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segunda-feira, 15 de abril de 2024

AINDA PODE PIORAR

Por Rev. Munguba Jr. (*)

O Presidente da República Federativa do Brasil, Luiz Inácio Lula da Silva, fez uma colocação sobre Israel que abalou o mundo civilizado, defendeu o indefensável: envileceu a nação de Israel, única democracia do Oriente Médio, frente a terroristas que matam civis mesmo estando fora de uma guerra, comparando, inclusive, com seus antigos algozes.

O antissemitismo é uma chaga social que, cada vez que é reacendida, dilacera corações e memórias.

Foram muitos anos até implantarem a narrativa de que o Holocausto, o extermínio de mais de seis milhões de judeus, não aconteceu ou que foi algo irrelevante. Entretanto, o Sete de Outubro de 2023, onde mais de mil e quinhentos Israelitas foram dizimados, precisou apenas de alguns dias para o sucesso da narrativa de que Israel não tem o direito de se defender e recuperar com vida os reféns levados para Gaza.

Golda Meir, ex-primeira-ministra de Israel, afirmou: "Se os palestinos baixarem as armas, haverá paz. Se os israelenses baixarem as armas, não haverá mais Israel". Essa frase não se aplica a todo povo palestino, mas a uma minoria radical e terrorista que tem como objetivo claro a destruição de Israel e de todos os israelitas. A maioria do povo palestino convive pacificamente trabalhando como irmãos em Israel.

Para o nosso país, as consequências do posicionamento do presidente atual são incalculáveis: prejuízo da imagem internacional, da imagem dentro das nossas fronteiras e sequelas econômicas históricas.

Alianças e apoio a ditaduras e grupos terroristas, historicamente, é a certeza da cumplicidade em holocaustos e outras atrocidades cometidas pelo mundo. Segundo Stéphane Courtois no livro "O Lado Negro do Comunismo", o saldo, além dos judeus, foi de: "URSS, 20 milhões de mortos; China, 65 milhões de mortos; Vietnã, 1 milhão de mortos; Coreia do Norte, 2 milhões de mortos; Camboja, 2 milhões de mortos; Leste Europeu, 1 milhão de mortos; América Latina, 150.000 mortos; África, 1,7 milhão de mortos; Afeganistão, 1,5 milhão de mortos".

Ditaduras têm como características comuns: excluir e matar religiosos, líderes liberais, homossexuais e outras minorias; prender opositores políticos, maculando as eleições. Por mais absurdo que pareça, ainda pode piorar.

Os governos democráticos amam a liberdade, a iniciativa privada, as diferenças de pensamento e religião, a valorização da vida e de oportunidades iguais para todos.

(*) Pastor Munguba Jr. Embaixador Cristão da Oração da Madrugada e Erradicação da Pobreza no Brasil e presidente da Igreja Batista Seven Church.

Fonte: O Povo, 16/03/2023. Opinião. p.14.


sexta-feira, 27 de janeiro de 2023

27 DE JANEIRO, TRISTE DIA (alusivo ao Holocausto judeu durante a II Guerra Mundial)

Por Marcos L Susskind (*)

Você conseguiria pensar em 72.000.0000 de brasileiros assassinados por terem nascidos Brasileiros? Um terço de nossa nação?

Em 27 de janeiro o mundo deveria parar para chorar os 6.000.000 de Judeus queimados, metralhados, enforcados, colocados em câmaras de gás, afogados vivos - enfim, eliminados por um único motivo: sua ascendência, sua fé.

Este é o dia declarado mundialmente “Dia de Lembrança do Holocausto”, que infelizmente começa a ser esquecido por muitos e ignorado por outros.

Mas, eu me lembro e não me esquecerei. Eu sou uma das vítimas deste horrendo momento da humanidade. Se você acha que eu passei por esta fase escura e vergonhosa, respondo que não. Eu nem era nascido, mas mesmo assim sou vítima.

Meu pai chegou ao Brasil em 1927, minha mãe em 1925. No entanto, suas famílias ficaram na Europa. A fera nazista, a inominável besta, matou meus avós, meus tios, meus primos a quem nunca conheci. Eu carrego o nome de meu avô, morto pelos nazistas alemães e seus colaboradores. Minha irmã leva o nome de minha avó. Meu irmão carrega o nome de meu tio. Foi a forma que meus pais e encontraram para manter viva a memória familiar.

Nós, judeus, éramos 18.000.000 antes da guerra. Ao fim dela éramos 12.000.000. Hoje, decorridos quase 75 anos do fim daquele massacre, somos apenas 15.000.000. Ou seja, ainda não conseguimos atingir o número de judeus antes daquela matança. Volte ao primeiro parágrafo, releia-o! Afinal, foi o que aconteceu conosco – um terço de nossos irmãos assassinados, TODAS nossas academias de estudo destruídas, nossas bibliotecas queimadas, nossas sinagogas depredadas, nossa intelectualidade dizimada, nossas propriedades confiscadas, nossa história apagada e nossa memória maculada.

Meu povo não ficou mundo afora se sentindo refugiado necessitado de apoio permanente. Ao contrário, meu povo criou um Estado Nacional que é considerado o 5º país mais desenvolvido do mundo, meu povo conseguiu 82 prêmios Nobel, criou o Waze e a irrigação por gotejamento e o Mobileye, o Telefone Celular e o conector USB. Meu povo inventou a medicina não invasiva, o aquecimento solar e a dessalinização da água do mar. A comunicação por internet (VoIP) só existe graças a meu povo. O Copaxone foi inventado por Ruth Arnon, o Google e o Facebook, o ICQ.

Agora imagine como estaria o mundo se um terço deste povo não tivesse sido exterminado? E antes do extermínio? Singer inventou a máquina de costura, Mahler era judeu, o inventor da Estreptomicina também. A penicilina teve Boris Chain como parceiro de Fleming. Einhorn inventou a Procaína e Einstein… precisa falar dele?

Felix Haber sintetizou a amônia, Arthur Korn inventou o fax, Montefiori Levi inventou o bronze fosfórico. Basta, para não cansar.

Pois foi este povo que Hitler e seus colaboradores alemães, poloneses, húngaros e austríacos queriam eliminar. Provavelmente entre as 1.200.000 crianças assassinadas havia quem viria a ser músico, inventor, engenheiro, pensador, diretor de cinema, médico ou pesquisador - mortos antes da puberdade por terem nascidos judeus.

O dia 27 de janeiro tem ainda, para mim e meus irmãos, mais um significado imenso. Foi neste dia, em 1913, que nasceu Isak Hersch Susskind, o “Seu Armando”, meu pai - quem me ensinou, em sua curtíssima vida, a ser abnegado, ético, bondoso e leal.

Assim, na memória de toda a Humanidade, o dia 27 de janeiro deveria ser sagrado. Para mim, o é duplamente!

