é um País muito rico, com milhões de hectares de área, rios, lagoas, banhado pelo oceano Atlas e com uma população diversificada de animais. Possui uma flora e uma fauna bonitas e produtivas. Os animais nem sempre se dão bem e prevalece a lei dos mais poderosos. Assim, apesar do chefe da administração do País ser o leão, rei da selva, panteras, tigres, onças, jacarés, serpentes e outros indomáveis disputam a liderança. Os mais humildes e pequenos obedecem às determinações dos poderosos sem apresentar nenhuma reação. Muito embora o país Florestal possua uma “Lei de Comportamento”, infelizmente, muitas vezes não é respeitada. Há uma disputa permanente entre o leão e as outras feras graúdas e importantes. Pobre país Florestal. A mencionada disputa visa conquistar o poder, em todos os níveis, e não leva em consideração as reais necessidades dos animais indefesos. É mais significativo, para alguns poderosos, conceder benefícios indevidos do que atender os modestos e carentes florestenses. A “Lei de Comportamento” reúne 5 (cinco) itens, quais sejam: 1_ A floresta é de todos florestenses, não podendo haver discriminação de qualquer natureza, assim como é obrigatória a busca da soberania e da paz. 2_ A solidariedade é fundamental para que todos os animais tenham acesso aos serviços básicos de saúde, educação, segurança e alimentação. 3_ A vida e a liberdade constituem pontos fundamentais para a consolidação da “florestania”, ou seja, todos estão sujeitos a direitos e deveres. 4_ A liberdade é assegurada, desde que não venha significar ações indevidas e injustas aos animais, como também ao próprio País. 5_ Não é permitido, em qualquer situação, o abuso do poder, seja físico, ético, moral e legal, preservando-se sempre a justiça, para impedir desigualdades e decisões inadequadas. A situação em Florestal está complicada, em razão da desunião, da ganância, da corrupção (em vários sentidos) e da falta de solidariedade. Moral da história: espera-se que um dia o bem vença o mal.

(*) Economista. Professor aposentado da UFC. Ex-governador do Ceará.

Fonte: Diário do Nordeste, Ideias. 2/4/2021.

domingo, 25 de abril de 2021

UM FUZILEIRO OBTUSO

No final dos anos sessenta, um tenente fora designado para servir no tradicional Grupamento de Fuzileiros Navais de Ladário, em Mato Grosso do Sul, reduto dos famosos “Fuzileiros do Pantanal”, experts em Operações Ribeirinhas.

Ainda quando servia nesse mesmo quartel, encontrava-se ele no aeroporto, chegando de viagem, e discou para lá, solicitando uma condução.

– Bom dia, aqui é o Tenente Beltrano; quem está falando, por favor?

– Não senhor, o Tenente Beltrano não está – respondeu o soldado telefonista.

Acreditando que ele não houvesse ouvido bem, o oficial retrucou:

– Não, senhor soldado! Creio que você não ouviu bem; aqui é o Tenente Beltrano falando; estou no aeroporto e preciso de uma condução ao quartel.

Mas o soldado repetiu, seguro:

– Não senhor, o Tenente Beltrano saiu. O senhor quer deixar recado?

Já meio impaciente, o Tenente Beltrano pensou em solicitar que ele chamasse o Oficial de Serviço, mas decidiu agir de outro modo:

– Está bem. Quando ele chegar, diga que eu liguei.

– E como é mesmo o nome do senhor?

– Tenente Beltrano – informou o oficial.

Ele então voltou para o quartel de táxi. Ao lá chegar, como esperado, recebeu o recado de que ele havia ligado para si mesmo...

Marcelo Gurgel Carlos da Silva

Ex-Presidente da Sobrames-Ceará

* Publicado In: SILVA, M. G. C. da (Org.). Ombro, arma! Médicos contam causos da caserna. Fortaleza: Expressão, 2018. 112p. p.72.

