quarta-feira, 5 de fevereiro de 2020

"Última Parada: Auschwitz", do médico e sobrevivente Eddy de Wind, chega ao Brasil


Por Agência Estado
Livro de Eddy de Wind foi editado pela primeira vez em 1946.O livro foi escrito de dentro do mais tenebroso campo de concentração da Polônia.
É como sua mãe costumava dizer: Auschwitz esteve sempre à mesa com a família. Assim, não houve uma primeira vez que Melcher de Wind ouviu falar no livro de seu pai ou nas atrocidades sofridas por ele no campo de concentração nazista na Polônia, onde milhares de judeus morreram e de onde ele saiu para sempre ferido, mas vivo.
Melcher só soube da importância do livrinho guardado no armário quando a família decidiu emprestar o caderno original e o volume que ele publicou por uma pequena editora um ano depois de sua volta à Holanda, em 1946, para uma exposição em Madri dois anos atrás. Uma editora o abordou perguntando como ninguém conhecia aquele livro e destacando seu ineditismo: era o único escrito dentro de Auschwitz.
Eddy de Wind (1916-1987) escreveu sua história - não em primeira pessoa, porque seria impossível, mas por meio da saga do dr. Hans - dentro de Auschwitz, sim, sob os efeitos do que tinha vivido em quase dois anos. Era janeiro de 1945 e, com a aproximação do Exército Vermelho, os nazistas começavam a debandar e tentavam apagar seus rastros. Eddy não se juntou à Marcha da Morte. Em vez disso, se escondeu com alguns prisioneiros políticos, comunistas espanhóis, de quem se aproximara por terem vivido no mesmo bloco - Eddy foi médico e enfermeiro lá.
Quando a SS já estava longe o suficiente, ele começou a vagar pelo campo e encontrou muitos doentes, que ele tentou, em vão, ajudar. O cenário era desolador e a ideia de que sua mulher Friedel, com quem se casou no campo de Westerbork, estaria morta, desesperadora. Sem poder fazer nada por aquelas pessoas, voltou a vagar, procurando uma razão para continuar vivo. Viu uma torre alta no meio do caminho e foi impelido a subir, e a pular. Foi por muito pouco. Olhando o horizonte, ele se lembrou de uma senhora dizendo que ele tinha que sobreviver para contar o que tinha se passado ali, para provar que era tudo verdade. E foi neste momento que sua nova história começou.
Eddy desceu e foi direto para um depósito da SS. Encontrou cadernos velhos - eles usavam muitos cadernos, anotavam tudo - e lápis e começou a escrever. Cerca de dois dias depois os russos chegaram, ele se tornou membro do Exército Vermelho e começou a cuidar dos feridos. Trabalhava como médico de dia e escrevia seu livro à noite. Isso durou cerca de oito semanas.
O médico ficou três meses em Auschwitz depois da libertação, em 27 de janeiro, do campo. Nos cinco meses seguintes, seguiu com os russos pelo leste europeu até que decidiu começar a voltar para a Holanda.
Um ano depois, Última Parada Auschwitz era publicado por uma pequena editora comunista e não teve repercussão porque ninguém queria ouvir e relembrar as histórias. A obra teve outra edição nos anos 1980, também sem sucesso. E então está tendo uma nova chance, mais de 30 anos depois da morte do médico judeu, que, aos 26, se voluntariou para trabalhar no campo de Westerbork achando que isso pouparia sua mãe, o que não aconteceu, que sobreviveu não se sabe como e que se especializou em psiquiatria e se tornou um psicanalista especializado em trauma de guerra - um trauma do qual ele nunca se curou.
Pois entre janeiro e dezembro do ano passado, os direitos de Última Parada Auschwitz: Meu Diário de Sobrevivência foram vendidos para 25 línguas diferentes, com previsão de lançamento em dezenas de países. O título chegou às livrarias brasileiras pela Planeta no último dia 28/1/20.
"Isso é inacreditável porque o livro sempre esteve ali. Este livro é muito mais do que uma história sobre o terror de Auschwitz: ele ajuda as pessoas a entender o que o terror e a intolerância podem provocar. Mas ele também ajuda a entender que mesmo nessas circunstâncias há sempre esperança e solidariedade - e que é isso o que nos mantém vivos e seguindo em frente", diz Melcher.
O historiador diz que este livro que salvou a vida do pai está ajudando também ele e seus irmãos. "Meu pai foi uma pessoa psicologicamente doente e foi muito difícil para nós, mas ele também foi uma pessoa muito doce e amável. Essa é uma história triste para a família e ver que ela está indo para o mundo todo e levando conforto para outras pessoas nos ajuda também".
A sombra de Auschwitz nunca se dissipou para Eddy de Wind, que morreu aos 71 em decorrência de enfarte. As últimas horas no hospital, lamenta o filho, foram muito tristes: ele estava de volta ao campo de concentração. "Coisas terríveis estão acontecendo no mundo hoje. E a única coisa que podemos fazer por nós mesmos é estar atento, ler e compreender como se manter humano em tempos de horror e desespero. O livro ajuda nisso", finaliza. (Agência Estado)

Fonte: O Povo, 1/2/20. Vida e Arte p.3.

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