(*) Jornalista e escritor brasileiro.


quinta-feira, 20 de outubro de 2022

A PRESENÇA JUDAICA NO BRASIL

Meraldo Zisman (*)

Médico-Psicoterapeuta

Idiotismo, que pode ser mais prejudicial do que as moléstias que os idiotas afirmam combater. Todo pensador honesto tem o compromisso ético de manter sua cabeça erguida diante dos ídolos prevalecentes em qualquer época, e não aquiescer, daí estar na moda. Caso necessário, o pensador tem a obrigação de remar contra a maré.

Dois períodos políticos administrativos podem ser destacados para fins didáticos: Período Colonial (1500–1822) e o Período Independente (de 1822 em diante). No primeiro período, sob o domínio português, predominou o cripto-judaísmo, ainda que os judeus coabitassem o território colonizado pelos portugueses desde que os lusitanos se estabeleceram na América.

A eventual contribuição do povo mosaico (seguidores de Moisés) teve influência na formação psicossocial do povo brasileiro e aparece obliterado, esquecido ou apagado, seja pela Inquisição e perseguições das mais diversas claramente demonstradas por nossa História. No segundo período, que corresponde à época nacional e independente de Portugal, a emergência da participação desses elementos na formação do psicossocial nacional ocorre depois da Segunda Guerra Mundial. No entanto, de acordo com pesquisas, é possível que as caravelas de Pedro Álvares Cabral tenham trazido judeus a bordo, que se estabeleceram na nova terra desde o início da sua história.

A maioria deles (gente da nação, marranos, cristão novos, cripto-judeus), navegantes à sua revelia, do mesmo modo como, contra seu livre arbítrio, foram encastoados no cristianismo, uma religião estranha às suas tradições de judeus ibéricos.

Tal afirmação surpreenderá os que pensam que o componente judaico na vida brasileira é recente. O alcance histórico da presença judaica nos primeiros séculos da colonização portuguesa no Brasil é matéria de pesquisas e de extensos estudos sobre a cultura brasileira. Mas agora a mídia, principalmente a denominada social, encontra-se saturada de argumentos Nazistas ou Neonazistas.

Não importa se a favor ou contra.

Tenho certeza de que o Holocausto não é exemplo de coisa legal para ninguém e combater ou fazer a profilaxia dessa tendência é melhor que remediar.

Perdoem pelo clichê: “O ovo da serpente” está sempre atualizado embora pareça adormecido, e está à espreita.

(*) Professor Titular da Pediatria da Universidade de Pernambuco. Psicoterapeuta. Membro da Sobrames/PE, da União Brasileira de Escritores (UBE), da Academia Brasileira de Escritores Médicos (ABRAMES) e da Academia Recifense de Letras. Consultante Honorário da Universidade de Oxford (Grã-Bretanha).

sábado, 9 de abril de 2022

ALIADOS REJEITARAM MISSÃO QUE PODERIA TER SALVO ANNE FRANK

Por Fábio Marton, jornalista.

Documentos revelados por historiador mostram como o Supremo Comando descumpriu ordens de Washington que poderiam ter poupado a vida de dezenas de milhares

Ao cair das cortinas da Segunda Guerra, em algum ponto entre fevereiro e março de 1945, aos 15 anos, Anne Frank morreu de tifo no campo de Belsen-Bergen. Seu diário, publicado por seu pai, tornou-a uma das mais simbólicas vítimas do Holocausto. 

Tudo poderia ser diferente — e talvez ela estivesse viva até hoje, aos 88, possivelmente anônima — se os aliados tivessem seguido as ordens de Washington e colaborado com um esforço da Cruz Vermelha para enviar uma missão de socorro com medicamentos e alimentos para o campo no qual ela estava presa.

A revelação veio do historiador Max Wallace em seu novo livro In the Name of Humanity: The Secret Deal to End the Holocaust ("Em Nome da Humanidade: O Acordo Secreto para Encerrar o Holocausto", ainda sem tradução). Wallace descobriu documentos inéditos e reconstruiu uma história até agora desconhecida.

A SS nazista e a Cruz Vermelha haviam chegado num acordo para permitir a passagens de caminhões com suprimentos para aliviar a situação em certos campos de concentração.

Berger-Belsen, o alvo principal, não era um campo de extermínio com Auschwitz: não tinha câmaras de gás. Quando os nazistas queriam matar alguém por lá, transferiram para os outros campos. Ainda assim, cerca de 50 mil de seus prisioneiros morreram por fome, doenças ou exaustão por trabalhos forçados. Ao ser liberado pelos aliados, em 15 de abril de 1945, o complexo, feito para abrigar 10 mil pessoas, tinha 60 mil — e mais 13 mil corpos insepultos, incluindo Anne e sua irmã Margot

Em fevereiro, a situação catastrófica de Berger-Belsen foi levada à Washington e estudada por várias autoridades, inclusive o secretário de guerra Henry Stimson. De lá saiu a ordem para a liberação imediata da ajuda.

Mas o Comando Central, liderado pelo general (e futuro presidente) Dwight Eisenhower, simplesmente se recusou os liberar veículos e gasolina combinados, exceto para missões direcionadas a campos com prisioneiros de guerra americanos — uma decisão cinicamente calculada, pensando no impacto na opinião pública de negligenciar “nossos garotos” versus “judeus desconhecidos”.

A culpa final por qualquer morte em campos de concentraçao recai sobre os nazistas, cujas políticas desprezíveis colocou os prisioneiros lá”, afirma Wallace. “Mas a tragédia de Bergen-Belsen ilustra como, mesmo naquele estágio final da guerra, o destino dos judeus europeus não tinha quase qualquer efeito sobre a consciência dos líderes aliados.

Fonte: UOL. Publicado em 18/04/2018. Atualizado em 20/04/2018.

quarta-feira, 23 de fevereiro de 2022

AS REVELAÇÕES DE UM ATELIÊ

Historiadora dedicada ao estudo das vestimentas, inglesa Lucy Adlington recria os dramas de um ateliê em Auschwitz

Após mais de meio século do fim da 2.ª Guerra Mundial (1939-1945) continuam a vir à tona fatos impressionantes sobre os horrores promovidos pelo regime nazista. A história contada no recém-lançado livro da inglesa Lucy Adlington, "As Costureiras de Auschwitz", best-seller do New York Times, que acaba de chegar ao Brasil pela Editora Planeta, surpreende ao falar sobre a criação de um ateliê de alta-costura dentro de um campo de extermínio, que produzia de forma primorosa as roupas das esposas do mais alto escalão nazista.

"Para que a história faça algum sentido, precisamos entender a importância das roupas para o movimento nazista que transformavam peças neutras em uma declaração de princípios. Os uniformes e o símbolo da suástica nazista eram a mensagem para se diferenciar, fabricavam divisões e enfatizavam o elemento 'nós' da coesão, tirando proveito do poder do pertencimento quando grupos vestem uniformes", conta a autora, em entrevista de sua casa, no interior do Reino Unido.

