sábado, 12 de julho de 2025

HIDELBRANDO DOS SANTOS III: do balcão da mercearia para a cadeira de reitor

Por Gabriela Almeida, texto, e Fernanda Barros, foto (Jornalistas, de O Povo)

OP- Foi durante esse período também que a sua relação com a Uece começou né? Foi bacharel, professor, coordenador de projetos... em que momento disso tudo veio a vontade, a intenção de ser reitor?

Hidelbrando - Tenho que ser sincero em tudo que digo, eu nunca pensei em ser professor universitário. Quando eu fiz bacharelado em geografia, a única coisa que eu pensei foi em ser bacharel em alguma empresa estatal.

Quando comecei a graduação eu não me via professor, por necessidade eu fui pra escola (ensinar), mas eu não queria ser professor, achava nem que tinha talento pra ser professor. Eu queria ser geógrafo, no sentido mais técnico da palavra.

Então a entrada na escola por necessidade acabou desenvolvendo alguma coisa em mim que eu comecei a gostar. Eu passei meus quatro anos da graduação sendo professor das escolas daqui. Comecei na escolinha comunitária, mas passei pelo Tirantes...em vários colégios do Centro de Fortaleza, e passei a gostar desse negócio.

Então eu me descubro professor por necessidade. Eu estava fazendo especialização na UFC e tinha um sujeito chamado José Borzacchiello, que é um geógrafo muito respeitado. Ele chegou lá e disse: "Todo mundo tem que se inscrever no concurso público de geografia da Uece lá em Limoeiro".

Realmente uma parte grande da turma se inscreveu e eu me inscrevi, não porque eu achasse que eu estava preparado para entrar na universidade, eu me inscrevi porque o coordenador disse que eu tinha que me inscrever.

Por essas coisas também assim, das conspirações do mundo, eu passei, fui o primeiro colocado. Fiquei super feliz, logicamente. A partir daí, vi na docência um caminho que eu tinha que seguir. Ao entrar na universidade, jamais passou na minha cabeça que além de ser professor ia ser reitor.

Eu achava a reitoria um negócio muito distante, mas muito distante de qualquer possibilidade que eu tinha. Eu já estava muito feliz em ser professor. Nunca tive um projeto de ser reitor quando eu comecei a minha atividade. Tem gente que entra hoje na universidade e diz: "Eu quero ser reitor". Eu nunca tinha pensado nisso.

Eu entro na universidade, com dois anos eu saio para o mestrado em Recife. Queria basicamente só seguir minha carreira acadêmica. Eu queria ser só professor, fazer uma carreira acadêmica legal, bacana. Quando eu volto do mestrado, eu encontro a Fafidam (universidade em limoeiro) em disputa eleitoral.

Eu tinha passado só dois anos na Fafidam e sai pro Recife, né? Mas eu tinha uma amizade, o pessoal gostava da gente e tal. Quando eu cheguei, o pessoal (falou): "Ó, tu tem que ser candidato". "Mas meu irmão, tô chegando, eu não quero ser diretor de nada". Botaram pressão, botaram pressão.

Eu disse: "Não, tudo bem. Se for só pra gente fazer aqui só o movimento, eu vou". Aí fui. A primeira eleição que eu concorri foi em 2000. Eu perdi por um voto. Tenho essa experiência lá que não foi vitoriosa, eu dei graças a Deus não ter sido vitoriosa, porque eu não queria ser diretor de verdade.

Eu vou para minhas atividades. Vou fazer projeto de extensão, vou me relacionar com os movimentos de base, vou produzir paper, estudo e tudo sobre a questão agrária. É a partir daí que eu vou exercer, de fato, a atividade acadêmica. Era isso que eu queria fazer, as minhas aulas. Viver minha vida profissional lá, desenvolvendo as coisas com o MST, com o movimento de barragem, com os camponeses da região.

Quando deu em 2004, o pessoal disse: "Não, você vai ter que ser candidato". Aí resolvi me candidatar para desgosto da minha esposa. Ela não queria, ela achava que eu devia só seguir a carreira acadêmica, ter mais dedicação para os filhos, para ela também. A contragosto dela, eu fui candidato.

