Meraldo Zisman (*)
Médico-Psicoterapeuta
Alceu
Valença, em entrevista concedida ao jornalista José Teles, publicada em
06.02.14 (Jornal do Comercio de PE) sob o título ‘Nunca Fui um
Tradicionalista’, trata do lançamento do seu disco Amigo da Arte (Deckdisc), dedicado
a seu parceiro Carlos Fernando, falecido ano passado, autor do projeto. Todos
os pernambucanos, mesmo aqueles que não gostam de brincar o Carnaval
“multicultural” das ladeiras de Olinda aos Alagados e Mocambos do Recife,
quando toca um frevo arrepiam-se, mormente quando fora do Pernambuco. O Frevo é
a nossa música e nosso ritmo. Isso não discuto. E com razão, inicia a matéria o
jornalista:
Pernambuco
é o estado com a maior diversidade de gêneros de todo o Brasil. A ideia deste
disco é ilustrar em parte esta diversidade, com enfoque nos gêneros do
carnaval, ou seja, da zona da mata e do litoral. Alceu afirma: “Fiquei tomado
por estes estilos quando cheguei “em” Recife, ainda menino, e vi desfilar os
primeiros blocos de frevo à minha frente. Eu morava na Rua dos Palmares, que
costumo chamar de ‘rua carnavalódroma’, porque além de ali passarem os blocos
do carnaval, éramos vizinhos do maestro Nelson Ferreira”. No decorrer da
entrevista foi perguntado pelo entrevistador:
— Você
tem uma afinidade grande com Portugal, com a música tradicional portuguesa. Mas
tem os holandeses. Se Pernambuco tivesse se tornado holandês, teríamos essa
exuberância de ritmos que temos?
Responde
Alceu Valença:
— Os
holandeses tiveram uma influência notável na pintura. Mas os africanos e os
árabes são muito decisivos na nossa cultura brasileira... Por exemplo, ‘Rosas
Não Falam’ de Cartola ao ‘Sabiá’ de Luiz Gonzaga. E termina: — Me considero um
dos maiores incentivadores do intercâmbio musical entre Brasil e Portugal...
O Frevo,
surgido na cidade do Recife no fim do século XIX, caracteriza-se pelo ritmo
extremamente acelerado. O fado nasceu também no século XIX, justo nos bairros
de Alfama e Mouraria de Lisboa, onde árabes e judeus era confinados durante o
reinado dos reis católicos. Esclareço: Mouraria e Judiaria dá na mesma.
O número
de habitantes judeus em Portugal, no início do Século XVI, alcançava por volta
de um milhão e desses 10% eram judeus sefaraditas.
Depois de
instalada a Inquisição Portuguesa, os que não foram queimados vivos fugiram ou
se transformaram em cristão-novos e muitos fugiram para o Recife, sobretudo no
tempo dos holandeses, sem falar nos oficiais e tripulantes da armada de Cabral
que fizeram parte do discutível achamento do Brasil.
Quem
passar hoje por uma sinagoga no Recife, em dia de serviço religioso, escutará a
sonoridade melancólica do fado nessas rezas hebreias.
Concordo
com o entrevistado quando diz... “Pernambuco por sua configuração é
multicultural”. O frevo-canção espelha a nostalgia ibérica, vinda dos povos
árabes e judeus (ambos semitas, convém não esquecer!). Assim como a cultura
agreste-sertaneja de Pernambuco foi a do couro, como afirma o entrevistado, não
se deve esquecer que boa maioria dos judeus marranos (convertidos à força, ou
porcos), cristão-novos, judeus batizados na fé católica, mas praticantes do
judaismo às escondidas (criptojudeus), etc., deixaram o litoral e se
embrenharam no sertão, para fugir dos longos braços da Inquisição, que assim
mesmo conseguia alcançá-los.
Não
discuto a importância do entrevistado como estudioso e intérprete da cultura
pernambucana. Tenho-o como um dos
maiores cultores da difusão do frevo e da nossa música, mas devemos procurar as
nossas verdadeiras raízes se desejarmos sair do eufemístico país em desenvolvimento.
(*) Professor Titular da Pediatria da Universidade de Pernambuco.
Psicoterapeuta. Membro da Sobrames/PE, da União Brasileira de Escritores (UBE)
e da Academia Brasileira de Escritores Médicos (ABRAMES).
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