Nos anos cinquenta, com pouco mais de dez
anos de formado, por sua sabida competência, o Prof. José Carlos da Costa Ribeiro
tornou-se o mais afamado obstetra de Fortaleza, sendo muito procurado, como
profissional liberal, pelas famílias de classe alta da capital cearense, para
partejar suas mulheres, acolhendo os seus rebentos.
Em uma oportunidade, ele recebeu um casal,
que esperava o primeiro filho, mas, por alguma razão, a primeira consulta
estava ocorrendo no meio do terceiro trimestre gestacional.
Finda a consulta, o marido pediu que ele
desse o orçamento, incluindo consultas pré-parto, parto e atendimento no
resguardo. Prontamente, ele escreveu no receituário o valor total de seus
honorários profissionais. Ao receber, o orçamento o homem pareceu assustado,
crendo que o famoso obstetra havia exorbitado ou mesmo se equivocado.
– É isso mesmo, doutor? – entregando o documento à esposa.
A mulher, corada diante do montante
proposto, questionou:
– Não estou entendendo nada, doutor. A minha
prima, Elda Coelho, que o senhor fez o parto dela mês passado, pagou bem menos.
O senhor recorda dela?
– Sim, como não! Guardo bem na lembrança
todas as minhas pacientes, inclusive as carentes da Maternidade Dr. João
Moreira, que nada pagam.
– Pois é. Para a minha prima Elda, o senhor
fez o pré-natal dela, durante os nove meses, desde quando a regra dela faltou,
o parto e a consulta depois do parto, e cobrou a metade do que o senhor pede
por meu parto. A mim, me parece muito estranha essa diferença. Não está errado
isso, doutor?
– Não há nenhum erro. Essa é a quantia
aplicada em situações como a sua.
– Continuo sem entender. Já estou quase
entrando nos nove meses, restando só um mês para parir, e, portanto, darei
menos trabalho. Eu até deixei pra vir mais tarde, pra pagar menos, porque assim
eu pouparia vários atendimentos.
– De fato, o trabalho é menor, para mim;
porém, a preocupação que terei, ao fazer o seu parto, é muito maior. O
sobrepreço é a compensação do meu estresse e dos riscos que se terá que
incorrer. A parturiente que fez o pré-natal comigo, desde o início da gravidez,
me dá segurança quanto ao que possa ocorrer no parto. Aquela, todavia, que eu
não acompanhei adequadamente a gestação, é uma incógnita para mim e pode causar
sérias e desagradáveis surpresas.
Na sua prática liberal, ele sempre preferiu
acolher as gestantes, desde o primeiro trimestre, estabelecendo um valor
global, dando direito a todos os atendimentos.
Além, dessa peculiaridade, na forma de
apresentar os seus honorários, o Dr. José Carlos era pragmático e parcimonioso
em suas intervenções, costumando dizer que o bebê nasce com, sem e apesar do
médico; era ainda extremamente diligente e cauteloso para indicação de uma
cesariana, afirmando que barriga não foi feita para passar menino, pois, se
fosse, a natureza teria concedido uma abertura abdominal, anatômica, no corpo
feminino.
Marcelo Gurgel
Carlos da Silva
Presidente da Sobrames - Ceará
Fonte:
SILVA, M.G.C. da. Honorários estranhos. In:
SOBRAMES – CEARÁ. Lapso temporal. Fortaleza: Sobrames-CE/Expressão,
2018. 352p. p.235-6.
* Publicado,
originalmente, In: SILVA, M.G.C. da. Contando Causos: de
médicos e de mestres. Fortaleza: Expressão, 2011.112p. p.53-5.
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