Lucy é uma historiadora e pesquisa a linguagem pelo modo de como nos vestimos nos últimos 200 anos. Ao se deparar com a inacreditável história do ateliê de alta-costura dentro de Auschwitz, se debruçou em uma minuciosa pesquisa para decifrar os acontecimentos e o papel da roupa em um ambiente desumano. "Os uniformes tinham uma importância estrutural, que minimizava as diferenças óbvias entre classes, dando a impressão de igualdade dentro do grupo étnico. Além disso, os homens que o usavam pareciam inebriados por sua própria fantasia de poder psicológico", completa.

Em total sintonia com seus pares, as mulheres dos oficiais de alta patente da SS também queriam manter seu status, poder e unidade por meio das roupas que usavam. A ideia de um ateliê de alta-costura veio à tona por causa dos desejos da sra. Hedwig Höss, esposa do comandante Rudolf Höss, chefe do campo de extermínio de Auschwitz. Hedwig precisava da melhor mão de obra, no caso, a das costureiras judias, para realizar seus sonhos macabros de imagem de grande dama traduzido em roupas bem construídas e com acabamento impecável. Costureiras judias talentosíssimas, que estavam na fila das câmaras de gás ou em trabalhos forçados no campo, tinham suas profissões descobertas e eram levadas para esse espaço idealizado por Hedwig onde construíam roupas dos sonhos para as esposas de seus algozes. O estoque de tecidos e acessórios era ilimitado, vindo quase inteiramente das roupas das pilhagens ou de lojas judaicas roubadas. As peças eram reformadas e transformadas pelo ateliê.

A família Höss morava a poucos metros das chaminés do campo, onde as cinzas com cheiro de corpos se espalhavam diariamente pelo jardim. A casa, chamada por Hedwig de paraíso, era onde compartilhava a vida em família com seus cinco filhos, todos impecavelmente vestidos com roupas criadas pelo ateliê.

A imagem das roupas bem-feitas com tecidos nobres trazia a mensagem de uma família alemã ariana ideal e a procedência das peças era conhecida pela dona da casa, que mandava suas costureiras "fazerem compras" semanais nos grandes depósitos que se formavam com os pertences roubados dos mais de 1,3 milhão de judeus escravizados em Auschwitz.

"A história de união e os laços de profunda amizade, confiança e compaixão entre as costureiras/prisioneiras mostram um poderoso contraste com relação ao dogma nazista de 'sobrevivência do mais apto'. Instintos naturais de ajuda mútua formaram a realidade daqueles anos", conclui Lucy, nos brindando com um livro necessário e potente. (Agência Estado)

Fonte: O Povo, de 20/2/22. Vida & Arte. p.8.

quinta-feira, 8 de julho de 2021

Pandemia e Humor judaico

Meraldo Zisman (*)

Médico-Psicoterapeuta

(Humor judaico é aquele que faz graça da própria desgraça)

Atribuem ao célebre médico Sigmund Freud a história de um mendigo que cruzou com o barão Rotschild, banqueiro afamado, enquanto este flanava pelas ruas da Viena imperial; o mendigo aborda o altivo homem de finanças com uma história de arrancar lágrimas ao mais calejado dos capitalistas e consegue dele uma esmola nada desprezível.

O banqueiro continua com seu passeio vespertino e, algumas quadras adiante, depara-se com seu beneficiado deliciando-se com fina iguaria, dentro de uma loja de Delicatessen (estabelecimento que comercializa alimentos e bebidas de alta qualidade, de paladar diferenciado e sofisticado, em ambiente requintado).

Indignado com a ousadia do tipo, entra e o increpa com dureza. E este, sem descer um grau da sua dignidade, replica: “Não compreendo a ira de Vossa Senhoria. Advoga então Vossa Senhoria que não posso comer caviar quando não tenho dinheiro e quando tenho dinheiro tampouco posso comer caviar?”.

José Saramago, prêmio Nobel de Literatura (1998), dizia:

Alguns podem até estranhar a relação do judeu com o único prêmio Nobel do meu idioma materno. Concordo, mas meu pensamento é livre”. (José Saramago, In: as Palavras de Saramago, registradas no livro Organização e Seleção de Fernando Gómez Aguilera, Companhia das Letras, 2010, p. 343).

Registra em seguida Saramago o seguinte conceito nas rádios e canais de televisão (não havia ainda os tais de meios de comunicação social): “Cada vez mais, somos meros atores de livros e contribuímos cada vez menos para a formação de uma consciência.

Como estamos em pleno estado de pandemia mundial será que existe mesmo um humor judaico? Sim, ele existe e faz graça da própria desgraça.

A técnica foi aperfeiçoada por anos e anos de perseguições, tendo nascido no século XIX, nos shtetls, palavra em iídiche – língua falada pelos judeus da Europa Oriental  – que designava os miseráveis povoados, vilas ou aldeias daquela região, aonde se lhes permitia morar. O shtetl surgiu como resultado de dois processos intimamente relacionados: primeiro, a exclusão social dos judeus e a permissão de sua permanência apenas em determinadas áreas (conhecidas como Zonas de Residências Judaicas), como parte da restrição dos seus direitos, como o de circulação nas cidades, o de exercer cargos no governo e a posse de campos de cultivo. Desse modo, eles foram concentrados, discriminados e forçados a passar por grave pauperização. Esta situação foi criada pelo ‘czar’ Nicolau I (1796-18 55), e mantida pelos ‘czares’, Alexandre II, Alexandre III e Nicolau II (1868-1918), o último ‘czar’ que imperou na Rússia.

Vale salientar que o confinamento dos judeus nas Zonas de Residências Judaicas facilitou a política nazista da chamada Solução Final da Questão Judaica (Endlösung der Judenfrag), que culminou com o Holocausto; segundo, os judeus, assim como outros povos discriminados, se voltaram para suas crenças ancestrais, endogâmicas e fechadas em relação à maioria da população dos países onde habitavam. Além disso, para conservar o equilíbrio mental, bem como as defesas psicossociais, eles criaram o “humorismo da desgraça”, passando a produzir humor sobre a situação em que viviam. O denominado humor judaico foi (e continua sendo) adubado pela estranha parceria sadomasoquista entre torturador e torturado. Quem pesquisar o caráter desse humor de forma mais aprofundada não poderá negar que ele representa uma tentativa (embora frustrada) de angariar muitas gargalhadas à custa da própria dignidade humana. É interessante observar que tal espírito judaico, surgido originalmente nos shtetls da Europa Oriental, migrou para os Estados Unidos, levado por levas de judeus escorraçados de seus países de origem e se adaptou à cultura e à língua americana do Norte.

E esses imigrantes se inspiraram na vida dura e cruel que seus antepassados tiveram, ao habitar nas remotas aldeias da Polônia, da Rússia e adjacências. Creio que a ansiedade foi se tornando crescente, na tentativa de se adaptarem ao modelo de referência da maioria da população da nova Pátria, e o humor foi se tornando mais corriqueiro, masoquista, autodepreciativo e autocrítico.

