Meraldo Zisman (*)
Médico-Psicoterapeuta
Com o advento da Internet constatou-se a
recrudescência da infantilização do público. Deve haver algum motivo além dos
suspeitos tradicionais: banalização da mídia, isolamento social, cultura de
consumo e tantos outros argumentos tentadores à sua aclaração causal.
Em 1988, o psicanalista Jurandir Freire Costa
alertava que a sociedade brasileira poderia estar chegando a um perigoso ponto
de não retorno. Ela estaria incorporando quatro valores: cinismo, narcisismo,
violência e delinquência. À época, seus estudos tinham como referência, entre
outros, as ideias do filósofo alemão Peter Sloterdijk, cujas ideias culminariam
no clássico livro “Crítica da Razão Cínica”, publicado na Alemanha em 1983 e traduzido
para o português em 2012.
Nele, o autor aborda o crescimento do cinismo
em escala institucional e pessoal, na atualidade. Para este autor, sob a capa
das instituições e grupos, e em contrapartida com discursos de interesse
público, crescem os componentes cínicos que se amparam em interesses privados.
Estudioso do cinismo que se agigantava, o pensador alemão descria de efeitos
positivos das potencialidades midiáticas tradicionais para a soberania popular
ou a democracia.
Já o ponto de não retorno de Freire Costa
atingiria diversas instituições e o comportamento individual. Segundo o
psicanalista, a cultura do cinismo deriva da cultura narcísica e se não há como
recorrer a regras supra individuais, historicamente estabelecidas pela
negociação e pelo consenso para dirimir direitos e deveres privados, tudo passa
a ser uma questão de força, de deliberação ou de decisão, em função de
interesses particulares. Daí decorre o recurso sistemático à violência, à
delinquência, à mentira, à escroqueria, ao banditismo ‘legalizado’ e à omissão
de responsabilidade, que caracterizam a ‘Cultura cínico-narcísica’ dos dias de
hoje” (Costa: 1989, p. 30-31).
Trabalhos recentes produzidos na Universidade
de Stanford vêm demonstrando a importância da mídia social, através de
dispositivos móveis ou fixos, e da influência do poder de propaganda das várias
parafernálias eletrônicas que hoje acompanham a formação dos jovens e afetam o
comportamento de pessoas de todas as idades.
Avoco a atenção do leitor para os trabalhos
pioneiros do pediatra e psicanalista inglês Donald Woods Winnicot (1896-1971)
afirmando que a criança aprende o mundo brincando e não distingue a realidade
verdadeira da ilusória, imaginária, fantasiosa, idealizada. Ao brincar ela vai
aprendendo a separar, a distinguir fatos e ideias – e cada pessoa tem um potencial
inato distinto, para amadurecer e integrar-se.
Lembro ainda, de passagem, que essa tendência,
apesar de ser inata, não ocorre necessariamente. Sua ocorrência dependerá de um
ambiente facilitador que forneça apoio e direcionamento, assim como os de um
lar, família, diálogo, carinho, aconchego. Ressalte-se ademais que a educação
vai depender das necessidades de cada criança in-di-vi-du-al-men-te, já
que cada pessoa responderá ao ambiente de forma própria, apresentando, a cada
momento, condições, potencialidades e dificuldades diferentes para completar
suas capacidades morais.
Na contemporaneidade, as informações são
veiculadas, principalmente, pelo mundo virtual e absorvidas através de
interpretações apressadas e superficiais. As pessoas, independentes da faixa
etária, são levadas a uma dissimilação oculta da realidade, passando a viver em
um mundo de ficção que as leva a uma infantilização globalizada.
Advirto: O adulto de hoje está perdendo a noção de como
distinguir, por exemplo, o que é ético daquilo que fere a sociedade
constituída. Boa parte do nosso aprendizado dá-se por imitação dos mais velhos.
A aprendizagem começa na primeira infância e termina com a morte e repito, o
núcleo familiar é insubstituível para o aprendizado e a compreensão da Moral.
(*) Professor Titular da Pediatria
da Universidade de Pernambuco. Psicoterapeuta. Membro da Sobrames/PE, da União
Brasileira de Escritores (UBE) e da Academia Brasileira de Escritores Médicos
(ABRAMES). Consultante
Honorário da Universidade de Oxford (Grã-Bretanha). Foi um dos primeiros
neonatologistas brasileiros.
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