Ando escrevendo
sobre a saga de Joel, nome fictício de um personagem real de um livro. Foi um
cavador de poços que, com intuição e criatividade, conseguiu driblar a
indiferença do estado - entenda-se aqui como instituições
político-administrativas - e salvou da morte mais de mil e duzentos homens,
cavadores como ele. Esses, adoeciam e morriam adultos jovens, de silicose, nas
fases mais intensas de seus sentidos, sentimentos, emoções e produção (Silicose
em cavadores de poços: da descoberta ao controle. JBP 25 (1) 1999).
O luto assolou por
dez anos os cavadores e suas famílias, porque as normas administrativas que
deveriam não apenas regulamentar, mas permitir ajustes conforme necessidades
inesperadas ou especiais de cada momento ou lugar, ficaram bitoladas nos seus
dizeres: não há norma para educar cavadores de poços para pararem de cavar e
não adoecerem e morrerem de silicose.
A bitola, sob forma
de tais normas, acomodou e acomoda confortavelmente as políticas
administrativas, não permitindo que se teste ou use novas ideias ou descobertas
que mudem o rumo da mesmice, a fim de oferecer vida melhor para o povo.
A ideia era educar
os cavadores para mudar uma trágica realidade. O Estado brasileiro não o fez,
mas Joel sim. Em associação com seu grupo de companheiros aplicou um programa
educativo exitoso, tendo conseguido encerrar esse ciclo de luto coletivo que
durou dez anos.
Tudo se repete
quando agora o luto vem sob a forma de um sem número de mortes por falta de
diagnóstico, estratégias tecnológicas e medicamentos para controle das doenças
raras. O mote é o mesmo: as políticas públicas não se renovam o necessário a
fim de darem real valor à vida, de modo mais amplo criativo e forte.
Vivemos na fraqueza
da acomodação e covardia político-administrativa, usando essa última palavra,
muito bem colocada no discurso de Fátima, na evidenciação desse luto, no dia 28
de fevereiro de 2018: o dia de “Luto pelos raros”. Os acomodados não peitam de
frente a morte anunciada, como fez Joel, como faz Fátima e os raros.
Faltam-lhes coragem e humildade.
Chega de se
esconderem sob a máscara de que são e compõem o melhor e mais igualitário
programa de saúde do mundo. Será preciso valer o cuidado amplo e completo aos seres,
para ganharem essa peja.
(*) Médica pneumologista; coordenadora do
Pulmocenter; membro da Academia Cearense de Medicina.
Fonte: Publicado In: O Povo, de 5/03/2018. Opinião.
p.25.
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