Aloísio Lorscheider foi defensor da democracia e chegou a enfrentar perseguições durante o Regime Militar (Foto Edimar Soares 10/10/2006) |
Quando menino do
campo, no Rio Grande do Sul, Leo — que, futuramente, seria dom Aloísio
Lorscheider — contava que seu maior medo era ser condenado ao inferno. Há
exatos dez anos, em 23 de dezembro de 2007, ele encarou a passagem para o outro
plano. Mas, pouco tempo antes disso, menos angustiado depois de uma intensa
trajetória dedicada ao catolicismo, a respeito do que seria seu último destino,
disse: “Estou preparado. Sou curioso, quero ver o outro mundo. Viver face a
face com Deus será, sem dúvida, diferente”.
Primeiro
brasileiro cotado para ser papa, dom Aloísio foi arcebispo de Fortaleza entre
1973 e 1995, até se mudar para São Paulo e, depois, de volta para o Sul. Seus
22 anos de experiência na Capital renderam manchete nos jornais locais desde
que chegou ao aeroporto, vindo transferido de Santo Ângelo, no Rio Grande do
Sul, onde assumiu o cargo de arcebispo pela primeira vez. Naquele dia, ao
público entusiasmado que o esperava desembarcar do avião, ele adiantou, com a
humildade de sua formação franciscana: “Vim para servir, não para ser servido”.
“Estou
preparado. Sou curioso, quero ver o outro mundo. Viver face a face com deus
será, sem dúvida, diferente" Dom Aloísio Lorscheider, pouco antes de morrer
Uma das suas primeiras
contribuições, logo que assumiu a arquidiocese, foi reunir esforços para a
conclusão da obra da Catedral Metropolitana, no Centro, que, até então, se arrastava
há 34 anos — o templo começou a ser erguido em 1939 e foi inaugurado em 1978.
Como o gaúcho já havia assumido empreitada semelhante em Santo Ângelo, logo
ficou conhecido nacionalmente como “o bispo das catedrais inacabadas”.
Trabalho social
Outra urgência sentida
por ele foi a de cuidar de quem vivia em extrema pobreza. A literatura conta
que sua primeira obra social na Capital foi a campanha “Mensageiro da
Fraternidade”.
Numa kombi que circulava pelos bairros, pedia roupas e objetos em desuso. E, do
alto-falante do automóvel, emitia: “O que sobra na sua casa está faltando
na casa do seu irmão”.
Além disso, a bordo de um fusca dirigido por ele mesmo, fazia questão de
conhecer pessoalmente a vida das pessoas — independentemente se elas morassem
na Capital, no Interior ou numa unidade presidiária.
Perseguição
política
Defensor da
democracia, dom Aloísio enfrentou perseguições durante o Regime Militar. Antes
mesmo de chegar a Fortaleza, investigado por envolvimento com células
comunistas porque pregava consciência política e igualdade entre os homens, foi
preso em 1969 no que narrava ter sido o momento mais angustiante de sua vida.
Futuramente, já na Capital, continuou a sofrer fortes intimidações como a vez
em que tentaram arremessar uma bomba dentro da sua residência no anexo do
Seminário da Prainha.
Relação
com o Ceará
Enquanto morou em
Fortaleza, o arcebispo constatou que “o cearense é um bravo”. E o povo, também,
construiu uma boa relação com dom Aloísio. Tanto que, no discurso de despedida
da Capital, em 1995, ele tentou abrandar os corações dos que ficaram, dizendo:
“Não tenham medo, pequeno rebanho”. Futuramente, voltou à Capital somente
para cuidar da saúde, que há anos estava ruim.
No novo século,
distante das funções como arcebispo e de volta para os cuidados dos frades
franciscanos, que ensinaram boa parte de tudo o que ele partilhou com o mundo,
se ocupou em passar os meses que lhe restavam refletindo sobre a vida e sobre o
que, hoje, representa a Igreja Católica. Em 2007, internado, bastante
debilitado, recebia visita de parentes e amigos. Até que, às cinco horas e
vinte minutos de um domingo, aos 83 anos de idade, se eternizou.
CHEGADA A FORTALEZAEm 6 de agosto de 1973, O POVO noticiava a posse de dom Aloísio como arcebispo de Fortaleza.
80 ANOS
No dia 8 de outubro de
2004, entrevista encerrou série especial o O POVO que comemorou os 80 anos de
dom Aloísio.
REBELIÃO
Em 15 de março de
1994, numa das visitas rotineiras ao Instituto Penal Paulo Sarasate (IPPS), em
Aquiraz, dom Aloísio e outros religiosos foram rendidos por um grupo de
presidiários. O caso foi noticiado no dia seguinte pelo O POVO. A rebelião
envolveu, além dos padres, autoridades políticas, gestores do poder público e
fotógrafos como João Carlos Moura, que estava a serviço do O POVO. O sequestro
durou até o outro dia, quando os detentos negociaram uma fuga. Dias depois, dom
Aloísio retornou ao presídio e perdoou os agressores.
A PARTIDA
No dia 23 de dezembro
de 2007, dom Aloísio morreu, na Santa Casa de Porto Alegre, aos 83 anos. Ele
estava internado desde 28 de novembro por causa de insuficiência cardíaca. O
POVO do dia seguinte contou a história.
SAIBA MAIS
Escrita por Rotsen
Aguiar, da Comunidade de Deus, a coletânea Lorscheider conta a história de dom
Aloísio e relata seus ensinamentos, em três volumes:
Volume 1 - Biografia.
Palavras Vivas
Volume 2 -
Ensinamentos Universais
Volume 3 - Traços da
Alma. Devocional Bíblico Diário
Fonte: O Povo, de 23/12/2017.
Cotidiano. p.3.
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