Médico-Psicoterapeuta
Depois do Natal, fui assistir ao filme
"Marley e eu", que tem, no elenco, o ator Owen Wilson, como John
Grogan (autor do livro homônimo), e a atriz Jennifer Aniston, como sua esposa
Jenny. Líder de arrecadação norte-americana, e produção da 20th Century
Fox, ele se
tornou o primeiro filme, passado em um feriado de Natal, a alcançar US$ 100
milhões de bilheteria. Seu roteiro gira em torno de um casal de jovens
jornalistas que, após perderem o primeiro bebê, decidem criar um cachorro. Eles
vão a um canil, compram um filhote da raça labrador
retriever, e o
batizam com o nome 'Bob Marley', o mesmo do famoso cantor de reggae.
A película evidenciava as incríveis
peripécias de Marley: ele quebrava portas, comia roupas, lançava-se sobre os
visitantes, roía mobílias, e terminou sendo expulso de uma escola de
treinamento de cães. Depois disso, a família decidiu castrá-lo, em uma tentativa
(frustrada) de torná-lo mais calmo, e não degenerar a raça.
A despeito de seu mau comportamento, Marley
conseguia ser muito amado, tanto pelos Grogans, quanto pelos filhos do casal
que foram nascendo. Era realmente encantador observar o carinho de todos por
ele, apesar do desespero dos amigos e conhecidos frente às suas peripécias
imprevisíveis. O cachorro fazia parte, realmente, da vida do casal, e
acompanhava todos os acontecimentos e nuances da biografia da família, sendo
muito solidário, com seus donos, na dor e na alegria.
Em muitos momentos, a câmera focalizava os
Grogan, do ponto de vista de Marley; outras vezes, focalizava do ponto de vista
das pessoas, sem que o espectador pudesse distinguir a visão que prevalecia. Os
sentimentos e as reações do cachorro eram bem radicais e opostos. Para ele, era
tudo ou nada: ele gostava ou não gostava. Era como dizem por aí: "se você
adotar um cão e torná-lo próspero, ele não o morderá". Eis a diferença
entre um homem e um cão.
Com o correr do tempo, porém, Marley foi
envelhecendo: perdeu as forças, não pode mais correr atrás das crianças, passou
a ter doenças e achaques da velhice. A família o amparou e o protegeu, sentindo
que ficou idoso. Marley desapareceu algumas vezes, mas os familiares disseram
que os cachorros sabem quando sua hora derradeira chega, e preferem ficar
sozinhos. No entanto, isso não ocorreu. Marley passou seus últimos momentos com
o Grogan pai, em uma Unidade de Terapia Intensiva (UTI) veterinária, longe das
crianças e do lar. Terminou sendo sacrificado na clínica, e enterrado pela
família, com todo o carinho possível, no jardim de sua casa.
Esse é um filme triste e real como a própria
vida. Como médico, acredito que Marley, por se tratar de um cão, pôde ser
sacrificado humanamente. Embora tenha sido muito piegas, seu enterro foi bonito
e todos que o amavam estavam lá. Agora, pergunto: não seria melhor, para
Marley, que o sedativo mortal tivesse sido administrado na presença de seus
entes queridos, e ele tivesse morrido junto daqueles que o amavam?
Nunca poderemos saber o desejo de Marley
porque cães não falam: eles são, tão-somente, monoblocos de emoções, amor e
paixão. Infelizmente, o ser humano não goza dos mesmos direitos que os animais,
ou seja, não lhe é permitido morrer em casa, ao lado de seus familiares. Em
geral, as pessoas morrem rodeadas por profissionais competentes e equipamentos
sofisticados. E, no final, os médicos dizem: foi feito tudo!
Entre os meus conhecidos, desconheço quem
teve o direito de morrer na própria casa. Eu aconselho: escrevam nos
testamentos que lhes permitam morrer em paz, cercados dos entes queridos. Na
prática, acho que as famílias deveriam ter um médico de confiança, como
antigamente havia o chamado "médico de família".
Que falta faz um médico amigo nessas horas!
Vivemos acorrentados, hoje, a regras
desumanas. Há bastante comoção no filme porque, no fundo, todos desejam possuir
os mesmos direitos que o cão. Para mim, é essa a mensagem de Marley e Eu: faz-se necessário repensar tanto a
trajetória do cachorro, quanto a das pessoas a seu redor.
(*) Professor Titular da Pediatria
da Universidade de Pernambuco. Psicoterapeuta. Membro da Sobrames/PE, da União
Brasileira de Escritores (UBE) e da Academia Brasileira de Escritores Médicos
(ABRAMES). Consultante
Honorário da Universidade de Oxford (Grã-Bretanha). Foi um dos primeiros
neonatologistas brasileiros.
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