Por Ana
Margarida Furtado Arruda Rosemberg (*)
Os humanos surgiram há cerca de 2,5
milhões de anos, na África Oriental, a partir dos Australopithecus, um gênero anterior de primatas. Por volta de 2
milhões de anos atrás, alguns desses seres se aventuraram em vastas áreas do
Norte da África, da Europa e da Ásia. Os humanos da Europa e da Ásia Ocidental
deram origem ao Homo neanderthalensis (neandertais). Os
humanos das outras regiões da Ásia originaram o Homo erectus, que sobreviveu
por quase 1,5 milhão de anos, sendo a espécie humana de maior duração. Segundo
o historiador Yuval Noah Harari, em seu livro Sapiens, dificilmente a nossa
espécie quebrará esse recorde. Na Ilha de Java, na Indonésia, viveu o Homo soloensis. Em Denisova, na Sibéria,
viveu o Homo denisova. Muitas outras espécies viveram em cavernas e ilhas.
Enquanto esses humanos evoluíam na Europa
e na Ásia, a evolução na África Oriental continuou nutrindo novas espécies,
como: Homo rudolfensis, Homo ergaster, e, finalmente, nossa
espécie: Homo sapiens. Foi, portanto,
na África que surgimos há cerca de 200 mil anos.
Segundo Harari, é uma falácia conceber
essas espécies em uma linha reta de descendência. A verdade é que de 2 milhões
de anos a 10 mil anos trás, o mundo foi habitado por várias espécies humanas ao
mesmo tempo. Há 100 mil anos existiam pelo menos seis espécies humanas
diferentes. Apenas a nossa espécie, Homo sapiens, sobreviveu. Como já dito,
surgimos há 200 mil anos, na África Oriental. Há cerca de 70 mil anos, nos
espalhamos na Península Arábica e território da Eurásia, começamos a dominar o
resto do planeta terra e extinguimos as demais espécies humanas.
Inicialmente, éramos nômades e nos
alimentávamos de caça, pesca, raízes e frutos. Por estarmos expostos aos
traumas, morríamos facilmente. Quando nos espalhamos pelo norte da África e
Eurásia nos concentramos em algumas regiões como: a Mesopotâmia, entre os rios
Tigres e Eufrates; o Egito, ao longo do rio Nilo; a China, no Vale do rio
Amarelo e no Vale do rio Indo.
Os microrganismos causam doenças em nossa
espécie, desde que surgimos na África. Segundo Stefan Cunha Ujvari, em seu
livro “A História da Humanidade Contada pelos Vírus”, a tuberculose humana, que
até pouco tempo acreditava-se ter surgido com a domesticação do gado, surgiu há
milhares de anos. Os cientistas diziam que a tuberculose do gado, causada pelo Mycobacterium bovis, dera origem a
tuberculose humana, causada pelo Mycobacterium
tuberculosis. Apesar dessa hipótese ter sido plausível durante muito tempo,
caiu por terra com os estudos de materiais genéticos do bacilo da tuberculose
de pessoas mortas há milênios. Segundo os referidos estudos, um ancestral
bacteriano deu, primeiro, origem ao M.
tuberculosis. O M. bovis foi o
último a surgir na escala evolucionária. Assim, já havia humanos com
tuberculose antes da domesticação do gado. Cientistas encontraram em múmias
egípcias o DNA do bacilo da tuberculose. A peste branca (tuberculose) já
atingia os egípcios desde a unificação do Alto e Baixo Egito e esteve presente
em todo o período da história do Egito, em surtos epidêmicos.
Os piolhos nos acompanham desde os
primórdios de nossa história. Através do estudo do genoma dos mesmos,
verificou-se que existem piolhos específicos aos macacos e aos humanos. Ambos
evoluíram de um ancestral comum que viveu há cerca de cinco milhões e meio de
anos. O tifo, doença transmitida pelo piolho, foi devastador para os seres
humanos e responsável por várias epidemias ao longo da história. Durante o
segundo ano da Guerra do Peloponeso, em 430 a.C., a cidade-estado de Atenas, na
Grécia Antiga, foi atingida por uma epidemia dizimadora, conhecida como a
“Peste de Atenas”, ou “Peste do Egito”, que matou, entre outros, Péricles e
seus dois filhos. Muitos historiadores acreditavam que o tifo teria sido a
causa dessa epidemia. Atualmente, estudos genéticos da bactéria encontrada em
dentes das ossadas dos soldados atenienses mostram que foi a febre tifóide.
Entre as causas responsáveis pela derrota de Napoleão e sua Grande Armée na
invasão da Rússia, em 1812, está o tifo, ao lado do frio e da fome.
Quando, há 10 mil anos, nossa espécie se
fixou para iniciar a agricultura e domesticar os animais, as doenças
proliferaram com mais intensidade e surgiram grandes epidemias. Ao mesmo tempo
que existiam os agricultores, existiam os pastores, que domesticaram animais
como: aves, porcos, gado, cavalos, cachorros e gatos. O contato com esses
animais, principalmente aves e porcos, nos legou muitas doenças. A gripe é uma
das doenças que as aves nos transmitiram. Já o resfriado, vem do cavalo.
As epidemias de gripe e varíola surgiram há milênios. Existem relatos de
epidemias na era romana. A varíola já foi identificada em múmias
egípcias. Epidemias de malária surgiram há dez mil anos. O
desenvolvimento da agricultura propiciou as condições para que o mosquito
Anopheles, que transmite o parasita plasmódio, causador da malária, se
propagasse.
No momento em que começamos a estocar
grãos, como o trigo, o rato proliferou, disseminando suas doenças. A peste
bubônica, conhecida como peste negra, transmitida pela pulga do rato, dizimou
1/3 da população da Europa, em meados do século XIV.
Os europeus introduziram várias doenças em
toda América, dizimando milhares de nativos. No Brasil, os portugueses
trouxeram a gripe, a varíola e a tuberculose, entre outras enfermidades.
Segundo Ujvari, o HIV, vírus causador da
epidemia da AIDS, estava presente nos chimpanzés que habitavam os países:
Camarões e Gabão, na África. Esses macacos contaminaram os sapiens através de
escoriações e ferimentos quando, após serem vítimas de caçadores e terem seus
corpos destrinchados e suas carnes ensacadas para serem vendidas nos mercados,
o vírus penetrou em seus organismos.
O HIV, presente em mais de trinta espécies
de primatas, na África, começou a contaminar os Sapiens por volta de 1930. No
organismo humano, o vírus conseguiu alcançar as secreções genitais e, assim,
atingir outros humanos por relações sexuais. A doença foi se espalhando
lentamente até ser desmascarada em 1980. Entretanto, o agente causal, batizado
de HIV (vírus da imunodeficiência humana,) só foi identificado, em 1983, por
dois grupos de pesquisas independentes liderados por Robert Gallo e Luc
Montagnier.
Na atual pandemia da Covid-19, graças ao
avanço da ciência, o genoma do vírus SARS-CoV-2 (coronavírus) foi decifrado
poucos dias após os primeiros casos terem surgido na China, na cidade de Wuhan,
em dezembro de 2019. Os Sapiens sempre conviveram com as doenças. Só a
cooperação e a solidariedade entre os povos serão capazes de fazer a humanidade
enfrentar e vencer as epidemias.
Fortaleza, 19.6.2020
(*) Médica e historiadora. Da
Academia Cearense de Medicina e da Sobrames/CE.
Fonte: Publicado In: Jornal do
Médico Digital. Junho de 2020. Postado no Blog Ana Margarida – Memórias em
26/06/2020.:
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