Imaginem se isso ocorresse aqui no Brasil, aonde a fome é endêmica e as pessoas que tem na pele alguma quantidade do pigmento melanina são os mais vulneráveis ao ataque do vírus denominado covid-19. A mortalidade entre os pobres é bem maior, mesmo se no início os primeiros casos tenham ocorrido nas classes mais privilegiadas e com menor teor de melanina, que viajam, seja qual o motivo, para fora do país. A melanina, não custa nada lembrar e poupar algum raro leitor que chegou até aqui, é uma substância derivada do aminoácido tirosina que contribui para a pigmentação de determinadas partes do corpo: pele, cabelos, olhos.

O perigo da sobrevivência da Humanidade não está nas armas ou nas honrarias, mas no coração dos Homens, que deve enfrentar agressões, fanatismo, prepotências, excessos de zelos ou a incapacidade de imaginar, de sonhar, de ouvir ou de rir de nós mesmos, além da ação de preconceitos das mais diversas matizes.

Como psicoterapeuta afirmo:

“Sem humor não existe psicoterapia”.

(*) Professor Titular da Pediatria da Universidade de Pernambuco. Psicoterapeuta. Membro da Sobrames/PE, da União Brasileira de Escritores (UBE), da Academia Brasileira de Escritores Médicos (ABRAMES) e da Academia Recifense de Letras. Consultante Honorário da Universidade de Oxford (Grã-Bretanha).

quarta-feira, 13 de maio de 2020

Há 59 anos começava o julgamento de Adolf Eichmann, um dos monstros do Terceiro Reich

Adolf Eichmann em Israel - Wikimedia Commons
Por Bruno Leuzinger
Neste dia (15/05), em 1961, um dos nazistas mais procurados do mundo era julgado em Jerusalém, após uma operação intensa
Na noite de 11 de maio de 1960, o ônibus que trazia Ricardo Klement do trabalho atrasou um pouco. Ele saltou no ponto de sempre, bem perto de sua casa, onde Vera e os meninos o esperavam. A região era meio deserta e afastada do centro, mas ele apreciava o isolamento. Dobrando a esquina, viu uma limusine preta parada, com o capô levantado. Do lado de fora, um homem checava o motor. Quando Klement passou, foi interrompido bruscamente: "Momentito!", disse o desconhecido, em um arremedo de espanhol.
Era obviamente estrangeiro. Klement hesitou, e o estranho pulou em cima dele, tentando segurar seus braços. Ele gritou, se debateu e os dois caíram no chão. Logo surgiu um terceiro homem, depois mais outro, que dominaram Klement e o botaram no banco de trás da limusine. O carro partiu em disparada. Então, o motorista virou-se e disse em alemão: "Não se mova e ninguém vai machucá-lo. Mas se resistir, atiramos". Klement ficou em silêncio por alguns segundos. Finalmente, respondeu, também em alemão: "Eu já aceitei o meu destino".
Naquele dia, chegavam ao fim 15 anos de fuga. O homem magro, calvo e míope que trabalhava em uma fábrica da Mercedes-Benz e dizia se chamar Ricardo Klement era, na verdade, um dos criminosos nazistas mais procurados do mundo: Adolf Eichmann. 
"Seu papel principal foi coordenar as atividades práticas da implementação da ‘solução final’", diz Efraim Zuroff, diretor da sucursal de Jerusalém do Simon Wiesenthal Center, dedicado à caça de nazistas.
De seu escritório em Berlim, Eichmann organizava as rotas dos trens que seguiam para os campos de extermínio. Em outras palavras, era ele quem carimbava as passagens de homens e mulheres de origem judaica forçados a partir com destino a lugares cujos nomes ainda hoje provocam calafrios: Auschwitz, Treblinka, Birkenau.
Entre o fim de abril e o começo de maio de 1945, o 3º Reich estava de joelhos e Eichmann viu que era hora de ir embora. Antes de partir, deu à mulher Vera quatro cápsulas de veneno, para ela e cada um de seus três filhos, Klaus, Horst Adolf e Dieter Helmut. "Se os russos vierem, mordam as cápsulas. Se forem americanos ou britânicos, não precisa", disse. Em Ulm, no sul da Alemanha, topou com um pelotão americano e foi levado para um campo de prisioneiros. Eichmann afirmou ser Adolf Barth, cabo da Força Aérea alemã. Foi transferido de campo várias vezes e sempre adotava um nome diferente. Após meses, conseguiu escapar com documentos que o identificavam como Otto Heninger. Ele acabaria em uma localidade rural chamada Eversen. Lá viveu alguns anos tranquilo, criando galinhas.
Crédito: Wikimedia Commons
A Alemanha tornou-se pequena demais para Eichmann, e em 1950 ele decidiu deixar o país. Atravessando os Alpes, chegou à Áustria e depois à Itália. Lá, encontrou a mesma rede de proteção que já havia permitido a outros criminosos nazistas escapar. Em nome da "ajuda humanitária", a Igreja Católica oferecia abrigo em casas seguras, e a Cruz Vermelha fornecia documentos.

Eichmann foi acolhido por uma comunidade franciscana enquanto aguardava o momento de partir. No dia 14 de junho de 1950, o consulado argentino em Gênova lhe concedeu um visto de entrada. De seu próprio bolso ele pagou uma passagem de segunda classe no navio Giovanna C. e, em 14 de julho, desembarcou em Buenos Aires. Era o início de uma nova vida.
A caçada
Zvi Aharoni chegou a Buenos Aires em 1º de março de 1960. Sua missão: identificar e preparar a captura de Adolf Eichmann. Viajando com nome falso e passaporte diplomático, Aharoni era agente do Mossad, o serviço secreto de Israel. A primeira pista sobre o paradeiro de Eichmann surgira em 1957, por meio de Lothar Hermann, um descendente de judeus cujos pais foram mortos pelos nazistas. Ele morara em Buenos Aires e sua filha Sylvia ficara amiga de um rapaz chamado Klaus Eichmann.
O jovem visitara sua casa e, sem saber da ascendência da família, declarou ser "uma pena que Hitler tenha sido impedido de alcançar seu objetivo". Klaus dizia que seu pai havia sido oficial do Exército alemão e se recusava a dar seu endereço a Sylvia, mas ela acabou descobrindo com uma amiga: rua Chacabuco, 4 261.
A história foi tratada com desconfiança pelo diretor do Mossad, Isser Harel, e, durante quase três anos, o serviço secreto pouco fez para apurar sua veracidade. Mas novas informações levavam a crer que Eichmann estaria vivendo em Buenos Aires sob o nome de Ricardo Klement. Sua mulher e filhos teriam ido ao seu encontro, e os três rapazes continuaram usando o sobrenome do pai.
A Argentina já era conhecida por abrigar criminosos de guerra. "O governo os protegia, dava emprego e documentos e negava pedidos de extradição", afirma o jornalista e historiador argentino Jorge Camarasa, autor de Odessa al Sur - La Argentina como Refugio de Nazis y Criminales de Guerra (Odessa ao Sul - A Argentina como Refúgio de Nazistas e Criminosos de Guerra) e Los Nazis en la Argentina (Os Nazistas na Argentina), inéditos no Brasil.
Aharoni também escreveu um livro com o jornalista alemão Wilhelm Dietl, intitulado Operation Eichmann - Pursuit and Capture (Operação Eichmann - Perseguição e Captura, inédito em português). Na obra, explica que, naquela época, qualquer embaixada israelense dispunha de um número de telefone que podia ser usado para contatar voluntários judeus dispostos a ajudar em um trabalho ou investigação, e o mais importante: sem fazer perguntas.
Um funcionário da embaixada colocou uma relação de voluntários à sua disposição e na companhia de um deles, Roberto (os nomes são fictícios), Aharoni dirigiu até a rua Chacabuco. Com o pretexto de entregar um carta para Ricardo Klement, Roberto foi ao prédio e descobriu que o apartamento do térreo estava vazio, sendo pintado. Se ele tinha morado ali, já havia se mudado.
Crédito: Wikimedia Commons
Em março, no entanto, ele conseguiu uma pista. Numa oficina mecânica perto da rua Chacabuco trabalhava o jovem com sotaque alemão identificado como Dito. Eles desconfiaram que era Dieter, filho mais novo de Eichmann. Nos dias seguintes, Aharoni seguiu-o depois do trabalho até a rua Garibaldi, em uma área meio abandonada, sem água encanada ou energia elétrica. Mas era preciso confirmar se Dito era mesmo Dieter. No dia 12, Aharoni ordenou que o voluntário Juan o procurasse na oficina. Juan voltou com a notícia: "Tenho más notícias. Nós estamos seguindo o homem errado. O sobrenome de Dito não é Klement. É Eichmann". Aharoni precisou disfarçar a empolgação.

