Passei os dias
do carnaval meio hibernando. Saí apenas para confirmar o que já intuíra em face
dos comentários lidos em várias origens. O filme “Cinquenta tons de cinza” é
fraco. Tal como o livro que não li, deve interessar apenas aos que ainda não
percorreram as estradas da vida, da leitura e da filmografia. Parece meio
inverossímil que a autora E. L. James tenha conseguido vender um milhão de
exemplares. A propaganda, repetida, pode fazer milagres, especialmente quando
escudada no conjunto de mídias que cria o “desejo” de ver o diferente e o
“proibido”. O que se salva é a fotografia, esforço estético da diretora Sam
Taylor-Wood.
Como esperado,
a maioria do público era jovem, especialmente mocinhas, pois a indicação
permite aos maiores de 16 anos “desvendar” as tendências sado do personagem
central. Até nisso houve esperteza na classificação. Por outro lado, a
personagem feminina, jovem semiliberada, ainda virgem é filha de mãe vaidosa.
Já no quarto casamento, a mãe reside longe e dá breves telefonemas de ofício,
sem afeto.
A personagem
mora com uma colega mais “escolada” e, como é natural pelos hormônios latentes,
cai no conto de fadas do jovem empresário rico, bem apessoado, enigmático,
misógino, cercado de secretárias sensuais e com fissura psicanalítica.
Foi adotado aos quatro anos.
Gastei duzentas
palavras com a baboseira acima e disserto agora sobre a velha/nova Grécia e o
seu atual governo populista/socialista, apoiado por partido de direita. A Ática
patina na sua cor simbólica azul em face de corrupção endêmica que permeia a
máquina burocrática e a (in) decisão de ouvir e seguir as regras impostas pelo
centralismo europeu.
Angela Merkel,
sem nunca sorrir, comanda processo de austeridade que ou redime ou fará
sucumbir a ideia da Comunidade Europeia que dita normas e afasta os tentáculos
de um Putin sedento por anexações – a Ucrânia seria apenas o começo -para fazer
renascer a mãe Rússia, cheia de problemas estruturais, mas motivada pelo
voluntarismo de seu dirigente.
Aqui no Brasil,
tão surreal que se deixa parar por dias, embalado pelos grandes e críticos
bonecos das ruas de Olinda e pela cadência dos seus maracatus. Bem diferentes
do langor que o cantor e animador Pingo de Fortaleza e o pintor/antropólogo
Descartes Gadelha, tentam, como salva-vidas que são, manter abertos no curto
circuito da avenida Domingos Olímpio. A dita avenida é
esnobada pela maior parte da juventude, das famílias e dos turistas que
se espraiam nas areias quentes de todo o litoral cearense, do Icapuí a Camocim,
onde o mar é refrescado pelo rio Coreaú.
Mas há,
sobretudo, a atração industriada pela “baianidade” repetida, nos tons altos dos
seus trios elétricos que atraem a muitos. “Só não vai quem já morreu”.
Carlinhos Brown, Gilberto Gil, Ivete Sangalo e, “last but not least”, Cláudia
Leite e Daniela Mercury dão as cartas, recauchutam suas faces, suas
pernas, cantam e pulam para assegurar que estarão de volta no próximo Carnaval.
No Rio, a
convivência entre sambistas de verdade, contraventores disfarçados - que
dominam a maioria das pacificadas escolas de todos os grupos-, artistas querendo
aparecer, turistas/pagantes que se fantasiam, patrocinadores de camarotes e
políticos desavisados fazem a festa pela madrugada. Tudo sob o controle do
tempo hegemônico da vênus platinada a determinar horários.
A área de
concentração se transforma em “xixizódromo” coletivo, até que o relógio oficial
determine o início do desfile cronometrado no estuário sambódromo da Marques de
Sapucaí. Ressalte-se, em nome do vero Rio, que resistem com forças e
desorganizações calculadas, os blocos/cordões diurnos de ruas e de bairros, com
o seu humor carioca em nova fase, cáustico com os políticos, desde os tempos de
Pereira Passos, Vargas e, agora, certamente, contemplando os referidos nas
quizilas em curso.
São Paulo, em
meio à “crise hídrica”, apelido de falta d’água, reverbera seu poder com um
também sambódromo e múltiplas escolas, por absoluta falta de imaginação, e
mostra que por lá existe samba no pé e gente que, por duas vezes, dá mais de
dois milhões de votos ao Tiririca. E, assim, paro por aqui e me recolho na
platitude desta terra em que se plantando tudo dá. E como dá.
João Soares Neto é
escritor e membro da Academia Cearense de Letras.
Fonte: DN, Sexta-feira, 20 de fevereiro
de 2015.
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