Nota: Esse causo acima foi adaptado dos originais de Gil Cordeiro Dias Ferreira, postados em 6 de julho de 2012, no Portal Militar. São desse autor, ao todo, mais de quinze causos relacionados à Marinha de Guerra do Brasil, que podem ser acessados em: http://www.militar.com.br/artigo-2474-Coisa-de-Naval---Causos-Fuzileiros#.Uoi53SfEhHI


O CACHORRO DO COMANDANTE

Por volta dos anos setenta, um comandante de uma região militar entrou em contato com uma companhia aérea, para notificar que sua filha enviara a ele do Rio de Janeiro o seu cachorro de estimação.

Alertou sob os cuidados que se deveria ter com o seu animal de estimação por quem ele nutria uma afeição muito especial, exigindo que o mesmo, tão logo chegasse, fosse levado ao quartel-geral que ele comandava.

A empresa, atenta às recomendações do general, primou por todo o zelo e assim que o avião aterrissou foram apanhá-lo no setor de cargas do aeroporto local.

Ao abrirem a caixa contendo o cão, os funcionários viram que o animal estava morto.

Então, ambos começaram a discutir a situação e telefonaram para a gerência da empresa, para saber que providência caberia a eles tomarem.

Como se estava no auge do regime militar pós-64, não era prudente aborrecer um oficial de alta patente, e ademais era imperioso resguardar a empresa transportadora de possíveis retaliação pelo infortúnio ocorrido.

Deliberaram, enfim, retardar a entrega ao general, alegando atraso no embarque no aeroporto de origem, enquanto mediavam uma forma de se safarem daquela constrangedora situação.

Com se tratava de um animal de raça bastante comum, um pastor alemão, adulto, de porte médio, se valeram dos préstimos de amigos do Kennel Club da cidade e encontraram um espécimen de muita similitude física com o cão falecido. Compraram-no a preço de ouro.

Já com um discurso afiado, para driblar a desconfiança do militar, apresentaram o canídeo substituto ao pretenso proprietário, havendo um estranhamento mútuo entre dono e possuído.

Esse animal não é o meu. É parecido, mas não é o meu, com absoluta certeza.

General, esse foi cachorro que foi enviado por sua filha.

A astúcia de vocês não vai me levar ao engodo.

Ele está o estranhando, e não reconhece, certamente, porque está muito estressado, pois foi uma viagem longa e cansativa, cheia de percalços no trajeto.

Não tem cabimento o que vocês tentaram fazer. O meu querido cachorro morreu no Rio e minha filha me mandou o corpo para que eu o sepultasse no sítio de nossa família, no município vizinho desta capital

Marcelo Gurgel Carlos da Silva

Ex-Presidente da Sobrames-Ceará

* Publicado In: SILVA, M. G. C. da (Org.). Ombro, arma! Médicos contam causos da caserna. Fortaleza: Expressão, 2018. 112p. p.70-71.


sábado, 24 de abril de 2021

O PROGRAMA CIENTÍFICO DA XIX BIENAL DA ACADEMIA CEARENSE DE MEDICINA

 

A Academia Cearense de Medicina (ACM) realizará de 12 a 14 de maio de 2021 a sua XIX Bienal. Esse evento, de natureza científica e cultural e de suma importância para a Medicina cearense, terá como seu Presidente de Honra o professor e médico Acad. José Otho Leal Nogueira e como Patrono o Acad. Sérgio Gomes de Matos (in memoriam).

A coordenação executiva da Bienal é do Acad. Janedson Baima Bezerra; a organização do Acad. Vladimir Távora Fontoura Cruz e a supervisão geral encontra-se à cargo do Acad. Pedro Henrique Saraiva Leão. A programação científica foi elaborada pela Diretoria Científica, que tem no seu comando os acadêmicos José Iran de Carvalho Rabelo e Roberto Misici, e por integrantes mais afeitos ao temário a ser tratado.

O programa científico do evento, tendo a Covid-19 como tema central, será desenvolvido em Sala Virtual Zoom, administrada pela empresa Pyrilampo, sendo aberto a profissionais e estudantes da área de Saúde, previamente inscritos, e ao público em geral interessado na problemática da presente pandemia.