Para meu azar, eu ganhei a eleição. Ganhei eleição e, logicamente, a partir daí fui ter que dar conta da faculdade. E pelas sortes também do mundo, essas coisas que conspiram, a gente conseguiu fazer um monte de coisa que as pessoas até então não conseguiram fazer.

Por alguma razão que eu também desconheço, as pessoas que não ajudavam a faculdade passaram a ajudar, eu consegui dinheiro para construir mais lá dentro, modernizar a faculdade, construir mais dois blocos de sala, terminar o auditório e aquela coisa ganhou uma fama, eu fiquei famoso dentro da universidade como o cara que sabe fazer as coisas.

Na verdade era só isso, eu ia atrás e por alguma razão dava certo. Eu consegui emenda parlamentar, consegui destravar processos que estavam no governo. Consegui organizar a faculdade que era muito bagunçada. Consegui botar todo mundo para trabalhar.

Então, todas essas coisas eu fiz lá naquele micro espaço e o pessoal começou a achar que eu tinha talento para gerir as coisas. Porque as coisas passaram a se organizar. O pessoal diz que eu sou virginiano, sou, gosto muito de organização.

Fonte: Publicado In: O Povo, de 7/07/25. Páginas Azuis. p.4-5.

HIDELBRANDO DOS SANTOS II: do balcão da mercearia para a cadeira de reitor

Por Gabriela Almeida, texto, e Fernanda Barros, foto (Jornalistas, de O Povo)

OP- O senhor falou sobre a presença da religiosidade na sua vida. Como a religião teve impacto na sua caminhada e de certa forma também no seu trabalho?

Hidelbrando - Há um negócio muito forte na família da gente, e eu posso voltar lá para meus avós, que é um sentimento de caridade muito grande. Olha que eles eram pobres, não tô falando de gente que tem posse e é caridoso, é de gente que é muito pobre, mas é muito caridoso também. Então, essa relação com a ajuda, com apoio, esse sentimento de fraternidade com os outros é muito forte.

Vou dar um exemplo para vocês, meu pai foi [em um bairro de Canindé] e encontrou um senhor que morava numa casa muito isolada. Esse senhor tava em uma situação muito deplorável. Ele levou para casa e ficou com o senhor lá, e o senhor passou mais de 10 anos lá em casa, morando com a gente.

E assim, parece a coisa mais normal do mundo. Claro que não é normal. Mas a pessoa ficou com a gente lá morando e tudo mais. Antigamente não tinha o SUS. Você não tinha, por exemplo, em Canindé, uma ambulância. E você tinha uma maternidade muito acanhadazinha. Muitas mulheres tinham filhos em casa. E meu pai comprou um carro.

O meu pai se tornou o sujeito que ia pegar as mulheres para trazer para a maternidade. E em razão disso, o pessoal da política viu que ele poderia entrar na política. Ele se tornou vereador. Ele foi por três mandatos vereador, só com uma ação.

Então, a minha vida de juventude e adolescência é vendo meu pai, minha mãe, com ações assim que a gente se perguntava, porque que ele precisava fazer aquilo? Que que ele ganhava com aquilo? Não ganhava nada. Era uma ação de bondade.

Então, eu acho que isso tem tudo a ver com a religião e particularmente por eles já desde muito jovens, depois que casaram, entrarem logo imediatamente na Ordem Terceira Franciscana, e parece que isso impactou muito também nessa percepção deles em relação às questões franciscanas. Por exemplo, minha mãe criou há mais de 25 anos, em Canindé, o Café dos Romeiros.

A mãe via que a maioria das pessoas que iam para Canindé não tinha dinheiro para comer. Durante a festa, tem uma procissão que vai até a igreja do Monte. Ela resolveu que ia dar café para aquele povo ali. Eu faço parte das atividades do café. Depois que eu virei reitor tem um pessoal aqui da universidade que ajuda também com recurso, com dinheiro.

OP- E todos os anos o senhor vai?

Hidelbrando - Todos os anos eu tô indo para lá. E aderi a outro movimento, uma caminhada. A minha ainda é só de 20 km. Não é de 100. Mas assim, para mim, o Café dos Romeiros hoje é uma ação que eu considero muito impactante.

