Por José Nelson Bessa Maia (*)
A evolução do
Brics nos últimos 15 anos transcorre em um mundo que passa por um processo de
transição hegemônica, no qual há uma mudança em curso no centro de gravidade da
potência mundial do Ocidente para o Oriente e do Norte para o Sul. Nesse
contexto, um conjunto de países emergentes começa a obter maior capacidade
autônoma de tomada de decisão sobre suas políticas de desenvolvimento,
colocando o desafio de construir uma ordem mundial mais inclusiva.
Nesse contexto,
no período de 22 a 24 de outubro ocorrerá em Kazan na Rússia a 16ª Cúpula do
Brics e a primeira do Brics Ampliado (Brics+), o qual – além de Brasil, Rússia,
Índia, China e África do Sul – passou a incluir a Arábia Saudita, Egito,
Emirados Árabes Unidos, Etiópia e Irã. As nações do BRICS ampliado são
responsáveis por mais de 37% do PIB global e 45% da população mundial.
O reforço no
número de membros do Brics indica claramente sua capacidade crescente de
aglutinar países emergentes e um avanço na direção de um sistema de governança
global mais inclusivo, com ênfase no multilateralismo e numa abordagem
estabilizadora voltada para a cooperação com o Sul Global, a busca da paz e do
desenvolvimento no mundo.
Ademais, o
processo de expansão do Brics e sua atual iniciativa em prol da criação de um
novo arranjo de moeda reserva para o sistema de pagamentos internacionais são
passos importantes com enorme potencial positivo sobre o cenário econômico
global, ora marcado pelas tendências de baixo crescimento, protecionismo e
desglobalização. Se tal iniciativa for bem-sucedida poderá promover maior
cooperação econômica, minimizar a dependência financeira dos países membros e
impulsionar a participação das nações do Brics+ sobre as transações globais.
Por sua vez, isso resultará em aumento no volume total de comércio e
investimentos, com efeitos de transbordamento favoráveis sobre as chamadas
economias em desenvolvimento.
De fato, dentre
os itens da extensa pauta da próxima Cúpula do Brics+ destaca-se o reforço do
papel de seus estados-membros no funcionamento do sistema monetário e
financeiro internacional, com discussões consistentes e firmes sobre como
reduzir a dependência em relação ao dólar no comércio externo entre os países
do bloco e a eventual criação de nova plataforma digital eficiente para a
compensação e liquidação de pagamentos entre os membros do grupo.
A atual ordem
monetária e financeira internacional, dominada pelos Estados Unidos da América
(EUA) e seus aliados, mostra-se cada vez mais disfuncional e insegura. O
sistema de pagamentos atual foi transformado em arma política para aplicação de
absurdas sanções, punições e mesmo confiscos de ativos de bancos centrais de
países no exterior. Há, porém, desafios de cunho geopolítico e técnico para a
criação de um sistema alternativo que exigirão muito estudo e discussão
técnica, bem como intricadas e complexas negociações entre as autoridades e
comunidades econômicas e financeiras dos países envolvidos.
No campo das
medidas concretas para fortalecer instituições financeiras alternativas ao
Fundo Monetário Internacional (FMI) e ao Banco Mundial (Bird), controlados
principalmente por potências ocidentais, o BRICS+ também terá de iniciar uma
maratona de negociações para aparar arestas e concertar estratégias de atuação
conjunta nas diretorias dos organismos de Bretton Woods e no G-20 e demais
fóruns econômicos com vistas a aumentar a voz e a influência de seus membros na
definição de políticas e nas operações de tais entidades, sem dúvida um enorme
desafio de concertação e articulação para a diplomacia econômica.
Outro item
importante na pauta da Cúpula do Brics+ será a discussão sobre como promover a
integração dos novos membros do grupamento no processo decisório do Brics,
assim como a proposição de medidas práticas para fomentar o comércio, o
financiamento e o investimento entre esses países, de modo não só a reforçar a
efetividade e a relevância do Brics+ na governança econômica global, mas também
aumentar o engajamento dos membros originais e dos novos membros nas transações
econômicas recíprocas, tornando o grupamento diplomático atual num futuro e
poderoso bloco econômico.
Caberá ao Brasil
uma enorme responsabilidade no exercício da próxima presidência dos Brics+ em
2025, uma vez que terá a oportunidade de coordenar o aprofundamento das
decisões tomadas na Cúpula de Kazan e dar seguimento às discussões do grupo de
trabalho criado para aprofundar as propostas da presidência russa com vistas à
redução da dependência dos países ao dólar dos EUA e preparar novos passos para
o fortalecimento do BRICS. Esse desafio exigirá do Governo do Brasil tanto
capacidade de articulação quanto competência técnico-diplomática para coordenar
tarefas de tamanha envergadura e duradouro impacto de longo prazo.
(*) Mestre em
Economia e doutor em Relações Internacionais pela UnB e ex-secretário de
Assuntos Internacionais do governo do Ceará. Pesquisador independente das relações China-Brasil, China-Países
Lusófonos e China-América Latina.
Fonte:
O Povo,
de 21/10/24. Opinião. p.21.