Na solenidade de abertura, marcada para a noite de 12/05/2021, ter-se-á a Conferência Magna “Covid-19: Direitos humanos em quarentena?”, a ser proferida pelo Dr. Ailton Benedito de Souza (GO).

A primeira atividade da manhã de 13/05/2021 será a Conferência “Covid-19 e as epidemias na história do homem”, sob a responsabilidade da Dra. Margareth Pretti Dalcolmo (RJ). Em seguida, com a moderação do Acad. Anastácio de Queiroz Sousa, dar-se-á o Painel: “Covid-19: a doença”, com os seguintes temas e painelistas: 1. “Medicina translacional: da biologia molecular à fisiopatologia da doença”, Dra. Roberta Lacerda Dantas (RN) e Dr. Fernando Antônio Brandão Suassuna (RN); 2.Covid-19 como doença sistêmica: as repercussões dos sistemas respiratório, vascular, digestivo, renal e neurológico”, Dr. Weiber Silva Xavier (CE); e 3. “Observação clínica ainda é a maior ciência. Fatos que sustentam o uso dos corticoides e outras drogas na Covid-19”, Dr. Roberto Sebastian Zeballos (SP). Concluindo os trabalhos matutinos, registra-se o Simpósio “Covid-19: apresentações especiais”, com os temas e oradores: Sobreposição de Covid e dengue e outras arboviroses” (doenças paralelas), Dr. Ivo Castelo Branco Coelho (CE) e “Síndrome inflamatória sistêmica em criança e adolescente com Covid-19”, Dr. Robério Dias Leite (CE).

O turno vespertino de 13/05/2021 contará inicialmente com a Conferência “Os paradigmas do conhecimento médico, o tratamento precoce e a vontade de curar”, tendo por expositora a Dra. Nise Hitomi Yamaguchi (SP). Na sequência, moderado pelo Acad. Francisco George Magalhães de Oliveira, vem à lume o Painel: “Covid-19: o tratamento (o estado da arte)”, com os temas e painelistas seguintes: 1. “Covid 19 como doença inflamatória sistêmica grave: anticoagulantes, anti-hipertensivos, biológicos, hemodiálise e outros recursos terapêuticos”, Dr. Francisco Ronald Pedrosa Oliveira Jr. (CE); 2. Covid-19 e o sistema respiratório: métodos de oxigenação invasivos e não invasivos”, Dr. Marcelo Alcântara Holanda (CE); e 3: Covid-19 como doença imunológica: plasmaterapia, imunoglobulina hiperimune, e outros recursos”, Dra. Luciana Maria de Barros Carlos (CE). Finalizando a tarde, o Simpósio Pós-Covid-19”, com os temas e oradores: Variantes virais, mutações e reinfecção”, Dr. Ricardo Dimas Zimmermann (RS) e “Aspecto clínicos e tratamento de variantes na Covid-19”, e Dr. Flávio Adsuara Cadeggiani (DF).

A programação da manhã dea 14/05/2021 começa com a Conferência “Covid-19: aspectos médico-psicossociais”, a ser pronunciada pelo Dr. Hélio Angotti Neto (DF). Nos mesmos moldes dos dias anteriores, tendo o Acad. Paulo Roberto Leitão Vasconcelos por moderador, ocorrerá o Painel “Covid-19: a profilaxia”, com a seguinte configuração: 1.Imunogenicidade das diferentes formas de vacinas x resposta imune ao coronavírus” Dr. Eurico de Arruda Neto (SP); 2. Covid-19: validade da imunização e estratégias de vacinação para garantia da eficácia”, Dr. Jeová Keny Baima Colares (CE); e 3.Covid-19: como alguns povos conseguiram controlar a pandemia antes da vacina”, Acad. Antônio Carlile Holanda Lavor (CE). Para concluir essa manhã, acontecerá o Simpósio Situações paralelas à doença”, quando se apresentarão “O respeito à dignidade da pessoa humana em tempos de pandemia”, Dr. José Abelardo Garcia de Meneses (BA); e “Repercussão econômica da Covid-19: os contextos brasileiro e internacional”, Dr. Felipe Bastos Gurgel Silva (USA).