Mas faltava achar Adolf Eichmann. Aharoni o viu pela primeira vez em 19 de março. Passando de carro em frente à casa, observou um homem de meia-idade, magro e calvo, que recolhia a roupa do varal. Perto dele, uma criança de cerca de 5 anos (Ricardo Francisco, filho de Klement e Vera, nascido na Argentina). Era ele, com certeza.
A armadilha
Em 24 de abril, começaram a chegar a Buenos Aires os agentes do Mossad que participariam da segunda etapa da Operação Eichmann: a captura e traslado para Israel. 
Além de Aharoni, agora identificado como um executivo alemão, vieram Avraham Shalom, Yaakov Gat e Efraim Ilani.
Em outra leva, para não chamar a atenção, desembarcaram Yitzhak Nesher, Zeev Keren (responsáveis por alugar as casas que seriam usadas de esconderijo e os carros para o sequestro), Zvi Malchin (um homem forte, a quem caberia a missão de segurar Eichmann), o chefe da missão Rafi Eitan, o diretor do Mossad, Isser Harel, mais o médico, identificado apenas como "Doutor", encarregado de manter o prisioneiro saudável. Por último, chegou Shalom Dany, perito em documentos falsos.
Eles alugaram duas casas que serviriam como opções de esconderijo e o agente Keren construiu numa delas um pequeno quarto com uma porta secreta onde o prisioneiro ficaria em caso de visitas inesperadas. Eles compraram dois carros, uma limusine Buick preta e um Chevrolet. Ambos foram levados ao mecânico para uma revisão completa. Decidiu-se que Aharoni, que conhecia melhor a cidade, dirigiria a limusine - o carro onde Eichmann seria colocado. 
O alvo da operação continuava sob constante vigilância. Os agentes descobriram que todo dia ele descia do ônibus vindo do trabalho às 19h40, hora em que a rua costumava estar vazia. Seria o momento certo de atacar. Faltava só combinar a data. A ideia era que o intervalo entre o sequestro e a fuga fosse o menor possível; quanto mais tempo mantendo Eichmann prisioneiro em Buenos Aires, maior a chance de a polícia ser acionada. O transporte para Israel seria no vôo de volta de um avião comercial da El Al que traria o ministro do Exterior israelense Abba Eban para a comemoração dos 150 anos de independência da Argentina. 
De início, o ministro chegaria em 12 de maio, e a aeronave retornaria a Israel no dia seguinte. O sequestro foi marcado para o dia 10. Quando se soube que o avião só chegaria no dia 19, o grupo resolveu adiar a operação por 24 horas. Todos estavam tensos e ansiosos para que tudo acabasse logo.
Quando passou pela limusine, Eichmann foi abordado por Malchin / Crédito: Acervo AH
Em 11 de maio, na hora combinada, 19h25, Aharoni estacionou a limusine na rua Garibaldi. Malchin e Keren saíram do carro e o segundo se escondeu atrás do capô. Rafi Eitan ficou deitado no banco de trás. O Chevrolet, com Avraham, Yaakov Gat e o Doutor, parou um pouco mais longe. Se durante a fuga acontecesse algum acidente ou qualquer problema com a limusine, os agentes e o prisioneiro seriam levados para o Chevrolet. O relógio deu 19h40, mas nada de Eichmann . 

O combinado era esperar até 20h. Cinco minutos depois das 20h, Avraham saiu do carro e vinha em direção à limusine, quando um ônibus parou no ponto e um homem saltou. Avraham correu de volta para o Chevrolet e acendeu os faróis. Era Eichmann. 

Aharoni o observava com os binóculos quando ele pôs a mão esquerda no bolso. Seria uma arma? Com um sussurro, alertou Malchin: "Ele está com a mão no bolso. Cuidado, pode ser um revólver". Aharoni ligou o motor do carro. Três segundos depois, Eichmann passou ao lado de sua janela e foi barrado por Malchin: "Momentito!"
O sequestro
Eichmann não estava armado - nem os agentes. A limusine seguiu pela rua Avellaneda por 800 metros e, então, parou para que Zeev Keren descesse e trocasse rapidamente as placas do carro. Em vez das chapas comuns, agora eles tinham novas, azuis, de carro diplomático, para combinar com documentos falsos de diplomata austríaco que Aharoni levava. O prisioneiro estava deitado no chão, com um cobertor em cima. Chegaram finalmente na casa. O carro estacionou na garagem e os ocupantes entraram pela porta que dava acesso direto à cozinha.
Desarmado, foi colocado no banco de trás do carro / Crédito: Acervo AH
Vendado com óculos de motociclista cobertos com fita adesiva, Eichmann foi levado até o segundo andar, onde um quarto tinha sido preparado para ele. No lugar das janelas, colchões tornavam o ambiente à prova de som. Deitaram-no na cama, despiram-no, e o Doutor examinou seu corpo em busca de cápsulas de veneno. Vestiram-no com pijamas e a perna esquerda foi algemada à cama. O interrogatório começou às 21h15. Aharoni fazia as perguntas. Qual era o nome do prisioneiro? "Ricardo Klement".

