Em qualquer grupo social pode-se
avaliar sem muita dificuldade se ali predominam a percepção alerta, a presteza
e criatividade das reações, ou o apego indolente a chavões e frases feitas que
se repetem como mantras enquanto a realidade vai correndo, mudando e passando
como um trator sobre a multidão de sonsos.
Muitas
previsões, dizia Thomas Mann, são enunciadas não porque vão se realizar, mas na
esperança de que não se realizem. Todas as que fiz, especialmente as mais
alarmantes, foram assim. Com uma diferença: as previsões sempre se realizaram,
a esperança nunca.
Nos
assuntos humanos, a certeza absoluta é geralmente uma utopia. O máximo que se
alcança é uma probabilidade razoável. E o culto devoto que o homem
contemporâneo consagra aos números não o levará mais longe: uma probabilidade,
calculada até os centésimos de milionésimos, continuará sempre sendo o que é --
uma probabilidade, não uma certeza.
No
entanto, continua válido o preceito de que a exatidão de uma ciência se mede
pela sua capacidade de fazer previsões corretas. Nas ciências humanas, e
especialmente na ciência política, a previsão deve sempre assinalar as
variáveis que podem modificá-la no curso do processo. Muitas dessas variáveis
dependem da criatividade, da iniciativa e da coragem dos personagens
envolvidos. Se as previsões mais deprimentes se realizam com exatidão quase
matemática, isto se deve mais à ausência desses três fatores do que aos méritos
científicos de quem as enuncia.
Numa
apostila já velha, que nunca tive a ocasião de corrigir para publicação,
expliquei que a liberdade é uma propriedade vital da psique humana, mas que
esta não a possui como um dom perfeito e acabado, e sim apenas como uma
possibilidade que de certo modo se cria e se amplia a si mesma na medida em que
se assume e se exerce. Por isso é que a famosa controvérsia de determinismo e
livre arbítrio não tem solução geral teórica: esses dois fatores não pesam
uniformemente em todas as vidas, mas se distribuem de maneira desigual conforme
um jogo dialético muito sutil que varia de indivíduo para indivíduo, de
situação para situação, de caso para caso. Não há como provar a liberdade senão
exercendo-a, mas colocá-la em dúvida é já abster-se de exercê-la, provando
portanto sua inexistência mediante uma profecia auto-realizável.
Inversa
e complementarmente, a própria psique se torna rala e evanescente quando, por
abdicação voluntária ou sob a pressão de condições adversas, a liberdade cede o
passo à intervenção de fatores “externos”: a pura fisiologia, os hábitos
inconscientes, o jogo das influências ambientais, o acaso, etc. Numa situação
extrema, já não há mais atividade psíquica livre: a psique torna-se o reflexo
passivo e mecânico de tudo quanto lhe é estranho.
Essa
distinção aplica-se aos indivíduos como às sociedades. Em qualquer grupo social
pode-se avaliar sem muita dificuldade se ali predominam a percepção alerta, a
presteza e criatividade das reações, ou o apego indolente a chavões e frases
feitas que se repetem como mantras enquanto a realidade vai correndo, mudando e
passando como um trator sobre a multidão de sonsos.
Depreciando
instintivamente as mudanças e diferenças, a mente letárgica apega-se à
“heurística disponível”, que o manual de psicologia forense de Curtis R.
Bartol, muito usado nos EUA, define como um atalho mental construído com os
fatos mais vulgares e acessíveis – em geral os fatos repetidos pela mídia --,
simulando uma explicação.
É assim
que os riscos e ameaças mais graves e iminentes passam despercebidos sob uma
afetação de segurança tranqüilizante. E foi assim que os planos do PT para a
implantação do comunismo no Brasil, registrados nas atas de assembléias do
partido, repetidos nas do Foro de São Paulo e insistentemente explicados nos
meus artigos e conferências, foram solenemente ignorados como se fossem meras
tiradas verbais sem a menor conseqüência, até que agora podem ser postos em
prática diante dos olhos de todos, com a certeza de que a o povo e as elites, degradados
e estiolados por décadas de indolência mental e repetitividade mecânica, nem
saberão como reagir.
Não é
preciso dizer que, deteriorada num grupo humano a capacidade de percepção
rápida e reação criativa, o curso das coisas vai se tornando cada vez mais
previsível graças ao império geral da passividade mecânica. O que era apenas
uma probabilidade, manejável pela livre vontade humana, torna-se o cálculo
matemático de uma fatalidade.
Pela
milésima vez: Quando um homem normal diz “sociedade civil”, ele designa com
isso a totalidade das pessoas dotadas de direitos civis e políticos. Quando um
comunista usa o mesmo termo, ele sabe que os profanos o ouvirão exatamente
assim, mas que os iniciados saberão perfeitamente que se trata apenas de um reduzido
círculo de organizações e movimentos criados pelo Partido para fazer a parte
suja do serviço sem comprometê-lo diretamente.
Na
estratégia comunista, trocar a representação eleitoral pelo governo direto
dessas organizações e movimentos é, desde há mais de um século, a virada
decisiva, o “salto qualitativo” que, após uma longa acumulação de subversões e
corrosões, marca a passagem de qualquer regime para uma ditadura socialista.
Para
quem quer que conheça a história do comunismo, isso é uma obviedade patente,
mas quem está acostumado a pensar segundo a “heurística disponível” da mídia
usual, quem se recusou por mais de vinte anos a enxergar o que se preparava,
talvez não venha a enxergá-lo nem mesmo depois de realizado. Muitos irão para o
Gulag ou para o “paredón” jurando que é apenas um sonho mau.
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