quinta-feira, 22 de fevereiro de 2024

A poesia de dom Edmilson da Cruz, o atravessador de tempos

Por Cláudio Ribeiro (*)

Ele é decano da Igreja Católica no Brasil, o bispo mais idoso no País. Na sua inquietude, segue tocando projetos. No dia do seu aniversário de 100 anos, em 3 de outubro de 2024, pretende lançar mais um livro. De poesias

Aos 99 anos de idade, dom Manuel Edmilson da Cruz é serelepe. Não há pecado em chamar assim um sacerdote quase centenário. Ele se antecipa: “É Manuel com U. E é 'Da Cruz', não esqueça o Da”. Não é um detalhe, é o nome. Quando estendo a mão e lhe peço a bênção, me corrige com seu carisma e pede que eu lhe abençoe antes. Fui surpreendido. Digo que não ousaria, ele insiste: “Você que me abençoe”. Tomo o gesto como um acolhimento, transparência. Beijo-lhe a mão respeitosamente.

A linha desta coluna se propõe a falar sempre de personagens desconhecidos ou histórias anônimas, escondidas entre as nossas rotinas, nossas cegueiras imperdoáveis sobre todas as importâncias. Mas aqui cabe dom Edmilson e sua grandiosidade. Por toda a obra. Principalmente por estarmos atualizando a linha de nosso tempo, novo ciclo. É alguém que nos faz refletir.

Bispo emérito de Limoeiro do Norte, dom Edmilson é o decano da Igreja Católica no Brasil. É hoje o bispo mais idoso no País. Diz já ter sido informado sobre isso, a partir dos registros da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB). “Sou eu”, balança a cabeça confirmando, dentro da modéstia.

Em 5 de dezembro, completou 75 anos de sua ordenação presbiteral. Suas lembranças ainda trançam alguns momentos daquele jovem que saiu de casa cedo, do distrito de Aranaú, município de Acaraú, para ir estudar no seminário em Sobral. De lá deu sequência à sua vocação. Ou missão: “Sempre vou ser padre”.

Dom Edmilson é um atravessador de tempos. Dos sete arcebispos da história da Arquidiocese de Fortaleza, foi contemporâneo de seis deles. Desde dom Antônio de Almeida Lustosa (1941–1963), hoje alçado ao posto de venerável — etapa que antecede uma possível beatificação ou canonização —, até dom Gregório Paixão, recém-chegado. Compareceu à missa de posse do novo no início deste mês, na Catedral Metropolitana. Por sua relevância, foi citado três vezes no discurso.

Mesmo 25 anos depois de ter deixado a titularidade da diocese (1994–1998), dom Edmilson não para. Nunca parou. É um inquieto sem perder a ternura e a serenidade jamais.

A disposição impressiona. Diariamente, lê “todas as páginas” do jornal — faz questão da edição impressa. Antes disso, já tem feito as orações, pessoais e silenciosas. Preserva sua devoção. Os livros, procura ler “em mais de um idioma, para não perder a prática e aprender”. Latim, italiano, espanhol, inglês, “podia ler em grego, mas perdi o hábito”. Está estudando alemão.

Às 18 horas, fora situação muito excepcional, celebra missas na capelinha da casa da Congregação das Irmãs Josefinas, onde mora, no bairro de Fátima. Uma delas diz sem confidência: “Ele não para mesmo”.

E agora tem mais um feito pronto para apresentar em 2024: pretende publicar mais um livro. Só de poesias. São mais de 90 inéditas. É mais uma das frentes do seu repertório de delicadezas e lucidez, duas das palavras que ajudam a descrever seu perfil. Também lhe cabem o ousado, o forte, o justo, o corajoso, o vocacionado, homem de fé. E generoso. Gosta de repetir: “Diga-me o que sabes e te direi quem és”.

O livro se chamará “Ritmo Pascal”. Ainda não sabe se usará todos os versos, se dividirá em mais de uma edição. Sem lamuriar, busca os apoios financeiros e editoriais necessários. Tem uma impressão “caseira” já feita, mas merece acabamento melhorado. São escritos que vem lapidando de muito tempo. A ideia é lançar no dia do seu aniversário de 100 anos, 3 de outubro. A data merece celebração digna e condizente com a dimensão de dom Edmilson.

O corpo franzino, envergado pela escoliose, e a voz baixinha, não silente, são sua armadura — mas não para guerras, ele é contra qualquer uma delas. Seu lema na Igreja é "verbum caro factum" ("palavra feito carne", em latim). Mesmo quando o físico já lhe é mais frágil que o mental, segue com planos para a vida. Não há por que esperar, ora! “Me sinto privilegiado”. Ao me despedir, voltei a beijar sua mão. Em agradecimento.

(*) Jornalista de O Povo.

Fonte: O Povo, de 30/12/2023. Cidades. p.21.

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