sábado, 21 de junho de 2025

JUDICIALIZAÇÃO DA SAÚDE III - O custo de um veredito: processos na área da saúde crescem no País

Por Mateus Mota, Reportagem OP+ e Economia

Um estudo feito em 2020 pela Universidade de Campinas (Unicamp) indicou que levar as demandas da saúde ao tribunal intensificou o protagonismo do judiciário na efetivação dos direitos à saúde e na gestão de recursos.

Dagmar Queluz, professora da Unicamp e mestra em Ciências e Saúde Pública pela Universidade da Carolina do Sul (EUA), que participou do estudo, aponta que o aumento impacta o equilíbrio dos contratos de planos de saúde e o orçamento público, especialmente em municípios com orçamento e capacidade de gestão limitados.

Isso porque parte dos tratamentos que são ofertados mediante ordens judiciais não estavam previstos em orçamento. Ou seja, são despesas orçamentárias para além daquelas de obrigação expressa.

No caso do poder público, essas despesas primárias são, por exemplo, a manutenção de postos de saúde e prontos-socorros, pagamento dos profissionais e compra de insumos.

"A pesquisa também indicou que muitos dos medicamentos solicitados estavam presentes em listas do SUS e, em muitos casos, tratavam-se de medicamentos de baixo custo. E aí que a gente identifica deficiências de acesso, falhas de informação e na assistência farmacêutica do SUS", acrescenta Dagmar.

O número de processos judiciais na área da saúde tem crescido consideravelmente nas últimas décadas. Dados do Painel de Estatísticas Processuais de Direito da Saúde do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), apontam o número de novos processos abertos cresceu 60% entre 2020 e 2024.

A mesma base de dados aponta que no Tribunal de Justiça do Ceará (TJCE) há um acervo de 19.663 processos pendentes, enquanto 19.557 novas ações foram ajuizadas só em 2024. O número de processos julgados chega a 23.755, com 18.075 saídas definitivas registradas.

A taxa de congestionamento do tribunal, que mede a proporção de processos que permanecem sem solução, é de 53,40%, indicando um fluxo intenso de demandas e desafios na celeridade das decisões.

Já na esfera federal, o Tribunal Regional Federal da 5ª Região (TRF5), que tem sob sua jurisdição os estados de Alagoas, Ceará, Paraíba, Pernambuco, Rio Grande do Norte e Sergipe, apresenta um volume menor, mas com um índice de congestionamento ainda mais alto.

São 2.207 processos pendentes, 1.281 novas ações ingressadas, 1.143 julgamentos e 1.039 saídas, resultando em uma taxa de congestionamento de 68%.

Esse dado sugere um ritmo mais lento na resolução dos casos, possivelmente devido à complexidade das demandas federais ou à limitação de recursos disponíveis para processamento dessas ações.

Já no Superior Tribunal de Justiça (STJ), que analisa recursos de decisões das instâncias inferiores, a judicialização da saúde também se manifesta de forma expressiva.

O STJ possui 15.443 processos pendentes, com 18.206 novos ingressos e 26.605 processos julgados, além de 17.568 saídas. A taxa de congestionamento do tribunal é a menor entre as três instâncias analisadas, ficando em 46,08%.

Isso sugere uma maior capacidade de julgamento, mas ainda assim um volume significativo de processos que aguardam desfecho.

Os números indicam que a judicialização da saúde continua sendo um fator de pressão sobre o sistema de justiça, exigindo respostas ágeis para garantir o direito à saúde sem comprometer a eficiência dos tribunais.

Ainda segundo Dagmar Queluz, para além das razões que levam as pessoas a entrarem com processos judiciais, é preciso destacar quem são esses cidadãos.

A pesquisa identificou que cerca de 75% das ações judiciais são ajuizadas por advogados particulares, indicando que uma boa parcela dos pacientes arcou com os custos dessa representação - o que, em princípio, sugere que eles poderiam adquirir os medicamentos solicitados.

Assim, a especialista aponta que uma parte das demandas por tratamentos solicitados por ações judiciais poderia ser evitada, se fossem consideradas as diretrizes do SUS.

Outra pesquisa feita pela Escola Nacional de Saúde Pública Sérgio Arouca (ENSP) da Fundação Oswaldo Cruz, apontou que a falta de informações sobre o acesso aos medicamentos também impulsiona a judicialização. E quando há negativa administrativa, os juízes tendem a decidir a favor dos pacientes, geralmente por problemas no sistema de saúde.

Hercy Alencar, juiz, mestre em direito e presidente da Associação Cearense de Magistrados (ACM), alerta para os impactos da judicialização excessiva da saúde, especialmente no fornecimento de medicamentos de alto custo.

A prática, segundo ele, afeta tanto o equilíbrio financeiro do SUS quanto a qualidade dos serviços prestados à população.

"Hoje, temos um excesso de demandas judiciais na área da saúde que, de certa forma, desequilibra o sistema", afirma. O magistrado é autor do livro "Judicialização da Saúde: Análise Crítica sobre a Decisão Judicial no Fornecimento de Medicamentos de Alto Custo pelo SUS" e reconhece que faltam parâmetros para balizar as decisões judiciais.

O tema foi seu objeto de estudo no mestrado, e como sugestão de caminhos para enfrentar esse problema, ele destaca três critérios que podem guiar os juízes em suas decisões: a medicina baseada em evidências (MBE), que permite fundamentar sentenças com base científica; o princípio da deferência, que prioriza as decisões dos órgãos técnicos de saúde e restringe a intervenção judicial a casos excepcionais; e a slow medicine, que sugere uma abordagem mais cautelosa e critica a medicalização excessiva, alertando para fraudes e o lobby da indústria farmacêutica.

Alencar reforça que, diante da escassez orçamentária e do aumento da demanda por tratamentos de alto custo, é essencial que magistrados adotem uma postura criteriosa, respeitando a autonomia técnica do SUS para garantir a sustentabilidade do sistema. "O objetivo do livro é despertar a consciência sobre a necessidade de um olhar mais crítico e responsável em relação às decisões judiciais que impactam o SUS", conclui.

No âmbito no Tribunal de Justiça do Estado do Ceará, para ajudar os magistrados a entenderam cada caso, existe o Núcleo de Apoio Técnico à Decisão Judicial (Natjus), composto por médicos e farmacêuticos, que produzem notas técnicas de caráter opinativo, em que analisam a eficácia científica do tratamento requerido.

O coordenador do Natjus, juiz Bruno Benigno considera que o judiciário "precisa ter a necessária sensibilidade para compreender a gravidade do caso e, simultaneamente, garantir uma resposta tempestiva, considerando os critérios legais".

"Além disso, com o objetivo de garantir uma solução pacificadora, o TJCE criou o Centro Judiciário de Solução de Conflitos e Cidadania (Cejusc) da Saúde. Este espaço promove um diálogo contínuo entre os usuários do SUS e a Fazenda Pública, visando a conciliação e a resolução pacífica dos problemas. Ademais, o Judiciário cearense instalou Varas Especializadas em direito à saúde para conceder mais celeridade aos processos e assegurar o bem-estar da sociedade", acrescentou.

Fonte: Reportagem OP+ e Economia, 24/02/25. p.7.

Nenhum comentário:

 

Free Blog Counter
Poker Blog