E como ele se chamava antes? "Otto Heninger". A resposta deixou Aharoni intrigado -ele não sabia que Eichmann adotara identidade de Otto Heninger na Europa. Mas as perguntas seguintes tiveram a resposta esperada. Quando era sua data de nascimento? "19 de março de 1906". Local de nascimento? "Solingen". E qual foi seu primeiro nome? "Adolf Eichmann". Aharoni esticou a mão para cumprimentar Avraham, do outro lado da cama.
Em 20 de maio, o prisioneiro foi avisado de que era hora de partir. Vestido com uma roupa semelhante à da tripulação da El Al (camisa branca e gravata preta), Eichmann foi sedado. A droga o impediria de falar, mas com ajuda poderia se locomover quase normalmente. Partiram às 21h.
Eichmann embarcou usando o uniforme da companhia El Al / Crédito: Acervo AH
O aeroporto estava vazio, não havia outros vôos programados para aquele dia. O carro parou perto do ônibus da companhia - cujos verdadeiros tripulantes não tinham ideia do que se passava. Yaakov e o Doutor, também vestidos como tripulantes da companhia aérea, ajudaram Eichmann a subir a escada e entraram no avião com ele. Para todos os efeitos, eram dois membros da tripulação amparando um colega doente. O Doutor sentou atrás de Eichmann e até a decolagem manteve uma seringa espetada em seu braço.

Aharoni, Isser Harel e o resto da equipe aguardavam a hora de embarcar, mas o tempo foi passando e nada de eles serem liberados. Pouco antes da meia-noite apareceu um funcionário esbaforido pedindo desculpas pelo transtorno. Com todos finalmente a bordo, o avião decolou à 0h04. A aeromoça perguntou se Zvi Aharoni gostaria de alguma coisa para comer. "Não, obrigado. Mas quero um uísque. Duplo." Às 7h20 da manhã de 22 de maio, a aeromoça avisou: senhoras e senhores, estamos entrando em espaço aéreo de Israel. Caso encerrado.
O julgamento
"Tenho de informar que forças de segurança israelenses encontraram um dos maiores criminosos nazistas, Adolf Eichmann, que, junto com outros líderes nazistas, é responsável pelo que eles denominaram de "a solução final"da questão judaica, em outras palavras, o extermínio de 6 milhões de judeus europeus. Adolf Eichmann já está preso neste país e será em breve levado a julgamento de acordo com a lei de 1950 que pune nazistas e seus colaboradores." Foi assim que o primeiro-ministro israelense David Ben Gurion se dirigiu ao Parlamento e ao povo de seu país no dia 23 de maio de 1960. A notícia do sequestro caiu como uma bomba. A Argentina protestou contra a quebra de sua soberania e exigiu Eichmann de volta. 
O governo não aceitou o pedido de desculpas de Israel e, em junho, levou o caso ao Conselho de Segurança da ONU. Em agosto, porém, os ânimos esfriaram e os dois países divulgaram um comunicado conjunto expressando "simpatia mútua". Eichmann foi apresentado à Corte Distrital de Jerusalém em 11 de abril de 1961 acusado de crimes contra o povo judeu e contra a humanidade. Protegido em uma cabine de vidro à prova de bala, o réu declarou-se inocente das acusações. 
O julgamento produziu o best seller Eichmann em Jerusalém - Um Relato sobre a Banalidade do Mal, da filósofa judia alemã Hannah Arendt. Incumbida pela revista americana The New Yorker de fazer a cobertura do processo, Hannah traçou o perfil de um burocrata incapaz de admitir sua parte de culpa no holocausto. "Com o assassinato dos judeus não tive nada a ver. Nunca matei um judeu. Nunca matei um ser humano", disse Eichmann, segundo ela. "Ele parecia acreditar que, atrás da escrivaninha, suas mãos estariam limpas."
Foto mostra Eichmann em sua cela, em 1961 / Crédito: Getty Images
Em 15 de dezembro, a corte deu o veredicto e a sentença: morte por enforcamento. Na noite de 31 de maio de 1962, Eichmann estava calmo. Chegou a pedir uma taça de vinho e recusou o capuz que o carrasco lhe ofereceu. Em seu livro, Aharoni cita o jornalista Rudolf Küstermeyer, que testemunhou a execução e reproduziu suas últimas palavras, poucos minutos antes da meia-noite, já de pé no cadafalso: "Longa vida à Alemanha. Longa vida à Áustria. Longa vida à Argentina. Esses são os três países com os quais tive laços mais próximos. Eu não os esquecerei. Cumprimento minha mulher, filhos e amigos. Foi exigido de mim obedecer às leis da guerra e da minha bandeira. Eu estou preparado". 
Foi a primeira e até hoje única execução na história de Israel. O corpo foi cremado e as cinzas, espalhadas no mar Mediterrâneo, em águas internacionais. Fora, portanto, do território israelense.
Fonte: Aventuras na História /uol/com.br Publicado em 11/04/2020.

