sexta-feira, 22 de março de 2024

Crônica: “O homem que fez a mudinha falar” ... e outros causos

O homem que fez a mudinha falar

Batista, ignorante todo, brigado com a mulher, igualmente braba. Arrumando-se pra sair de casa e fazer as compras do mês, vê pela janela que chove torrencial; pelos carões que levara há pouco, tem nem por onde: vai é ganhar a lapa do mundo. Ela se achega e, senso maternal aguçado, cuida:

- Vai sair nessa chuva?

- Não, vou esperar a próxima!!!

E foi-se, a chuva deu um tempo. Batista no mercantil, joga a vista no preço de cada item. Meia hora a empurrar o carrinho de compras, já pesado, entre gôndolas e gente a sair pelo ladrão. Sem querer, a roda da frente do seu transporte de mercadorias acerta a unha inflamada do dedão do pé da mulher que vasculhava peito de frango, estacionando a carga bruta sobre o unheiro. Grito de dor lancinantemente horroroso, acompanhado de tratamento nada gentil contra um Batista entre atônito e lacônico, face ao inesperado.

- Fí de rapariiiiiiiiga!!! Tá cego, fí duma éééééééégua!!!

Poderia ter sido esse só mais um incidente de supermercado, não fosse o que havia por trás do doloroso esturro da vítima - dona Diquesa de Joel. Explico: por força de susto medonho que levou há 20 anos, ao ver o marido nu pela primeira vez, perdera de vez a voz, sendo conhecida no bairro por "mudinha", a "muda de Joel". O imbróglio só se desfez graças à intromissão da desabrida cliente 'Inesona', que, testemunha ocular, entrou em cena pra tomar satisfação, não em defesa de Batista, mas por reconhecer Diquesa.

- Ei! Tu não é a mudinha que todo mundo tem pena no bairro? Tá falando agora, é?

- Eu??? Falando???

- Sim! Gritou, esculhambou o póbi desse hômi, chamando ele de fí disso, fí daquilo!

Diquesa de Joel descobre, enfim, que voltara a usar a voz para articular palavras. Era "o milagre da roda do carro de compras que esmagou o dedo do unheiro da mulher muda". O que era aperreio virou festa. A 'alálica' de há pouco abraçou Batista, pediu ele em casamento, mas...

- Dá certo não, dona ex-muda. Esse fí de rapariga aqui tem uma mulher que eu vou te falar!

Velório em domicílio

Conhecido por "Coronel", o velho Cróvi era o mandachuva do lugar, palavra dele era ordem. Faça-se ou... Na morte de dona Sinésia, super querida, tivemos a prova desse mandonismo. Cidade em peso prestando a derradeira homenagem à defunta, menos ele. Velório na sala de casa desde as 19 horas. Gente pra lotar a Arena Castelão. Enterro marcado pras dez da manhã seguinte.

Quase à hora de enterrar Sinésia, família ressentida pela ausência ilustre do Coronel. Imperdoável ausência. Sem o prestígio de Cróvi, um sepultamento pela metade - "enterrinho muito do peba". A desculpa é que o homem estava impossibilitado de sair de casa por força de uma diarreia em X. O que fez o viúvo de Sinésia? Foi à fazenda dele.

- Seu Cróvi, sem o seu batizado funéreo, a de cujas irá triste pro além.

- Joãozito, desculpa aí! Tô me esvaindo em merda, hômi!

- Coronel, minha véa tá ficando puba! Não enterro enquanto o senhor não for ver ela!

Diante de um viúvo insistente, Cróvio ponderou, olhando pro penico ali perto.

- Já sei: traga o caixão aqui em casa. E não demore, sei nem se escapo dessa!

Outra do Jair

"Meu vizinho descobriu que o chá da casca de mamão era bom pra não sei quê. O resto do mamão ele dava pros porcos, pra engordar eles. O bairro inteiro soube da arrumação e passou a se valer da casca do mamão pro chá e engordar porco com as sobras. Em breve, porco exportado até pra Dubai. PIB local lá em cima e o povo nem aí; o lance era o chá da casca de mamão, bom pra não sei quê..."

Fonte: O POVO, de 9/02/2024. Coluna “Crônicas”, de Tarcísio Matos. p.2.


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