sexta-feira, 13 de fevereiro de 2009

SÓ A CABEÇA... SEM CRIANÇA

Em uma manhã de sábado, o cirurgião pediátrico do HIAS, Dr. Augusto Taveira, fazia a visita de enfermaria, acompanhado de médicos residentes e internos, oportunidade em que discutia com o grupo a conduta a ser adotada em um garoto portador de uma endocrinopatia rara.
Coube a R3 de Pediatria fazer a descrição do caso clínico, cujo destaque principal estava na irregularidade dos níveis glicêmicos da criança, com predominância de marcada hipoglicemia.
Após longa discussão sobre o diagnóstico diferencial, englobando as endocrinopatias da infância, o Dr. Taveira deu o seu veredicto:
– Trata-se, evidentemente, – meus caros alunos – de um raro caso de insulinoma.
– O que vem a ser isso? – indagou um interno recém-admitido no Serviço de Pediatria.
– É um tumor das células beta das ilhotas de Langerhans.
– Onde fica isso, professor? É no Atlântico? – provocou o estudante, denunciando a sua formação capenga, ao tempo em que quis bancar o engraçadinho.
O cirurgião pediátrico quedou-se, a princípio, estupefato com a estupidez do interlocutor metido a engraçadinho; porém, contendo a sua indignação diante da dúvida de assunto ensinado em Biologia do curso colegial, rogou a que outro interno esclarecesse ao colega:
– Por favor, expliquem ao colega com hipossuficiência de conhecimentos! –tripudiou o preceptor.
– É no pâncreas – respondeu uma interna muito solicitamente.
– Qual é a função dessas células alfa? – insistiu o aluno ignorante.
– Você está confundindo as coisas. Acho que tudo parece “grego” para você: não é alfa, e sim, beta – explicou a R3.
O Dr. Augusto Taveira decidiu pôr um fim naquele diálogo, antes que descambasse para um estranhamento entre os seus comandados, pontuando:
– Esse tumor causa um hiperfuncionamento das células beta, produtoras de insulina, cujo excesso na corrente sangüínea leva ao quadro de crises hipoglicêmicas dessa criança.
– E o que se deve fazer para resolver o problema – perguntou a R1.
– A melhor conduta é cirúrgica e consiste em amputar parte da estrutura anatômica do pâncreas.
– E como é essa operação, Dr Taveira? – inquiriu a R3.
– Bem eu vou cortar ao nível do corpo e deixarei só a cabeça. Isso vai reduzir, temporariamente, as crises de hipoglicemia, aumentando, assim, a sobrevivência do paciente e concedendo-lhe melhor qualidade de vida.
Terminada a discussão clínica, o Dr. Augusto e a sua equipe dirigiram-se à enfermaria vizinha, para avaliação de outros pacientes.
Enquanto isso, naquela enfermaria permanecera apenas a médica plantonista, a Dra. Fátima Araújo, cuidando das prescrições das crianças ali internadas. Foi quando teve o seu trabalho interrompido pelo choro incontido da mãe da criança que acompanhara atentamente as explanações sobre a doença do filho e o tratamento a ser aplicado.
– O que houve, mãe? Por que você está chorando?
– Eu quero o meu filho é inteiro! – exclamou a zelosa mãe.
– Como assim? O seu menino não será partido!
– Mas aquele doutor disse que ia cortar o corpo e deixar só a cabeça. Mesmo que ele não morra, eu não quero ficar só com a cabeça dele.
Foi com extrema dificuldade que a Dra. Fátima Araújo desfez o mal-entendido, explicando os detalhes do procedimento cirúrgico a ser praticado, acalmando, assim, a inquietação materna.

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