Por Carlos Roberto Martins
Rodrigues Sobrinho (Doutor Cabeto) (*)
Numa sociedade em que não existe
representação, enxergamos uma divisão entre ricos, pobres e miseráveis. Mas,
melhor seria pensarmos em duas únicas, os providos e os desprovidos. Essas,
explicam melhor o Brasil do passado, do presente e do futuro próximo. Do ponto
de vista sociológico, “desprovidos” são aqueles privados de acesso a recursos,
oportunidades ou direitos essenciais à vida digna, são os miseráveis da
modernidade.
Pois bem, o que me preocupa na miséria não
é somente a carestia, a desesperança, o medo, e sim não ter lembranças, não ter
histórias para contar, é ter vergonha do passado. A miséria de hoje é
diferente de outrora. O viver, o sobreviver diário dependente da força física e
da submissão.
O miserável de hoje é aquele desprovido de
carinho, desprovido de acesso, desprovido de identidade. Pois, viver à margem
corrói o espírito. Eles não são vistos nos índices, no GINI, no IDH, na renda
per capita, nem tampouco pelos governantes. Assim definimos essa outra classe,
a dos desprovidos.
Muitas vezes estão entre as estatísticas
dos empregados. Eles vivem o aqui e o agora. Não dispõem de uma calçada para
andar à toa, de um tempo para curtir o ócio, moram muito longe, seus filhos
estudam e não apreendem.
E o lar não é um refúgio, é uma confirmação
da vida dura, debilitando sua saúde dando lugar ao adoecimento. Eles sabem que
não possuem direitos mínimos aos tratamentos e ao acolhimento, tanto no sistema
público como no privado. E por incrível que nos pareça, são capazes de sorrir.
Sei que muitas vezes envergonhados, tímidos, como se não tivessem direito.
Há anos os vejo diariamente sufocados nas
cidades, nos pontos de ônibus, nos trabalhos desprestigiados.
Infelizmente, os desprovidos continuarão
desprovidos em sua maioria. Resta-lhes somente a esperança insistente,
manter-se firme nos princípios, na simplicidade e na ternura.
Resta-lhes manter o sorriso estampado, com
a certeza que contribuem para a mudança.
Resta-lhes descrer nas promessas e criar uma consciência ativa. A revolução dos
desprovidos há de acontecer, com ou sem força, com determinação, com trabalho,
com inteligência, com astúcia e com ética.
Enfim, urge uma cidade justa para os
desprovidos, uma moradia decente, com saneamento e infraestrutura, um sistema
de saúde de verdade, uma educação que habilite os filhos para uma vida digna.
Pois, assim, não serão miseráveis, e sim o futuro. Só precisam entender e agir.
Urge se unirem! Talvez um caminho seja
através das organizações da sociedade civil. Elas nos representam, o resto é o
resto. Assim sempre foi…
(*) Médico. Professor da UFC.
Ex-Secretário Estadual de Saúde do Ceará.
Fonte: Publicado In: O Povo, de 4/10/2025. Opinião. p.19.

Nenhum comentário:
Postar um comentário