Na solenidade de encerramento da XIX Bienal, agendada para a tarde de 14/05/2021, a ACM brindará a sua seleta audiência com a Conferência Magna “Plataformas vacinais: presente e futuro”, a ser pronunciada por Dr. Arnaldo Correia de Medeiros (DF), coroando um exitoso programa científico urdido pela Comissão Organizadora.

Pelo exposto, denota-se que a programação científica delineada, consoante acima foi discriminada, se revestirá da maior relevância para a compreensão e a divulgação de conhecimentos sobre a pandemia causada pelo novo coronavírus que vem afligindo a população humana, aqui e alhures, servindo o evento para registro de fatos presentes que hão de ser preservados para a posteridade.

Acad. Marcelo Gurgel Carlos da Silva

Titular da cadeira Nº 18 da ACM

*Publicado In: Jornal do médico digital, 2(12): 53-55, abril de 2021. (Revista Médica Independente do Ceará).


A VERDADEIRA IDENTIDADE DO PAPAI NOEL

Dois homens estavam conversando e bebendo cerveja em um bar, quando um diz ao outro:

- Você sabe de uma coisa? Eu queria de ter um emprego como o do Papai Noel.

O outro amigo, intrigado pergunta:

- Por quê, o que há de tão especial?

O outro homem responde, explicando que:

- Papai Noel não fabrica brinquedos pessoalmente, ele só administra seus funcionários;

- Você nunca verá o Papai Noel fazendo seu trabalho;

- Papai Noel viaja muito pelo mundo;

- Não chega a trabalhar 40 horas por semana;

- Trabalha apenas em uma época do ano;

- E também tem um emprego permanente e se aposenta apenas se quiser.

O amigo diz a ele:

- Você está tentando me dizer que o Papai Noel, na verdade, é um político?

Fonte: Disponível na home page “Tudoporemail”.


O SEGREDO DO SUCESSO

Depois de muitos anos de trabalho árduo, Antônio se deu de presente uma longa estada em um luxuoso e exclusivo resort no Caribe.

Enquanto relaxava na praia, ele ficou surpreso ao ver um ex-colega de escola que ele não via desde que se formaram. Seu antigo colega tinha sido uma espécie de "folgado" no ensino médio, e este era o último lugar que Antônio esperava vê-lo.

Ele se aproximou do homem e tocou no ombro. "Manoel, é o Antônio. Do ensino médio. Com certeza faz muito tempo que a gente não se vê. Você está ótimo! Deve ter mesmo se dado muito bem."

"Estou", sussurrou Manoel. "Sou sócio de um escritório de advocacia de muito sucesso. Mas não comente com a minha mãe. Ela pensava que eu era traficante de drogas quando eu estava no ensino médio, e ela ficaria terrivelmente desapontada se descobrisse como eu REALMENTE ganho meu dinheiro."

Fonte: Disponível na home page “Tudoporemail”.


sexta-feira, 23 de abril de 2021

Crônica: “Ô povo fêi! E ingingente!!!” ... e outro causo

Ô povo fêi! E ingingente!!!

Sabe esses sujeitos bem ingênuos? É seu Ontonho Ludruvino. Dia desses chegou em casa tão avexado, vindo da rua, que o rabo era um rei. Cruzou a sala correndo, tinindo, dicretado pro banheiro, com mais de mil. Pela velocidade e mungango na cara, era questão urinativa séria. Tão arrupiado que todos notaram os calombos no couro. Sequer um oi pro povo, de olhos grelados no sujeito foguetado. Apreensão geral da família. A mulher Enemaura correu pra ver o que era. Grita da porta.

- Diabeisso, Ludru? U ou M?

- U!!!

Ludruvino, sem exagero, urinou por 15 minutos seguidos, naquele modelo de desbaste que, quando se pensa haver acabado, vem outra chiringada medonha e haja xixi. Quando acabar, chegou à sala, desconfiado, a reclamar-se:

- Nunca mais volto ao diabo daquele shopping sem futuro!