A gente pensa que é coisa pequena. Porque na verdade é coisa pequena, você pegar uma xícara de café, botar leite, dar um pão com a margarina, com manteiga e dar uma banana. Mas rapaz, quando você bota para a pessoa falar, parece que ela ganhou assim, um prêmio, é mais pela generosidade, que ela se pergunta 'por que as pessoas fazem isso pela gente, né?', de onde é que vem o dinheiro para fazer isso?

Aí ela sabe que isso é produto de uma movimentação, que não não é uma pessoa só que faz isso, é muita gente. Então assim, eu acho que essa questão da relação com a chamada atividade solidária, tem muito a ver também com essa origem também familiar, com a questão da religiosidade, da relação com o santo de Assis.

Eu sou um leitor da vida de São Francisco, seja da perspectiva mais espiritual ou da mais humana, porque sou um pouco fascinado pela história dele.

OP- Fora o café, falou que faz uma caminhada agora, como é que funciona?

Hidelbrando - A caminhada é mais para mim mesmo. Há um elemento terapêutico para mim na caminhada. Têm muitas romarias no período da Festa de São Francisco e tem uma caminhada histórica lá que é de Caridade a Canindé.

É uma caminhada que reúne muitos grupos familiares, amigos e tudo mais. É uma caminhada muito espiritual. É uma espécie assim de um esforço físico que está vinculado, na verdade, a uma dimensão muito espiritual também. E eu gostei de ir, achei bacana o descarrego assim, de estresse, essa questão da dimensão da vida que você começa a perceber.

Você vai caminhando ali, a questão do trabalho já não é mais a questão que vai lhe mover. Então é o momento também de você ver tanto a finitude da vida, mas também o que é importante. É um momento de terapia muito interessante, de muito silêncio também. Sempre você reza, canta, mas também você fica muito tempo em silêncio.

OP- Falando da sua formação, eu sei que o senhor é bacharel em geografia, já prestou assistência voluntária para o MST... acha que esse caminho foi muito impulsionado pelo seu histórico familiar? Essa ligação com a questão rural, agrária?

Hidelbrando - Meu pai tinha um projeto de vida para mim muito claro e muito decente. Ele queria que eu repetisse ele. Com 18 anos, eu queria estudar, queria sair de Canindé, tinha terminado o ensino médio. Aí ele fez uma casa, em um bairro mais afastado de lá onde a gente morava, e fez um ponto como mercearia na frente da casa. Ele me leva lá e diz: "Ó, isso aqui é a sua mercearia".

Eu cheguei em casa e fui conversar com a mãe. Eu disse: "Mãe, eu não quero ser comerciante. Quero estudar". Para ele foi difícil. Foi uma decepção. (Meus pais) são pessoas que estudaram muito pouco, mas minha mãe veio para Fortaleza e isso também acaba abrindo os horizontes dela.

Ela veio para cá para ser doméstica, mas tinha um desejo na vida, ela queria ser costureira. Ela queria um curso, ela queria ter um diploma. Então ela veio para Fortaleza para ser doméstica, mas pensando em fazer o curso de costureira. E ela conseguiu fazer tudo isso.

Depois ela teve a oportunidade de ser assistente de dentista. Ela foi trabalhar em uma casa como babá e nessa casa o dono era um dentista e transformou ela em assistente.

Meu nome inclusive é por causa dessa família, sou Hidelbrando porque o menino que ela era babá era Hidelbrando. É nessa relação da mãe aqui em Fortaleza, que ela botou na cabeça que os filhos tinham que estudar.

Eu queria estudar e a mãe era a que movia essas ideias de que a gente estudasse, tivesse o diploma. Na família do meu pai, tinha dois tios que tinham feito isso. Eram os únicos da família que tinham feito isso. Um fez pedagogia, o outro fez Direito. Então, eles eram uma espécie de modelo pra gente. Eu disse: "Não, se eles conseguiram, eu também vou conseguir".

E botei na cabeça que eu ia ser economista. Porque lá em Canindé eu passei a conviver com o pessoal do sindicato rural. Eu botei na cabeça que eu queria ser economista porque eu achava que a economia era a profissão que poderia mudar o mundo.

Aí minha mãe foi falar pro meu pai, meu pai "eu não tenho casa lá, como eles (os filhos) vão morar em Fortaleza? Eles só vão morar quando eu comprar a casa".

