quinta-feira, 7 de setembro de 2023

CAMINHOS DO CEARÁ: rendeiras do labirinto Canoa Quebrada

Por Izabel Gurgel (*)

Babuda e Odonézio moram na rua Chico Tartaruga. Ela faz a renda bordada ou o bordado rendado de nome labirinto. Desenha (nas) passagens do ar. Como ela própria conta às visitas, o labirinto é feito nos vazios criados em um tecido que, desfiado, foi desfeito para receber desenhos da flora e da fauna, o pensamento em movimento, materializando-se na dança das mãos. Riscado a lápis, abertas as passagens com gilete ou tesoura, o tecido está pronto para o trabalho com linha e agulha. Babuda aprendeu o ofício ainda criança.

Odonézio é escultor. Ele encontra na madeira santos e divindades, deixando-os à mostra. Inventa, solta, lança aos nossos olhos bichos da imaginação. Você passa na rua e Odonézio está à entrada de casa, na calçada, sentado com um toco de madeira às mãos, ou em pé na sala, fazendo florescer mundos na madeira.

Babuda e Odonézio moram na rua de maior fluxo de saída de carro da outrora vila, hoje com mais de cinco mil habitantes. Chico Tartaruga (1916-1990), como Babuda e Odonézio, também vivia com a inteligência nas mãos. Há quem guarde, talvez, armação de óculos tão manualmente feitos por ele como os bolos que Adolfo Alves dos Santos (2019-2000) vendia de casa em casa, deslocando-se na areia acesa pelo sol. Babuda é filha de Seu Adolfo. Você pode vê-lo na pintura da parede da sala, como visitantes de Canoa o conheceram em um outro momento da vida dele e do lugar. Seu Adolfo em casa, à beira do fogo, fazendo tapioca.

A casa é um ateliê, oficina, um modo vivo, se bulindo, de museu da invenção do cotidiano. Você não vai encontrar a rua pela placa. Chico Tartaruga virou rua com nome quase oficial, Francisco Eliziário. Pergunte aqui e ali, vá conversando com uma e com outro, e você vai chegar à casa. Um modo bonito de conhecer, apreciar, viver um lugar: em estado de encontro. À noite, nos fins de semana, Babuda está na chamada rua principal, a Dragão do Mar, a Broadway. Ali bem à altura do mercantil do Seu Lourival, com banca de comida. Caldo de rabada, pratinho. Junto a artesãs e artesãos, ela tem também banca da renda labirinto. Mas não deixe de ir até a casa. Odonézio, nas priscas eras de Canoa, conta Babuda, era da turma do carnaval ao som movente numa espécie de carrinho de mão, a bater becos e ruas, dunas e falésias, como Seu Adolfo fazia com sua caixa de bolo.

Conheci Babuda em 2017, quando comecei a percorrer Canoa procurando as rendeiras do lugar, a convite do Festival Alberto Nepomuceno, o Fan. Virei fã das labirinteiras. Nizete Alves dos Santos, a Babuda, tem irmãs também rendeiras. Niete Alves dos Santos e Francisca Nirlete Alves Mais, a Neguinha. Cheguei até elas seguindo o fio da conversa iniciada com Valdênia Barqueiro dos Santos, minha guia-mestra, a quem agradeço cada linha desenhada no ar, colocando-me nas idas e vindas do labirinto Canoa. Guardo com gosto o mapa que ela fez vezes seguidas me dizendo da localização das casas, da moradia de cada rendeira: Babai, Caluça, Dona Carmélia, Dona Leonor. Liduina filha de Dona Osmira, as filhas de Dona Agripina... Móvel como as dunas, o mapa está guardado como se pode guardar uma brisa: usufruindo do frescor de sua passagem.

(*) Jornalista de O Povo.

Fonte: Publicado In: O Povo, de 6/08/23. Vida & Arte, p.2.

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