quarta-feira, 26 de fevereiro de 2020

RELATOS INÉDITOS SOBRE O NAZISMO CHEGAM A PÚBLICO


Relatos inéditos sobre o nazismo, narrados num diário pela jovem polonesa Renia Spiegel, chegam a público. Histórias do horror que a separou da família viraram livro e documentário por AFP.
Apenas um ano depois de seu primeiro beijo, a adolescente judia Renia Spiegel escreveu em seu diário uma oração pedindo a Deus que a deixasse viver. Era junho de 1942. Ela então iria completar 18 anos. Os nazistas alemães acabavam de exterminar todos os judeus de um bairro de sua cidade de Przemysl, no sul da Polônia. Alguns se viram forçados a cavar seu próprio túmulo.
"Para onde quer que se olhe, há sangue. Que 'progroms' tão terríveis. É um massacre, assassinato", escreve ela em 7 de junho. "Deus Todo-Poderoso, pela enésima vez me inclino diante de ti. Ajude-nos, salve-nos! Oh, Deus, nosso Senhor, deixe-nos viver, eu lhe suplico, quero viver!", completa.
Um mês e meio mais tarde, seu namorado, Zygmunt Schwarzer, um judeu com visto de trabalho que lhe permitia se movimentar pela cidade, escondeu-a com os pais dele no sótão de uma casa fora do gueto judeu. Um colaborador os traiu.
Schwarzer, de 19 anos, descreve sua morte em uma assustadora nota acrescentada ao diário: "Três tiros! Três vidas perdidas! Foi ontem à noite às dez e meia... Minha querida Renusia, o último capítulo do seu diário acabou".
Depois da guerra, o jovem recuperou o diário e o entregou à mãe da adolescente assassinada. O objeto passou décadas no cofre de um banco e, agora, quase 80 anos depois, é publicado em todo mundo. Renia Spiegel é conhecida como a "Anne Frank polonesa", em referência à adolescente holandesa vítima do Holocausto e autora de um famoso diário que começou a escrever quando tinha 13 anos.
Renia começou o seu em 1939, aos 14 anos. Vivia na casa dos avós. Sua mãe estava em Varsóvia para promover a carreira cinematográfica de sua irmã caçula Ariana, apelidada de "Shirley Temple polonesa". A adolescente escreveu cerca de 660 páginas em vários cadernos. Conta o quanto sentia falta da mãe e que gostava do jovem Schwarzer de olhos verdes. Também compõe poemas e inclui parágrafos sobre a ocupação soviética e nazista de sua cidade. Ela encerra cada volume da mesma maneira: pedindo ajuda à sua mãe e a Deus, como se fosse um mantra.
No início da guerra, sua irmã Ariana ficou bloqueada em Przemysl, onde passou o verão de 1939 na casa dos avós. Salvou-se graças ao pai de sua melhor amiga, que a levou de trem para Varsóvia. "Um bom cristão me salvou a vida. Arriscou-se à pena de morte, me levando, como sua filha, para a casa da minha mãe", declarou à AFP em Varsóvia a agora senhora de 88 anos que vive em Nova York.
Ela foi então batizada e passou a se chamar Elizabeth. Um oficial alemão, apaixonado por sua mãe, enviou as duas para um lugar seguro na Áustria. Depois da guerra, ambas emigraram para os Estados Unidos. Schwarzer também sobreviveu, apesar ter sido enviado para o campo de extermínio de Auschwitz. Conta-se que o infame médico e criminoso de guerra Josef Mengele o escolheu para que lhe permitissem viver.
No início dos anos 1950, Schwarzer encontrou a mãe de Renia em Nova York e lhe entregou o diário. "Estava abalada. Nunca fui capaz de lê-lo", relata sua irmã, agora chamada Elizabeth Bellak. E, mesmo hoje, conseguiu ler apenas alguns trechos, porque é "dilacerante demais". Finalmente, foi sua filha que tirou o diário do cofre.
"Eu me chamo Alexandra Renata (Bellak). Meu nome se deve a esta pessoa misteriosa que nunca conheci... Sentia curiosidade por conhecer o passado", explica à AFP a filha de Elizabeth, uma agente imobiliária de 49 anos. As duas mulheres entraram em contato com o diretor de cinema Tomasz Magierski, que aceitou, inicialmente por educação, olhar o diário.
"Não fui capaz de me soltar dele. Eu o li provavelmente em quatro, ou cinco, noites... Me acostumei com sua forma de escrever e, para ser sincero, me apaixonei por ele, por Renia", disse. "O triste deste diário é que... você sabe como termina. Mas, quando você lê, espera que o final seja diferente", lamentou.
Os poemas o impressionaram. Em um deles, sobre um soldado alemã, Renia Spiegel mostra empatia. "Amaldiçoo milhares e milhões/ Mas por um, ferido, choro".
Magierski fez um documentário sobre as duas irmãs intitulado Os sonhos destruídos (em tradução livre) e, em colaboração com os Bellak, conseguiu que o diário fosse publicado na Polônia pela Fundação Renia Spiegel. Em setembro, os três assistiram à estreia em Varsóvia. Elizabeth chorou ao ouvir uma atriz cantar um poema de sua irmã.
"Nacionalismo, populismo, antissemitismo. Todos esses 'ismos' voltam. E nós não queremos que a morte de milhões de pessoas volte a se repetir", reflete ela. "Sabe que algumas pessoas nunca acreditaram no que aconteceu? Eu estava lá. Posso afirmar que aconteceu". (AFP)

Fonte: O Povo, 5/10/19 Vida & Arte, p3.

quarta-feira, 5 de fevereiro de 2020

"Última Parada: Auschwitz", do médico e sobrevivente Eddy de Wind, chega ao Brasil


Por Agência Estado
Livro de Eddy de Wind foi editado pela primeira vez em 1946.O livro foi escrito de dentro do mais tenebroso campo de concentração da Polônia.
É como sua mãe costumava dizer: Auschwitz esteve sempre à mesa com a família. Assim, não houve uma primeira vez que Melcher de Wind ouviu falar no livro de seu pai ou nas atrocidades sofridas por ele no campo de concentração nazista na Polônia, onde milhares de judeus morreram e de onde ele saiu para sempre ferido, mas vivo.
Melcher só soube da importância do livrinho guardado no armário quando a família decidiu emprestar o caderno original e o volume que ele publicou por uma pequena editora um ano depois de sua volta à Holanda, em 1946, para uma exposição em Madri dois anos atrás. Uma editora o abordou perguntando como ninguém conhecia aquele livro e destacando seu ineditismo: era o único escrito dentro de Auschwitz.
Eddy de Wind (1916-1987) escreveu sua história - não em primeira pessoa, porque seria impossível, mas por meio da saga do dr. Hans - dentro de Auschwitz, sim, sob os efeitos do que tinha vivido em quase dois anos. Era janeiro de 1945 e, com a aproximação do Exército Vermelho, os nazistas começavam a debandar e tentavam apagar seus rastros. Eddy não se juntou à Marcha da Morte. Em vez disso, se escondeu com alguns prisioneiros políticos, comunistas espanhóis, de quem se aproximara por terem vivido no mesmo bloco - Eddy foi médico e enfermeiro lá.
Quando a SS já estava longe o suficiente, ele começou a vagar pelo campo e encontrou muitos doentes, que ele tentou, em vão, ajudar. O cenário era desolador e a ideia de que sua mulher Friedel, com quem se casou no campo de Westerbork, estaria morta, desesperadora. Sem poder fazer nada por aquelas pessoas, voltou a vagar, procurando uma razão para continuar vivo. Viu uma torre alta no meio do caminho e foi impelido a subir, e a pular. Foi por muito pouco. Olhando o horizonte, ele se lembrou de uma senhora dizendo que ele tinha que sobreviver para contar o que tinha se passado ali, para provar que era tudo verdade. E foi neste momento que sua nova história começou.
Eddy desceu e foi direto para um depósito da SS. Encontrou cadernos velhos - eles usavam muitos cadernos, anotavam tudo - e lápis e começou a escrever. Cerca de dois dias depois os russos chegaram, ele se tornou membro do Exército Vermelho e começou a cuidar dos feridos. Trabalhava como médico de dia e escrevia seu livro à noite. Isso durou cerca de oito semanas.
O médico ficou três meses em Auschwitz depois da libertação, em 27 de janeiro, do campo. Nos cinco meses seguintes, seguiu com os russos pelo leste europeu até que decidiu começar a voltar para a Holanda.
Um ano depois, Última Parada Auschwitz era publicado por uma pequena editora comunista e não teve repercussão porque ninguém queria ouvir e relembrar as histórias. A obra teve outra edição nos anos 1980, também sem sucesso. E então está tendo uma nova chance, mais de 30 anos depois da morte do médico judeu, que, aos 26, se voluntariou para trabalhar no campo de Westerbork achando que isso pouparia sua mãe, o que não aconteceu, que sobreviveu não se sabe como e que se especializou em psiquiatria e se tornou um psicanalista especializado em trauma de guerra - um trauma do qual ele nunca se curou.
Pois entre janeiro e dezembro do ano passado, os direitos de Última Parada Auschwitz: Meu Diário de Sobrevivência foram vendidos para 25 línguas diferentes, com previsão de lançamento em dezenas de países. O título chegou às livrarias brasileiras pela Planeta no último dia 28/1/20.
"Isso é inacreditável porque o livro sempre esteve ali. Este livro é muito mais do que uma história sobre o terror de Auschwitz: ele ajuda as pessoas a entender o que o terror e a intolerância podem provocar. Mas ele também ajuda a entender que mesmo nessas circunstâncias há sempre esperança e solidariedade - e que é isso o que nos mantém vivos e seguindo em frente", diz Melcher.
O historiador diz que este livro que salvou a vida do pai está ajudando também ele e seus irmãos. "Meu pai foi uma pessoa psicologicamente doente e foi muito difícil para nós, mas ele também foi uma pessoa muito doce e amável. Essa é uma história triste para a família e ver que ela está indo para o mundo todo e levando conforto para outras pessoas nos ajuda também".
A sombra de Auschwitz nunca se dissipou para Eddy de Wind, que morreu aos 71 em decorrência de enfarte. As últimas horas no hospital, lamenta o filho, foram muito tristes: ele estava de volta ao campo de concentração. "Coisas terríveis estão acontecendo no mundo hoje. E a única coisa que podemos fazer por nós mesmos é estar atento, ler e compreender como se manter humano em tempos de horror e desespero. O livro ajuda nisso", finaliza. (Agência Estado)