Aí eu me alistei no Exército. Eu disse 'vou me alistar no exército e eu vou morar em Fortaleza porque eu vou ficar lá no quartel e à noite eu estudo'. Eu passo o dia no quartel e à noite eu estudo. E eu fiz essa besteira.

Fiz a minha licença, fui convocado, aí começou a primeira semana de atividade. Cara, pensa em um arrependimento assim do tamanho do planeta, do mundo? Era humilhação em cima de humilhação.

OP- Mas ai já havia passado no vestibular?

Hidelbrando - Não, eu vim para morar, eu tinha que ter um lugar para morar. Eu resolvi que eu vinha pro Exército, que eu morava no Exército e a noite eu estudava. Eu achava que isso era possível, depois descobri que não era possível.

Mas eu tive uma sorte danada. Meu primeiro exame que eu fiz de físico não deu problema nenhum. Só que eu sabia que eu tinha uma pequena hérnia no umbigo, mas como eu não tinha problema, queria era ficar, não disse nada.

Passou a semana todinha chegou um oficial e disse assim: "Tem alguém ainda pendente de exame médico? Que o médico vai fazer os outros exames agora". Eu levantei o braço e disse: "Eu tenho uma hérnia aqui umbilical e eu acho que eu não tenho condição de ficar aqui não".

Foi por isso que eu fui dispensado, depois de uma semana lá. Aí voltei para Canindé, voltei desesperado. Foi quando mãe conversou com uma tia nossa que morava na Praia Futuro. do Resultado, vieram os dois (ele e a irmã) morar na casa dos tios.

Quando eu chego aqui, eu vinha com destino de fazer economia, eu passo a me relacionar com um grupo de jovens muito fortemente ligado às comunidades de bases, ligados aos movimentos políticos mais à esquerda.

E aí eu conheço um professor que era das escolas aqui de Fortaleza, e ele passa a ser uma espécie de mentor do grupo, era o mais intelectual, e ele era da geografia e ele passa a mostrar que a geografia é a ciência que vai mudar o mundo. E nessa brincadeira eu sou completamente influenciado por esse professor e decido fazer geografia.

Eu vou começar a fazer uma relação dessa geografia com o movimento camponês, com a questão agrária, no mestrado, bem mais a frente. Eu me aproximo da natureza não somente política como teórica, em particular com os movimentos de luta pela terra.

Então a minha associação com o MST, como assessor e tudo mais, ela acontece após a graduação. É na universidade, em particular já como professor universitário e já nas primeiras grandes ações de pesquisa, que eu me vejo ali como uma pessoa que além da origem eu preciso trabalhar nisso, e é partir dali que eu crio uma relação com os movimentos sociais, não só com o MST.

Fonte: Publicado In: O Povo, de 7/07/25. Páginas Azuis. p.4-5.

HIDELBRANDO DOS SANTOS I: do balcão da mercearia para a cadeira de reitor

Por Gabriela Almeida, texto, e Fernanda Barros, foto (Jornalistas, de O Povo)

Em conversa com O POVO, ele lembra da infância em Canindé, fala sobre a fé que herdou dos pais e conta como foi sua trajetória até se tornar o primeiro reitor negro da Uece.

Foi na mercearia do pai, em Canindé, 118,60 km de Fortaleza, que ainda menino Hidelbrando dos Santos Soares aprendeu a arte da comunicação e da negociação. Do tempo e daquela terra carrega saudosas memórias, a fé em São Francisco e um aprendizado de vida que, junto a uma extensa bagagem profissional e acadêmica, o levou a ser reitor da Universidade Estadual do Ceará (Uece), sendo o primeiro negro a assumir o cargo.

Chegou a prestar serviço por um tempo no Exército, acreditando que na instituição encontraria possibilidade de um local para viver enquanto, nas horas vagas, mergulhava nos livros.

Se desiludiu em pouco tempo. Apesar das dificuldades, conseguiu engrenar depois nos estudos e se encontrou cursando Geografia na Uece, onde fez mestrado, virou professor e consagrou uma carreira acadêmica.

A gestão chegou na sua vida por acaso, quando foi convencido a concorrer ao cargo de diretor da Faculdade de Filosofia Dom Aureliano Matos (Fafidam) e venceu, ficando à frente da instituição entre 2004 a 2012.

