domingo, 1 de fevereiro de 2009

CRIANÇA SEM FÍGADO

A Dra. Francisca do Carmo, preceptora da Residência Médica do HIAS, conduzia a visita de enfermaria para discussão de casos clínicos, com os residentes e internos do hospital.
Diante de uma criança, com suspeita de ser acometida de calazar, em fase inicial da doença, pairava a dúvida quanto à presença ou não de fígado palpável ao exame físico.
Por primeiro, os internos examinaram o abdome da criança, começando pelo acadêmico responsável direto pelo cuidado daquele menino, a quem coube resumir a anamnese do caso:
– Eu já examinei minuciosamente esse garoto e percebi que ele tem fígado palpável a dois dedos transversos abaixo do rebordo costal direito (RCD), o que reforça o diagnóstico inicial de calazar.
Outros três estudantes, sob a supervisão docente, repetiram o mesmo exame e externaram as suas opiniões:
– Eu detectei fígado palpável a dois centímetros do RCD – disse um, confirmando o achado do primeiro colega.
– Não constatei nada palpável na região do hipocôndrio direito – afirmou outro, discordando do resultado dos dois primeiros examinadores.
– Não verifiquei nada que pudesse falar a favor de hepatomegalia – anunciou o último deles, ratificando o achado do seu colega antecedente.
A Dra. Francisca do Carmo pediu, então, a Dra. Cláudia Abreu, médica-residente R1 daquela unidade e responsável pelo leito, para que detalhasse os resultados do exame físico contidos no prontuário do paciente.
Depois do esmiuçado relato, a Dra. Francisca do Carmo perguntou, de chofre, a Dra. Cláudia:
– Na sua opinião, como é que é: essa criança tem ou não fígado palpável?
– Na minha avaliação, eu acho que tem – respondeu a Dra. Cláudia Abreu.
– Não vale “eu acho”: quero uma resposta precisa, em definitivo – exigiu a médica preceptora.
– Eu estou convencida de que possui – concluiu a R1.
Como a Dra. Francisca do Carmo pressentira um certo vacilo ou a pouca convicção da R1, considerou oportuno requerer que as duas outras médicas, a R2 e a R3, mais experientes, também examinassem o menino e emitissem o diagnóstico clínico.
Ambas, após meticuloso exame, chegaram a uma conclusão diferente da apontada pela R1: não havia fígado!
A palavra final competiu à médica preceptora, que, depois de exame performático, dado o caráter didático da visita de enfermaria, pontificou:
– Em definitivo, meus caros residentes e internos, esse garoto não tem fígado!
Ditas essas palavras de modo tão imperativo, ecoou na enfermaria o soluço da aflita mãe do garoto, que a tudo assistia, com o natural desvelo materno:
– O meu filho vai morrer! Tadinho dele! Tão novo – balbuciava enquanto as lágrimas vertiam de sua face.
– Quem foi que falou aqui que ele ia morrer, mãe? – o seu filho vai ficar bom e a senhora vai levá-lo para casa brevemente – explanou a Dra. Francisca do Carmo.
– Mas como é que ele vai ficar bom se a senhora mesma disse que não tinha fígado.
Só a custa de muitas explicações a mãe foi convencida de que tudo não passara de um mal entendido.

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