Fonte: O Povo, 1/2/20. Vida e Arte p.3.

segunda-feira, 27 de janeiro de 2020

Há exatos 75 anos, o exército vermelho libertava o campo de concentração de Auschwitz

REDAÇÃO AH Publicado em 27/01/2020, às 6h
Em um cenário desesperador, os soldados evacuaram o maior campo de concentração nazista. Cerca de 1,5 milhão de pessoas morreram no local
No final da guerra, prevendo a vitória dos aliados, os alemães começaram a destruir crematórios e documentos enquanto evacuavam os prisioneiros de Auschwitz. Os que não conseguiam andar foram deixados lá e liberados pelo Exército Vermelho em 27 de janeiro de 1945. Lá, cerca de 1,5 milhão de pessoas morreram, a maioria em câmaras de gás.
Arbeit machr frei ("O trabalho liberta", em português). Era essa a inscrição na entrada do maior campo de concentração nazista. Erguido em 1940 nos subúrbios da cidade de Oswiecim, na Polônia, ele tinha três partes: Auschwitz I, a mais antiga; Auschwitz II-Birkenau, que reunia o aparato de extermínio; e Auschwitz III-Buna, com cerca de 40 subcampos de trabalho forçado.
As primeiras vítimas do nazismo foram poloneses, seguidos de soviéticos, ciganos e prisioneiros de guerra. Em 1942, o campo voltou-se para a destruição em massa dos judeus. Os presos eram obrigados a usar insígnias nos uniformes conforme a categoria – motivo político era um triângulo vermelho; homossexual, um rosa. Muitos foram usados em experimentos médicos.
Fornos de Hitler
Entre as muitas vítimas estava Olga Lengyel. Uma judia que vivia com o marido e os filhos na cidade de Cluj, capital da Transilvânia. Ao ouvirem relatos sobre as atrocidades cometidas pelos nazistas em terras ocupadas, não acreditaram que isso poderia se tornar um pesadelo real. 
Em 1944, o seu marido, que era médico, seria deportado para a Alemanha. Ela acreditava que o companheiro poderia ser enviado para suprir a falta de médicos, e assim optou por segui-lo com os filhos. Contudo, era uma emboscada. O destino final da família seria Auschwitz. No local, Olga perdeu a sua família. Entretanto, sobreviveu para contar a sua trajetória. Em Os Fornos de Hitler, Olga detalhou um dos primeiros relatos sobre o horror dos campos de extermínio nazistas. 
"(...) Os alemães deixavam vivos alguns milhares de deportados de cada vez, mas apenas para facilitar o extermínio de milhões de outros. Faziam tais vítimas executar seu trabalho sujo. Elas faziam parte do sonderkommando. Trezentas ou quatrocentas serviam em cada forno do crematório. Seu dever consistia em empurrar os condenados para dentro das câmaras de gás e, depois que o assassinato em massa tivesse sido cometido, abrir as portas e transportar os cadáveres."
Hoje, Auschwitz é um museu que preserva a memória do maior genocídio da História.
Conheça a dura rotina no campo de concentração.
Seleção dos "capazes"
Os prisioneiros chegam em trens de gado e são selecionados por médicos. Os aptos ao trabalho entram numa fila e são tatuados com um número de registro. Velhos, doentes, grávidas, crianças e a maioria dos judeus vão para outra fila, direto para a câmara de gás. Os capazes tomam banho de desinfecção (contra tifo), raspam o cabelo e deixam seus pertences.

Trabalho escravo

Os presos trabalham pelo menos 11 horas por dia para impulsionar a máquina de guerra alemã. Constroem prédios do campo de concentração e estradas e produzem carvão, borracha sintética, produtos químicos, armas e combustíveis em indústrias como a Krupp e a IG Farben. Embora não haja números oficiais, vários morreram de cansaço durante as obras.
Pão e sopa no almoço


A cozinha do campo prepara rações de comida três vezes ao dia, que em geral incluem um pedaço de pão, café e sopa de batata. Quem faz pouco esforço físico recebe cerca de 1300 calorias diárias. Os que trabalham pesado ingerem 1700 calorias. Após algumas semanas, essa dieta de fome leva à exaustão, deterioração do corpo e até morte.

Entre ratos

Em Auschwitz I, cerca de 20 mil presos dormem em pavilhões de tijolo. Os treliches são em número insuficiente, e um preso dorme sobre o outro. Não há banheiro nem calefação – mesmo com temperaturas abaixo de zero. Em Birkenau, os alojamentos são blocos de madeira e tijolos feitos sobre o solo úmido. Cerca de 700 pessoas ocupam cada um.

Espera congelante

Durante as assembleias de contagem, os presos ficam horas no frio, muitas vezes sem seus uniformes (calça comprida, camisa listrada e boina), esperando os nazistas decidirem quem será mandado à câmara de gás. Intelectuais, políticos e outras pessoas consideradas perigosas são fuzilados no Muro da Morte, nos fundos do bloco 11, ou enforcadas.

Matemática sinistra

Em geral, o destino de 70% dos prisioneiros é a câmara de gás. A maior parte das vítimas é trancada nua em locais fechados – os nazistas diziam que elas iam tomar banho. Dentro deles, uma tubulação expele ácido cianídrico. A morte chega, no máximo, em 10 minutos. Os corpos são depois queimados num dos cinco crematórios – juntos, podem queimar 4765 corpos por dia.

Fonte: Aventuras na História /uol/com.br

 

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