- Que foi, pai? - indaga curiosa a filha.

- Fui ao banheiro da desgraça verter água e eram tantas as 'ingingença' no aviso colado em cima da privada, que eu vim foi fazer em casa...

- Que exigências, hômi? - pergunta a esposa ansiosa.

- Vamo lá! Dar descarga suficiente depois de urinar, ok; não jogar papel higiênico no chão, tudo bem; usar o vaso sanitário com categoria, sem problema; não molhar a tampa do sanitário, beleza...

- É isso que sempre pedem, o banheiro é de todos, pai!

- Sim, carece de ter cuidado. Mas, pra dar uma simplória mijada, precisava pedir cópia de CPF autenticada, comprovante de residência, RG, tipo sanguíneo, nomes de duas pessoas conhecidas, RX do tórax e bafômetro?

Explicando: um gaiato, só pra frescar, escreveu a lápis esses pedidos inusitados, pra pegar besta no sistema de Ludruvino. E pegou! 

Pra tirar a catinga do mijo

Quem não levou um fora caprichado da mulher mais madura (a mais linda do bairro) só porque ainda se era demais ameninado? Eu, pelo menos, umas seis vezes. Principalmente nas tertúlias. A beldade lá estava, próxima do som, e eu, pivete corajoso, inventava de tirá-la pra dançar, sem contar a tentativa inócua de aplicar um queixo sem futuro. O que ela respondia?

- Vá tirar a catinga do mijo!!! 

Sabe o que sucedeu com o Valdé, metido a gostosão, apesar de muito feio - bote feio nisso? Recebeu da Laurita um 'passafora' nesse modelinho e, por não haver entendido a mensagem, foi reclamar-se ao pai. O velho explicou didático:

- Quer dizer vá crescer, criar marra, ser gente... Vá coisar, engrossar o cangote...

- Ah, é? Pois deixe estar!

Dez anos se passaram. Já bem empregado no serviço público federal, em seu fusca verde garboso, lembrou-se do não que recebera de Laurita e foi bater na casa dela. Tocou a campainha e a própria criatura veio atender no portão.

- Diga, meu senhor?

- Lembra de mim não?

- Nunca vi mais magro!

- Tirei a catinga no mijo...

Laurita olhou aquela arrumação (Valdé ainda mais desengonçado) e pesou e sopesou. Sincera como sempre, mandou brasa no verbo:

- Pois agora vá tirar a catinga da merda!

Fonte: O POVO, de 2/10/2020. Coluna “Crônicas”, de Tarcísio Matos. p.2.


quinta-feira, 22 de abril de 2021

VIGILÂNCIA ATIVA COMO LEGADO DA PANDEMIA

Por José Xavier Neto (*)

A falta de um comando central engajado limita o impacto das medidas estaduais e municipais. Contudo, há falhas no modo como o Brasil planejou enfrentar crises de saúde.

Há sete mecanismos de combate a pandemias que os signatários do Registro Sanitário Internacional (RSI) da OMS comprometeram-se a utilizar: (1) controle de fronteiras; (2) rastreamento de casos e contatos para isolamento dos afetados; (3)métodos não farmacológicos; (4) distanciamento social; (5) suporte econômico; (6) adequação da estrutura hospitalar; e (7) vacinação.

Apesar de signatário do RSI, o Brasil descuidou do rastreamento de casos e contatos, utilizado consistentemente por Austrália, China, Coréia do Sul, Libéria, Nova Zelândia, e Taiwan, países bem-sucedidos contra a COVID-19.

Mapear casos positivos e identificar seus contatos colocando-os em quarentena interrompe cadeias de transmissão, evitando espalhamentos.

Por que deixamos de rastrear casos? A resposta, paradoxalmente, está no SUS, sistema único de saúde. Criado em 1988, o SUS é um passo fundamental para cidadania, mas sua estrutura tem imperfeições.

