Meraldo Zisman (*)
Médico-Psicoterapeuta
O meu
provedor, UOL, no dia 03.07.13, publicou a opinião dos mais diversos
especialistas em política, diante dos rumores que têm vindo das ruas. Tais
rumores não são oriundos da Turquia ou do Egito: são das nossas próprias
cidades. E, como em sonhos visitados por nós mesmos, faz mais sentido o que
acontece por aqui.
Da Bahia, ouviu-se o seguinte: A história do
Brasil, desde a colônia, vem sendo marcada pela desigualdade social e por uma
dominação fortemente autoritária... As manifestações das últimas semanas
fugiram ao padrão costumeiro dos protestos políticos.
De Goiás, foi registrado: Nas grandes cidades, o
que vimos foi um conglomerado de insatisfações que, mesmo sem se articularem em
projetos ou em agendas articuladas ou afuniladas, se misturaram nas ruas de
forma inédita.
Um comentador maranhense escreveu: Portanto, uma
das singularidades da "primavera brasileira" foi a conjugação de
movimentos de novo tipo, com padrões tradicionais de mobilização e ação
coletiva, além da combinação, numa visada abrangente, de questões urbanas (que
predominaram no país) com a questão agrária, conferindo uma "cor
local" ao movimento...
Em Minas Gerais, disseram: De repente, todos são pegos de
calças curtas, no meio do torpor, contra uma lista variada de desvarios que são
cometidos no âmbito das instituições democráticas. As manifestações, que
surgiram no Brasil, acometem tanto os políticos profissionais, quanto os
analistas de uma incerteza sem precedentes. Para onde estamos indo? O fato é
que ninguém sabe.
Um articulista do Pará afirmou: As manifestações
seguem o mesmo ritmo das que ocorrem em outros Estados da
Federação, tendo, por motivação básica, a insatisfação dos jovens com a
política e com os políticos. Se, em Belém, elas iniciaram com a demanda do
passe livre, seu avanço acabou por transformá-las em estradas cognitivas, que
têm por consequência o surgimento de postulações difusas e variadas, algumas,
até, próximas às postulações de direita, como a que pede a redução da idade mínima
para adolescentes infratores, bem exemplificadas em alguns cartazes.
O Paraná ressaltou: Qualquer análise, feita sobre
um evento em andamento, é sempre mais difícil, do que de um fenômeno que
possamos, por um motivo ou outro, dizer que terminou.
As manifestações que ora observamos estão em
processo, em andamento, assim o que eu escreverei considera esta condição. Além
disso, tomarei como elemento de comparação os protestos ocorridos,
principalmente, nas cidades de São Paulo e, também, do Rio de Janeiro.
O Estado de Pernambuco concluiu: Estamos diante de
grandes mudanças, profundas repercussões e longínquos alcances, das
manifestações sociais de Norte e Sul do Brasil, que tiveram, no dia 20 de
junho, seu ápice, e que poderiam ser caracterizadas como uma forma de catarse
geral. Como toda catarse – no sentido psicanalítico mais profundo – ela ainda
ecoará por muito tempo, à guisa de redefinição ampla já em curso. Assim, estamos
diante de nosso próprio ponto de inflexão. Estamos diante do espasmo
fundamental, gerador de nova paginação nos muitos domínios da vida pública e
privada nacional.
No Rio Grande do Sul, um especialista declarou: ...
Nesse contexto, Porto Alegre trouxe uma especificidade que é importante
destacar. Formou-se, aqui, uma aliança política, até então, improvável, entre
partidos e grupos políticos que, embora ideologicamente de esquerda, costumavam
atritar uns com os outros, em razão de divergências históricas, em relação às
suas táticas, estratégias e objetivos. Socialistas e anarquistas se aliaram
para formar o principal articulador e protagonista dos movimentos de protestos
na cidade: o Bloco de Lutas pelo Transporte Público.
Essa aliança veio sendo articulada desde no ano
passado, e se concretizou em janeiro agora, reunindo, num mesmo bloco, o PSOL,
o PSTU, o PCB, alguns set ores do PT, organizações anarquistas (como a FAG, a
Utopia e Luta, o Moinho, Negro, e a Resistência Popular), grêmios estudantis,
os DCEs da UFRGS e PUC-RS, movimentos sociais e sindicatos, como a dissidência
do Sindicato dos Rodoviários.
Um carioca exclamou: Os combustores da iluminação
pública, as vidraças do Tesouro e de outras casas eram espatifadas a pedradas.
Os bondes eram virados, arrebentados e incendiados, outros atravessados ao
longo da rua para servirem de trincheiras. Outros veículos aumentavam as
barricadas. Generalizava-se o tumulto, reproduzindo-se, as mesmas cenas, em
quase todas as ruas centrais, como em vários bairros, de forma idêntica ao Rio
de Janeiro, quando era a Capital Federal.
Em São Paulo, disseram: Os jovens das periferias ganharam
visibilidade, nas metrópoles brasileiras, em meados dos anos 1990. O estudo de
Hermano Vianna - O mundo funk carioca -, foi o primeiro a chamar a atenção para
um tipo de manifestação juvenil que se desenvolvia, de maneira
"invisível", aos olhos da Academia e da mídia. As manifestações
"visíveis", até então, se limitavam aos jovens militantes dos
movimentos estudantis, cujo embate contra o Estado Autoritário estava na ordem
do dia. A maioria dos integrantes destes protestos era composta por
universitários, brancos e pertencentes à classe média.
Pergunto, enfim: o que desejam as ruas? Melhores
serviços públicos e o combate à corrupção, ou uma reforma partidária? O
plebiscito sugerido pela presidente Dilma é constitucional ou não? Estas
questões representam perguntas decisivas, mas as respostas são incertas.
A comunidade jurídica encontra-se dividida. José
Afonso e Marcelo Cerqueira dizem que não pode haver plebiscito que implique em
mudança da Constituição. Ministros como Celso Mello e Roberto Barroso, por sua
vez, afirmaram que pode haver, sim. Contudo, para o Tribunal Superior
Eleitoral, parece mais correto ouvir o público: isso é bom para a democracia.
No entanto, é indispensável que regras e prazos
sejam respeitados. Por quê? Respondeu, poeticamente, a ministra Carmen Lucia:
Cuidado por onde andas, pois é sobre meus sonhos que caminhas.
Eu
afirmo, com muita apreensão: É sobre os sonhos democráticos, da Ética e da
eficiência do Governo, que os sonhos das ruas caminham. Tais aspirações não
podem ser alteradas, pelo fato de o sonho representar o som que vem das ruas
brasileiras. Não esqueçam que o sonho vem antes de o fato acontecer, ou seja,
ele já conhece o que vai ocorrer. Em outras palavras: o sonho é, quase sempre,
um anúncio profético.
(*) Professor Titular da Pediatria da Universidade de Pernambuco.
Psicoterapeuta. Membro da Sobrames/PE, da União Brasileira de Escritores (UBE)
e da Academia Brasileira de Escritores Médicos (ABRAMES).
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