Por Luciano Maia (*)
Tem-se que o Épico é narrativo, fantástico, heroico. Ora, tanto ou mais fantástico pode ser o Lírico...
O título destas
linhas bem poderia ser “O lírico no épico”. Em viagem através dessa dualidade
(apenas aparente), pensei em dois poetas da nossa contemporaneidade: Murilo
Mendes (1900-1975) e Gerardo Mello Mourão (1917-2007). É curioso como as
sugestões nos chegam. Os poemas de Murilo Mendes, em seus vários livros e,
especialmente, em Siciliana, chegam-me agora numa revisitação inesperada.
Quando estive na Sicília há dois anos, com aquela arquitetura mais presente na
memória mítica do que na aparência que ainda apresenta agora, devo ter-me
lembrado do poeta. Mas essa lembrança fugiu. E será porque lá lembrei-me, que
lembro agora? Claro, os seus poemas em tributo a uma beleza que nós herdamos da
civilização mediterrânea (e atlântica!) vieram-se ao pensamento: Vejam isto:
Mudo, entre capitéis e cactos / Subsiste o oráculo. / A manhã doura a pedra e
vagos nomes, / Agrigento me contempla, e vou-me. Esta evocação (perdoem-me a
ousadia) é tão irmã da minha!
O poeta fica em reverência
profunda, enquanto “durar na zona limite da memória” o estado de arrebatamento
que o invade diante da contemplação do passado helênico e pagão; as suas invocações
(as do lugar), diz Murilo Mendes, o contemplam! Isso é pura épica. É neste
instante que se desenrolam na mente do poeta todas as lutas e celebrações,
amores e tantas outras mais aventuras, façanhas, conquistas, tudo envolto numa
aura épica e lírica, a um só tempo.
Certa vez, disse o poeta romeno
Lucian Blaga (1895-1961), ele, essencialmente lírico, que as coisas que se
tornam poesia são, quase sempre ou sempre, as coisas findas (Drummond também o
disse), aquelas irremediavelmente ultrapassadas, só passíveis de retornar pela
vereda do quase inefável, da palavra em poesia. Estas observações não excluem o
épico. Porque o épico – isto nos ensina Gerardo Mello Mourão – não se
extinguirá, ao contrário do que afirmam os arautos de uma pós-modernidade (pós-modernismo,
melhor dito) cega aos embates das civilizações, aquela merecedora de culto e
esta, por resistir.
Tanto Murilo Mendes ou outro
qualquer poeta lírico, hermético ou transparente (do trobar clus ou trobar leu),
quanto um poeta voltado ao épico, pode prestar o seu tributo às coisas findas
que retornam pela mágica palavra da poesia. Tem-se que o Épico é narrativo,
fantástico, heroico. Ora, tanto ou mais fantástico pode ser o Lírico... Falando
de ontem ou do que precisa ser feito para o amanhã.
(*) Membro da Academia Cearense de Letras (ACL).
Fonte: Publicado In: O Povo, de 26/12/2017. Opinião. p.11.