Apesar de formular uma vigilância com elementos sanitários, epidemiológicos, do trabalho e do meio ambiente, o SUS não previu a vigilância epidemiológica ativa, justamente a que traça casos e contatos.

Toda uma geração foi treinada no equívoco de que, na prática, a vigilância epidemiológica se restringe à colheita de dados.

Descentralizado e regionalizado, o SUS uniu solidariamente os três níveis de organização governamental, agregando conselhos para assegurar participação social.

Em certas áreas, essa receita virtuosa mostrou-se pouco prática, por pulverizar responsabilidades, forçando a criação de agências para garantir uma operação eficiente de serviços vitais. A Anvisa é o exemplo na área da vigilância sanitária.

Apoiemos agora o rastreamento de casos, seja ele tradicional, como o Covid Tracker da Prefeitura de Fortaleza, ou inovador, de alta tecnologia. O primeiro já opera com capacidade reduzida, o segundo já foi delineado.

Após a crise, revisemos políticas, criando um centro de controle de doenças do porte do CDC norte americano e retreinemos nossos epidemiologistas e agentes de saúde na vital arte perdida do rastreamento de casos para o enfrentamento de epidemias. 

(*) Médico, professor e pesquisador.

Fonte: Publicado In: O Povo, de 18/3/2021. Opinião. p.29.


quarta-feira, 21 de abril de 2021

"TRATAMENTO PRECOCE" É FARSA, SENADOR

Por Roberto da Justa Pires Neto (*)

É inacreditável que, passado mais de ano da descoberta do novo coronavírus, depois do sequenciamento do seu genoma e de milhares de pesquisas científicas que culminaram com o desenvolvimento em tempo recorde de vacinas, ainda seja pautado e propagado o uso de medicamentos que não se mostraram eficazes no tratamento da doença.

Uma mistura de cinismo, acobertamento de incompetência na coordenação das ações de combate à pandemia pelo Governo Federal e tentativa de manipulação da fé e da espiritualidade das pessoas remonta à Idade Média e perpetua essa pauta no País.

É o que se extrai da narrativa do senador Luís Eduardo Girão, em artigo recente publicado em O POVO. O uso indiscriminado de cloroquina, ivermectina, azitromicina, vitamina D e zinco na atual crise não encontra paralelo em nenhum outro país.

Não é recomendado por nenhuma entidade séria e, atualmente, não passa de uma grande farsa. Tal conclusão se dá pela observância ao que há de mais relevante e publicado na literatura científica.

E aqui não cabem estudos de má qualidade, sem metodologia adequada, não submetidos ao crivo de outros pesquisadores e com resultados e conclusões questionáveis.

Uma farsa que contou com a conivência do Conselho Federal de Medicina (CFM) e a precipitação de quem divulgou "protocolos" sem lastro científico, além do oportunismo de alguns planos de saúde que disponibilizaram "kits Covid".

O estímulo ao uso de medicamentos sem benefício comprovado vai contra tudo o que se aprende em cursos de graduação e pós-graduação.

A chancela dessa aberração pela entidade médica maior (CFM) vai de encontro a um dos princípios fundamentais da bioética, "primum non nocere" ("antes de tudo, não fazer mal" - ao paciente) e distorce a compreensão do que é autonomia médica.

Tal farsa tem um custo muito elevado, financeiro e principalmente de vidas perdidas. Muitos acreditaram nisso e relaxaram em medidas que realmente funcionam, como isolamento social, uso de máscara, higienização das mãos. Em outras palavras, essa crença levou muitos à morte.

A história julgará muito em breve todos que colaboraram com esta farsa do "tratamento precoce", desrespeitaram pacientes, familiares e profissionais de saúde, que mandaram o povo procurar vacina "na casa da mãe" e insistiram em uma falsa dicotomia entre "vida ou trabalho".

Ainda haveria tempo para arrependimento e reparação? 

(*) Médico infectologista e professor da Faculdade de Medicina da UFC.

Fonte: Publicado In: O Povo, de 17/3/2021. Opinião. p.23.