Pegou gosto pela coisa. Feito uma dança surpresa, ele seguiu sendo levado pelos caminhos da administração e hoje já se encontra no segundo mandato consecutivo como reitor da Uece.

Em conversa com O POVO, Hidelbrando lembra da meninice no sertão, fala sobre a fé que herdou dos pais e conta como foi sua trajetória, costurando em uma mesma narrativa o ontem, o agora e o depois.

O POVO- Sobre a sua infância em Canindé, o que o senhor traz de memória desse período?

Hidelbrando dos Santos - Primeiro o próprio território lá, a própria cidade. Tem coisas assim muito marcantes. O rio Canindé, tenho uma relação de infância com o rio, seja o rio para pegar água, que antigamente a gente pegava água do rio, seja o rio para jogar bola.

Então, essa é uma imagem muito forte da infância. Eu sou filho de um pequeno comerciante, de um agricultor que virou comerciante. Os meus pais são originalmente agricultores. Família de agricultores.

E meu pai foi um pequeno comerciante, então dez anos da minha vida entre os 10 até os 18 anos eu era bodegueiro. Eu ajudei meu pai durante esse período todinho. A minha infância ela é assim misturada com o tempo da escola, o tempo da rua, que era muito limitado, e principalmente o tempo da mercearia.

A mercearia é a minha referência maior de tudo, de crescimento. Dessa fasezinha de infância para adolescência. De um certo entendimento do mundo a partir daquele micro espaço ali da mercearia.

Foi lá que eu aprendi um monte de coisas que até hoje eu tenho na minha vida atual, qualquer canto que eu esteja, nesse sentido foi um ponto meio de síntese das coisas que eu aprendi na vida, no comércio, na atividade comercial, naquele contato diário permanente com as pessoas. Foi muito marcante. E lá também foi o local que eu desenvolvi uma relação muito forte com a religiosidade.

Então, assim, eu também sou uma figura que ali na infância, na adolescência fui mergulhado nessa espiritualidade franciscana. Tem o São Francisco assim como uma espécie de guia, mentor.

Padroeiro que eu acredito que nos protege, então essas coisas todas aqui de certa forma traçaram muito da personalidade que eu tenho hoje, né? Uma família religiosa, uma vida infanto-juvenil muito fortemente ligada à igreja, e uma experiência assim de trabalho que eu não via como trabalho.

OP - E a mercearia ainda hoje é ativa?

Hidelbrando - Minha mãe continua tocando a mercearia. A grande finalidade da mercearia já não é mais propriamente comercial, mas ela continua porque ela acha que tem que dar continuidade aquilo que o pai começou, uma questão sentimental dela muito grande, ela está lá parece que ela está se encontrando com ele (que já faleceu). Eu acho que a mercearia para ela é uma grande terapia.

É um refúgio também, de se achar ainda produtiva. Eu fico imaginando que ela passa o dia ali se vendo também na relação mesmo que imaginária com o meu pai. Então a bodega, para todos nós é um negócio mesmo mágico, né? É um negócio que une todo mundo e é um negócio meio mágico assim na família, pelas lembranças, pelas memórias...

OP- Dos aprendizados que levou desse período, quais aplica hoje como reitor?

Hidelbrando - Eu particularmente acho que a mercearia foi a minha grande imersão no mundo adulto. Então, mesmo criança, é ali que eu mergulhei no mundo adulto. Talvez eu tenha passado por um processo de amadurecimento também mais rápido que se eu tivesse só correndo na rua, né?

Embora eu gostasse demais de estar na rua, eu gostasse demais de futebol, mas tinha um tempo muito grande da minha vida, ali entre os 8 e 18 anos, que basicamente eu me dediquei à mercearia, tava lá na mercearia.

Mas eu acho que a mercearia acelerou meu processo de visão de mundo, de interpretação de mundo. A mercearia me ajudou a ser uma pessoa comunicativa também, o comércio faz isso com a gente.

A impressão que me dá é que a minha capacidade de mediação, a minha capacidade de escuta, mas também de comunicação, tem muito a ver com essa experiência, né? E da negociação propriamente dita também de negociar, fazer, por exemplo, gestão pública, é você tá negociando todo o instante.

