Por Ricardo
Alcântara (*)
Em política, nada acontece por acaso. Por duas vezes em
menos de uma semana, o governador Cid Gomes aproveitou a presença de
jornalistas na cobertura da campanha eleitoral de sua coligação para atacar a
candidatura de Marina Silva.
Precisando ainda melhorar a aprovação de seu candidato,
que ainda não lidera o páreo estadual, ele o submeteu ao risco de ter ampliada
sua rejeição entre os eleitores que se inclinam por Marina, mas não fizeram
escolhas locais definitivas.
Claro, o governador fez seu cálculo. Sabe que Marina
Silva confirma sua condição de disputa e se sente, até por razões de lealdade,
no dever de socorrer sua candidata Dilma Rousseff em um momento mais difícil.
Planta para colher mais adiante.
O eleitor do Nordeste, economicamente mais vulnerável,
sempre foi mais receptivo a candidaturas governistas, já que as políticas
sociais atuam mais decisivamente sobre sua qualidade de vida. Governo que perde
aqui não ganha em parte alguma!
A pergunta certa é: atrapalha mesmo a vida de Marina
Silva ser publicamente criticada por um profissional da política como Cid
Gomes, engenheiro que nunca levantou uma parede e sempre viveu encrustado nos
rochedos dos cargos públicos?
Pode se dar o efeito contrário: a crítica dos “mesmos de
sempre” – como os classifica o cidadão comum – consolidar ainda mais o perfil outsider
de Marina Silva, se prestando como um certificado de autenticidade para a
candidatura dela.
Incomoda ao governador a mensagem de Marina porque é o
modelo oportunista de fazer política praticado por ele o que dá pertinência ao
discurso dela. Reside na esperança de reduzir o espaço de manobra deles a opção
do eleitor por ela.
Cid tem berço. Sua família está consorciada ao poder
desde a década de 70, ainda no período militar, e de lá nunca mais saiu:
apoiou, formalmente ou não, todos os presidentes do período democrático:
Sarney, Collor, Itamar, FHC, Lula. E Dilma.
No plano local, o governador frequenta o condomínio
governista desde 1986, com a vitória de Tasso Jereissati. São quase três
décadas sem conhecer as agruras de navegar pelos mares da política apenas com a
ajuda dos ventos. É um vida mansa.
Esse passivo não lhe garante credibilidade para acusar
de “reacionária” e “conservadora” alguém que, enquanto ele crescia às escoras
do poder, lutava na floresta e na cidade contra interesses poderosos, com
riscos de vida numa terra sem lei.
A declaração poderia ser contabilizada uma vez mais na
rubrica dos chiliques habituais. Mas ele foi além. Fez apostas sobre o período
máximo em que Marina conseguiria se manter no palácio até o dia de sua
deposição: “No máximo, dois anos.”
O recurso rasteiro de disseminar o pânico não é novo. Já
fora aplicado em outros momentos de mudanças pelas forças reacionárias contra
Getúlio, Jango e Tancredo. De Lula, também disse seu irmão, Ciro Gomes, que
“ele não tem condições de governar o país”.
Disse, sim: no transcurso do primeiro turno da disputa
presidencial de 2002. Como, logo depois, ele apareceu nomeado ministro do
“analfabeto” é fato que Ciro Gomes nunca se deu, como nunca se dá, ao trabalho
de explicar em termos claros.
É compreensível a ansiedade do governador: agora, é tudo
ou nada. A ordem é conter o estouro da boiada a qualquer custo. A verdade que
aguarde pelo fim das eleições, onde, para os profissionais acostumados com esse
vale tudo, feio é perder.
Como disse há poucos dias o ex-presidente Lula, estamos
indo na direção “de um longo segundo turno”. Para quem ocupa o poder, há muito
mais em jogo do que diferenças conceituais sobre estratégias macroeconômicas ou
casamento gay.
Situações de risco revelam a natureza oculta das
pessoas. Ao espalhar o pânico, a brutalidade apenas estalou os dedos. Se a
ameaça Marina persistir, há outros artefatos no paiol do oportunismo só
aguardando o momento oportuno para detonar. Alguém duvida?
(*) Jornalista e
escritor. Publicado In: Pauta Livre.
Pauta Livre
é cão
sem dono. Se gostou, passe adiante.
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