Por Mateus
Mota, Reportagem OP+ e Economia
Um estudo feito em
2020 pela Universidade de Campinas (Unicamp) indicou que levar as demandas da
saúde ao tribunal intensificou o protagonismo do judiciário na efetivação dos direitos
à saúde e na gestão de recursos.
Dagmar Queluz,
professora da Unicamp e mestra em Ciências e Saúde Pública pela Universidade da
Carolina do Sul (EUA), que participou do estudo, aponta que o aumento impacta o
equilíbrio dos contratos de planos de saúde e o orçamento público,
especialmente em municípios com orçamento e capacidade de gestão limitados.
Isso porque parte dos
tratamentos que são ofertados mediante ordens judiciais não estavam previstos
em orçamento. Ou seja, são despesas orçamentárias para além daquelas de
obrigação expressa.
No caso do poder
público, essas despesas primárias são, por exemplo, a manutenção de
postos de saúde e prontos-socorros, pagamento dos profissionais e compra de
insumos.
"A pesquisa também indicou que muitos dos medicamentos
solicitados estavam presentes em listas do SUS e, em muitos casos, tratavam-se
de medicamentos de baixo custo. E aí que a gente identifica deficiências de
acesso, falhas de informação e na assistência farmacêutica do SUS",
acrescenta Dagmar.
O número de processos
judiciais na área da saúde tem crescido consideravelmente nas últimas
décadas. Dados do Painel de Estatísticas Processuais de Direito da Saúde do Conselho
Nacional de Justiça (CNJ), apontam o número de novos processos abertos
cresceu 60% entre 2020 e 2024.
A mesma base de dados
aponta que no Tribunal de Justiça do Ceará (TJCE) há um acervo de 19.663
processos pendentes, enquanto 19.557 novas ações foram ajuizadas só em 2024. O
número de processos julgados chega a 23.755, com 18.075 saídas definitivas
registradas.
A taxa de
congestionamento do tribunal, que mede a proporção de processos que permanecem
sem solução, é de 53,40%, indicando um fluxo intenso de demandas e desafios na
celeridade das decisões.
Já na esfera federal,
o Tribunal Regional Federal da 5ª Região (TRF5), que tem sob sua
jurisdição os estados de Alagoas, Ceará, Paraíba, Pernambuco, Rio Grande do
Norte e Sergipe, apresenta um volume menor, mas com um índice de
congestionamento ainda mais alto.
São 2.207 processos
pendentes, 1.281 novas ações ingressadas, 1.143 julgamentos e 1.039 saídas,
resultando em uma taxa de congestionamento de 68%.
Esse dado sugere um
ritmo mais lento na resolução dos casos, possivelmente devido à complexidade
das demandas federais ou à limitação de recursos disponíveis para processamento
dessas ações.
Já no Superior
Tribunal de Justiça (STJ), que analisa recursos de decisões das instâncias
inferiores, a judicialização da saúde também se manifesta de forma expressiva.
O STJ possui 15.443
processos pendentes, com 18.206 novos ingressos e 26.605 processos julgados,
além de 17.568 saídas. A taxa de congestionamento do tribunal é a menor entre
as três instâncias analisadas, ficando em 46,08%.
Isso sugere uma maior
capacidade de julgamento, mas ainda assim um volume significativo de processos
que aguardam desfecho.
Os números indicam
que a judicialização da saúde continua sendo um fator de pressão sobre o sistema
de justiça, exigindo respostas ágeis para garantir o direito à saúde sem
comprometer a eficiência dos tribunais.
Ainda segundo Dagmar
Queluz, para além das razões que levam as pessoas a entrarem com processos
judiciais, é preciso destacar quem são esses cidadãos.
A pesquisa
identificou que cerca de 75% das ações judiciais são ajuizadas por advogados
particulares, indicando que uma boa parcela dos pacientes arcou com os custos
dessa representação - o que, em princípio, sugere que eles poderiam adquirir os
medicamentos solicitados.
Assim, a especialista
aponta que uma parte das demandas por tratamentos solicitados por ações
judiciais poderia ser evitada, se fossem consideradas as diretrizes do SUS.
Outra pesquisa feita
pela Escola Nacional de Saúde Pública Sérgio Arouca (ENSP) da Fundação Oswaldo
Cruz, apontou que a falta de informações sobre o acesso aos medicamentos também
impulsiona a judicialização. E quando há negativa administrativa, os juízes
tendem a decidir a favor dos pacientes, geralmente por problemas no sistema
de saúde.
Hercy Alencar, juiz,
mestre em direito e presidente da Associação Cearense de Magistrados (ACM),
alerta para os impactos da judicialização excessiva da saúde, especialmente no
fornecimento de medicamentos de alto custo.
A prática, segundo
ele, afeta tanto o equilíbrio financeiro do SUS quanto a qualidade dos serviços
prestados à população.
"Hoje, temos um excesso de demandas judiciais na área da
saúde que, de certa forma, desequilibra o sistema", afirma. O
magistrado é autor do livro "Judicialização da Saúde: Análise Crítica
sobre a Decisão Judicial no Fornecimento de Medicamentos de Alto Custo pelo
SUS" e reconhece que faltam parâmetros para balizar as decisões
judiciais.
O tema foi seu objeto
de estudo no mestrado, e como sugestão de caminhos para enfrentar esse
problema, ele destaca três critérios que podem guiar os juízes em suas
decisões: a medicina baseada em evidências (MBE), que permite
fundamentar sentenças com base científica; o princípio da deferência,
que prioriza as decisões dos órgãos técnicos de saúde e restringe a intervenção
judicial a casos excepcionais; e a slow medicine, que sugere uma
abordagem mais cautelosa e critica a medicalização excessiva, alertando para
fraudes e o lobby da indústria farmacêutica.
Alencar reforça que,
diante da escassez orçamentária e do aumento da demanda por tratamentos
de alto custo, é essencial que magistrados adotem uma postura criteriosa,
respeitando a autonomia técnica do SUS para garantir a sustentabilidade do
sistema. "O objetivo do livro é despertar a
consciência sobre a necessidade de um olhar mais crítico e responsável em
relação às decisões judiciais que impactam o SUS", conclui.
No âmbito no Tribunal
de Justiça do Estado do Ceará, para ajudar os magistrados a entenderam cada
caso, existe o Núcleo de Apoio Técnico à Decisão Judicial (Natjus),
composto por médicos e farmacêuticos, que produzem notas técnicas de caráter
opinativo, em que analisam a eficácia científica do tratamento requerido.
O coordenador do
Natjus, juiz Bruno Benigno considera que o judiciário "precisa ter a necessária sensibilidade para compreender a
gravidade do caso e, simultaneamente, garantir uma resposta tempestiva,
considerando os critérios legais".
"Além disso, com o objetivo de garantir uma solução
pacificadora, o TJCE criou o Centro Judiciário de Solução de Conflitos e
Cidadania (Cejusc) da Saúde. Este espaço promove um diálogo contínuo entre os
usuários do SUS e a Fazenda Pública, visando a conciliação e a resolução
pacífica dos problemas. Ademais, o Judiciário cearense instalou Varas
Especializadas em direito à saúde para conceder mais celeridade aos processos e
assegurar o bem-estar da sociedade", acrescentou.
Fonte: Reportagem OP+ e Economia, 24/02/25. p.7.
Nenhum comentário:
Postar um comentário