Fonte: Publicado In: O Povo, de 7/07/25. Páginas Azuis. p.4-5.

sexta-feira, 11 de julho de 2025

CONVITE: Semeando Cultura da Sobrames-CE (Julho 2025)

 

A Diretoria da Sociedade Brasileira de Médicos Escritores - Regional Ceará (Sobrames-CE) convida para o SEMEANDO CULTURA, a realizar-se no dia 14/07/2025, às 19h30, no Auditório da Associação Médica Cearense, na Av. Dom Luís, n° 300, sala 1.122 - Avenida Shopping & Office.

O palestrante do evento será o professor universitário, advogado e escritor Dr. André Bastos Gurgel, que abordará o tema: MICHELANGELO E A CAPELA SISTINA: patrimônio do Vaticano e da humanidade.

O expositor é professor, intérprete e tradutor autônomo de inglês, italiano, francês, espanhol e alemão e estudioso de idiomas clássicos: latim, sânscrito e grego antigo.

Contamos com a nobre participação dos colegas, amigos e familiares neste aprazível momento cultural.

Atenciosamente,

Dra.  Maria Sidneuma Melo Ventura

Presidente da Sobrames-CE


FOLCLORE POLÍTICO: Porandubas 843

Abro a coluna com monsenhor Elesbão.

As três pessoas

No confessionário, Monsenhor Elesbão era rápido. Não gostava de ouvir muita lengalenga. Ia logo perguntando o suficiente e sapecava a penitência que, sempre, era rezar umas ave-marias em louvor de N. S. do Rosário. Fugindo ao seu estilo, certa feita ele resolve perguntar ao confessando quantos eram os mandamentos da lei de Deus.

- São 10, Monsenhor.

- E quantos são os sacramentos da Santa Madre Igreja?

- São 7, Monsenhor.

- E as pessoas da Santíssima Trindade, quantas são?

- São 3, Monsenhor.

Monsenhor, notando que o confessando só sabia a quantidade, pergunta rápido:

- E quais são essas pessoas?

A resposta encerrou a confissão:

- As três pessoas são o senhor, o Dr. Didico e o Dr. Zé Augusto.

(Historinha contada por José Abelha em A Mineirice).

Fonte: Gaudêncio Torquato (GT Marketing Comunicação).

https://www.migalhas.com.br/coluna/porandubas-politicas/404696/porandubas-n-843

quinta-feira, 10 de julho de 2025

EaD NO BRASIL: cadê a política pública?

Por Eloisa Maia Vidal (*)

O Brasil é retardatário na institucionalização da educação a distância (EaD), pois só com a LDB de 1996, ela aparece no marco legal. Mesmo assim, a iniciativa de criação de cursos de ensino superior tem sua primeira onda nas instituições privadas, sem engajamento do setor público. Como política pública, só em 2006 com a criação da Universidade Aberta do Brasil, pelo MEC.

A diferença de 10 anos entre a LDB e o engajamento do governo federal fez com que a regulação da EaD ficasse numa situação nebulosa, pouco discutida e gerando, vez por outra, disseminação de maledicências sobre a qualidade, a eficiência e as inevitáveis comparações entre cursos presenciais e cursos a distância.

Uma pergunta precisa ser feita: há como aumentar nos curto e médio prazos, o acesso ao ensino superior público, da população de 18 a 29 anos, sem a oferta de cursos superiores na modalidade EaD? Pensar seriamente sobre essa questão remete à discussão sobre uma política pública de EaD, que atenda as demandas emergentes e que se instaure a partir de um marco normativo que viabilize acesso, padrões de qualidade e possibilite a abrangência territorial que o país precisa.

O recente decreto publicado semana passada procura frear a panaceia instaurada nos anos recentes especialmente pela oferta privada, que diante da ausência de legislação ou mesmo apesar dela, passou a criar, de forma desenfreada, cursos em todas as áreas do conhecimento, vendendo ilusões a preço baixo a uma população que anseia ter acesso ao ensino superior.

