José Jackson
Coelho Sampaio (*)
Sou um homem feliz, reconheço, pois cheguei aos 63 anos
mantendo diálogo, próximo ou separado por vastas geografias, mas constante,
denso, crítico e amoroso, com minha mãe. Ela morreu no dia 26/2, sustentando
consciência e bom humor, mesmo depois de dois anos de um câncer de intestino,
bem predatório nos últimos seis meses.
Estoica, não se queixava e não dramatizava sua capacidade
de sofrer, questionar ou dedicar-se. Manejando a lâmina aguda da ironia, nos
estimulava a correr riscos com autonomia, coerente com uma ética formalmente
católica, essencialmente calvinista, ancestralmente judia.
Cuidamos de seus últimos dias em casa, com o apoio de um
grande médico e do homecare de um plano de saúde. Assim foi possível a presença
constante de filhos, netos e bisnetos, estes últimos preparando repertório de
canções para a bivó Dedé. O que ela nunca compreendeu, realmente, foi o fato de
ter testemunhado e sobrevivido seis anos à morte do seu Zé Júlio.
Quando eu passava por sua casa, reclamando de fadigas,
alergias ou viroses, ela, com seus 25 anos de dianteira sobre mim, dizia,
sábia: “É, meu filho, nós dois estamos ficando velhos”. Seus olhos e sua voz
forte, de Sibila, nos desafiavam a superar obstáculos, com disciplina,
inteligência, conhecimento.
Quando alguém reclamava destes filhos independentes que
ela tivera, respondia, filosófica: “criei filhos para si próprios e para o
mundo, não para mim”. Até nos eventuais castigos ela era original, com sofisticadas
tramas de subjetividade, sem violência física ou simbólica.
Dois de seus filhos, sua nora, três de seus genros e três
de seus netos são mestres e doutores, fazendo carreira acadêmica. São
descendentes diretos e afins dela e de Zé Júlio que, na década de 1940, lutando
contra a pobreza dos pais, concluíram a Escola de Comércio de Crateús.
Uma avançada formação intelectual, seu senso de justiça,
seu amor e seu DNA são a herança generosa que levarei adiante, na pele e na
memória, sobre base de rigor e de ternura.
(*) Titular em Saúde Pública e
reitor da Uece.
Publicado In: O
Povo, Opinião, de 8/3/14. p.8.
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