Meraldo Zisman (*)
Médico-Psicoterapeuta
Doenças
são fatos comuns na atividade do médico.
Fazer
literatura, artes, não!
Se assim
fosse, bastaria uma papeleta médica corretamente redigida para um médico ser
considerado escritor. Mas isso não passaria de simples redação, apesar da
importância médica. Anotações médicas, por mais bem escritas que sejam, não
possuem beleza literária.
No caso
do escritor ser o paciente, poderá valer-se da experiência do sofrimento para
expressá-la de forma artística, depois da fase aguda da doença. A Montanha
Mágica do Thomas Mann (1875-1955) é exemplo de relato de um escritor quando
doente.
Doenças,
sofrimentos não inspiram literariamente quem deste dom não foi aquinhoado. Por
outro lado, o ato de criar exige do artista um mínimo de higidez. Apesar da
surdez, Beethoven continuou compondo suas sinfonias. Desses o mais emblemático
é o caso do pintor Vincent Van Gogh. Cortou a orelha direita durante um dos
seus surtos psicóticos.
Alguns
biógrafos do artista afirmam que o ato foi uma espécie de vingança contra sua
amante Virginie, depois que Van Gogh descobriu que ela estava apaixonada pelo
artista Paul Gauguin. De acordo com esta versão, Van Gogh teria enviado a
orelha ensanguentada, dentro de um envelope, para a amante. Seu sofrimento
psíquico levou ao seu internamento em uma clínica psiquiátrica e pouco tempo
depois se suicidou com um tiro no peito, levado para um hospital, não resistiu,
morrendo três dias depois.
Acredito
que o melhor, tanto para o escritor, para o médico ou para qualquer pessoa, é
gozar de boa saúde. Já se foi o tempo de considerar a dor e o sofrimento como
purificadores da alma ou - pior, o sal da criação de um artista.
Praticando
a Medicina por mais de meio século, jamais encontrei alguém que produzisse uma
obra de arte durante a vigência de um surto psicótico. “De médico e de louco cada um de nós temos um
pouco” é, no meu entender, um ditado muito perigoso e os estudos mais recentes
são meras estatísticas que, como todos e quaisquer números, podem ser
manipuladas. Você se operaria com um médico maluco?
(*) Professor Titular da Pediatria da Universidade de Pernambuco.
Psicoterapeuta. Membro da Sobrames/PE, da União Brasileira de Escritores (UBE)
e da Academia Brasileira de Escritores Médicos (ABRAMES).
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