A ação mais efetiva do MEC neste momento é mobilizar a força das instituições públicas (universidades federais, estaduais e institutos), que já possuem relevante experiência com EaD, acumulada na Universidade Aberta do Brasil e outras iniciativas e construir uma política pública robusta, abrangente e atual, para um país diverso e desigual e que precisa se consolidar no século XXI como uma nação soberana.

A educação como espaço de liberdade e autonomia precisa chegar a todos, e para tanto, não teremos como dispensar a EaD, muito menos, impor uma "presencialidade" que desafia a geografia dos lugares.

(*) Professora da Uece. Doutora em Educação.

Fonte: Publicado In: O Povo, de 7/06/25. Opinião, p.18.


quarta-feira, 9 de julho de 2025

O HOMEM DETESTÁVEL

Por Romeu Duarte Junior (*)

Ninguém gostava dele. Desde criança as pessoas lhe viravam as costas. Seus pais nunca lhe tiveram a menor consideração. Deles só recebeu carões, violências diversas e desprezo. Jamais conheceu sentimentos tais como amor, respeito, carinho e cuidado. Nunca uma mulher o acolhera com ardor. Até as prostitutas, que ele amiúde comprava, lhe tinham asco. Não que fosse feio, imundo ou canalha: o problema é que não havia uma alma que simpatizasse com ele. Quando tentava ser agradável, aí é que as coisas pioravam. Falso era o adjetivo mais brando que lhe devotavam. Nas muitas noites passadas em claro, no quarto do pequeno apartamento onde morava, uma pergunta ressoava em sua mente: "Por quê?". A primeira luz de cada dia era mais uma rude chicotada.

No trabalho, mesmo sendo assíduo, correto e honesto, era invisível. Ninguém reconhecia o que fazia, ninguém lhe dava qualquer mérito. Como um para-raios, as reclamações e admoestações choviam-lhe sobre a cabeça cada vez mais calva. O cafezinho chegava-lhe sempre frio, sinal do seu desprestígio. No ônibus, no supermercado, no cinema, nos lugares onde procurava aplacar sua dor em troca de dinheiro, era frequentemente humilhado: "Ainda usa grana, mané?", "O senhor não tem cartão nem pix? A fila está aumentando por sua causa!", "Vai embora, coroa, vai atazanar o cão!". Na Cidade da Criança, onde brincara sem amigos na infância, os pombos lhe evitavam, mesmo ele jogando pipocas para eles. Ao chegar em casa, só boletos e nenhuma mensagem de alguém. O vazio.

Imaginando que a sua droga de vida tivesse como causa um pecado que ele mesmo desconhecia, foi à igreja se confessar. Em quase uma hora, contou toda a sua triste existência, o rosto contrito de olhos fechados pregado à grade de madeira. Por fim, perguntou ao padre qual seria a sua penitência. Repetiu a pergunta mais duas vezes. Súbito, descobriu que o seu confessor dormia a sono solto no confessionário. "Nem Deus quer conversa comigo", pensou de si para consigo. Levantou-se do genuflexório e foi se sentar em um dos bancos da nave principal. O Cristo pregado na cruz, os santos e santas em seus pedestais não tinham para si o ar compassivo e amoroso de quem se espera algum socorro, mas o aspecto duro e austero de quem escolhe alguém para ir ao inferno. Amém.

Como não fazia falta a ninguém, não havendo quem se importasse com ele, no caminho de volta ao seu humilde lar, teve uma ideia: poria um desfecho aos seus dias. "Cansado de ser tratado como um cão, de comer diariamente o pão que o diabo amassou, de não merecer um olhar, uma palavra, um gesto a não ser o desapreço, o que me resta senão isso?", ruminou. Em casa, preparou a carta de despedida, carregada de lamentações, e catou o revólver no fundo da prateleira alta do armário embutido. Nunca o usara, nem esportivamente. "Este é o meu passaporte para a felicidade", pensou, "Sei que a minha morte não será chorada por ninguém e esta será a minha vingança". Encostou o cano da arma contra a têmpora. Apertou o gatilho. Bateu catolé. "Lai vai, nem a morte gosta de mim...".

(*) Arquiteto e professor da UFC. Sócio do Instituto do Ceará. Colunista de O Povo.

Fonte: Publicado In: O Povo, de 9/06/25. Vida & Arte. p.2.


 

Free Blog Counter
Poker Blog