Médico-Psicoterapeuta
A
Literatura representa uma grande ferramenta para o registro histórico das
epidemias que assolam a humanidade, ao longo dos tempos. Apesar das pragas do
Egito Antigo, e de tantas outras descritas no Velho Testamento, prefiro saltar
no tempo e começar pela época do Renascimento, com o Decameron, de Giovanni
Boccaccio, e suas novelas escritas entre 1348 e 1353. Relata esse autor a
tragédia vivenciada pela população europeia, e as mortes causadas pelas
pandemias da peste bubônica - a denominada peste negra - que, de 1347 a 1350,
dizimou mais de uma terça parte da população daquele continente.
Relembro,
e muito bem, das minhas leituras de adolescente, o livro Peste, de Albert
Camus, uma obra que valeu ao autor o Prêmio Nobel de Literatura em 1957. Nela,
o leitor é levado a sentir como alguém reagiria, caso permanecesse isolado do
mundo e vivesse em regime de quarentena. E, apesar de toda a desgraça, esse
isolamento fez brotar o sentimento de solidariedade entre as pessoas.
Em
princípio deste século, surgiu a gripe aviária, e, agora, em plena crise
econômica mundial, aflorou o medo ancestral das pandemias (no caso, pelo vírus
da influenza), uma lembrança que já faz parte do inconsciente coletivo, e que
remete à catástrofe representada pela Gripe Espanhola (1918-1919).
Quanto
à pandemia da gripe suína, ela continua na ordem do dia, seja pela facilidade
do deslocamento das pessoas, seja em decorrência do bombardeio midiático, que
torna mais intenso, ainda, o medo atávico das populações.
Alguns
renomados infectologistas, mais inocentes que maldosos (prefiro considerar
assim), enxergam as epidemias como grandes oportunidades para a alavancagem dos
progressos da Medicina. Esses profissionais chegam a afirmar que, a vacina
Sabin, foi criada em 1960, devido à pressão popular do povo americano. Isto
porque a maior potência do mundo não poderia ser desmoralizada pelo minúsculo
vírus da poliomielite. Por conta disso, Albert Sabin produziu uma vacina e
derrotou o vírus da paralisia infantil.
Tais
declarações jamais deveriam ser feitas por aqueles que se proclamam médicos ou
cientistas e, muito menos, por líderes das grandes potências mundiais. No que
diz respeito ao fato de as guerras desenvolverem a Medicina, eu pergunto: quais
foram as grandes descobertas, para a ciência e para o bem da humanidade, feitas
pelos nazistas nos campos de concentração?
Com
o surgimento da gripe suína, em 2009, a Organização Mundial de Saúde
encarregou-se de trocar esse nome pela sigla AH1N1, para que as pessoas não
rejeitassem todo e qualquer rebanho suíno, ou passassem a exterminá-los.
Cabe
registrar que meu pai, um sobrevivente dos pogroms da velha Rússia, me contou
como os ânimos dos súditos do Czar se tornavam mais acirrados de
antissemitismo, durante as epidemias de cólera morbus. A polícia daquele
imperador colocava, sempre, a culpa das epidemias nos judeus, para poder
desviar, assim, o ódio da população pela falta de educação, de comida e de
saneamento básico, entre tantos outros.
Neste
sentido, enquanto durar a epidemia do vírus AH1N1, os judeus (pelo menos, os
ortodoxos), por não comerem carne de porco e seus derivados, estão livres,
teoricamente, de contrair a doença. Dessa forma, não poderão ser acusados de
contagiar a população não judaica.
Como
judeu que sou, afirmo que, por hora, estamos salvos dessa culpa. No presente,
devemos nossa salvação aos porcos. Obrigado, suínos amigos! Como nós, vocês
também foram transformados em bodes expiatórios e estão ameaçados de
extermínio!
(*) Professor Titular da Pediatria
da Universidade de Pernambuco. Psicoterapeuta. Membro da Sobrames/PE, da União
Brasileira de Escritores (UBE) e da Academia Brasileira de Escritores Médicos
(ABRAMES). Consultante
Honorário da Universidade de Oxford (Grã-Bretanha). Foi um dos primeiros
neonatologistas brasileiros.
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