sexta-feira, 14 de novembro de 2014

MÉDICO E LOUCO


Meraldo Zisman (*)
Médico-Psicoterapeuta
Doenças são fatos comuns na atividade do médico. 
Fazer literatura, artes, não!
Se assim fosse, bastaria uma papeleta médica corretamente redigida para um médico ser considerado escritor. Mas isso não passaria de simples redação, apesar da importância médica. Anotações médicas, por mais bem escritas que sejam, não possuem beleza literária.
No caso do escritor ser o paciente, poderá valer-se da experiência do sofrimento para expressá-la de forma artística, depois da fase aguda da doença. A Montanha Mágica do Thomas Mann (1875-1955) é exemplo de relato de um escritor quando doente.
Doenças, sofrimentos não inspiram literariamente quem deste dom não foi aquinhoado. Por outro lado, o ato de criar exige do artista um mínimo de higidez. Apesar da surdez, Beethoven continuou compondo suas sinfonias. Desses o mais emblemático é o caso do pintor Vincent Van Gogh. Cortou a orelha direita durante um dos seus surtos psicóticos.
Alguns biógrafos do artista afirmam que o ato foi uma espécie de vingança contra sua amante Virginie, depois que Van Gogh descobriu que ela estava apaixonada pelo artista Paul Gauguin. De acordo com esta versão, Van Gogh teria enviado a orelha ensanguentada, dentro de um envelope, para a amante. Seu sofrimento psíquico levou ao seu internamento em uma clínica psiquiátrica e pouco tempo depois se suicidou com um tiro no peito, levado para um hospital, não resistiu, morrendo três dias depois.
Acredito que o melhor, tanto para o escritor, para o médico ou para qualquer pessoa, é gozar de boa saúde. Já se foi o tempo de considerar a dor e o sofrimento como purificadores da alma ou - pior, o sal da criação de um artista.
Praticando a Medicina por mais de meio século, jamais encontrei alguém que produzisse uma obra de arte durante a vigência de um surto psicótico.  “De médico e de louco cada um de nós temos um pouco” é, no meu entender, um ditado muito perigoso e os estudos mais recentes são meras estatísticas que, como todos e quaisquer números, podem ser manipuladas. Você se operaria com um médico maluco?
(*) Professor Titular da Pediatria da Universidade de Pernambuco. Psicoterapeuta. Membro da Sobrames/PE, da União Brasileira de Escritores (UBE) e da Academia Brasileira de Escritores Médicos (ABRAMES).

Nenhum comentário:

 

Free Blog Counter
Poker Blog