Por Izabel Gurgel (*)
Você jura que a cidade presta. O banho na
água quentinha, gente que mora perto e gente que mora longe na areia e no mar,
um e outro som ligados, nenhum deles lhe obrigando a ouvir o que não quer.
Quase sete da noite e chega gente com e sem
mala e cuia: cooler, como nunca chamamos nossas caixas portáteis de isopor,
comida e bebida. A vida como ela é senta, deita, brinca, conversa, bebe, come,
nada, bóia, faz nada.
Dá pra ir sem provisões. Passa gente
vendendo merenda e tem barraca de água de coco. Viver de brisa, Anarina. Dá pra
ler Manuel Bandeira no livro ou no celular. Falar com quem não se conhece.
Estamos na Praia do Náutico, em Fortaleza,
do lado de cá do espigão. Sem onda. Do outro lado, ocupação similar, com onda.
Domingo passado, deu erro em algo e a
iluminação apagou pelo menos quatro vezes. Tumulto zero. Crianças vibraram.
Alguém lembrou de olhar estrela no céu. Estrelas passeavam em outro pedaço.
Duas lanternas foram acesas em grupos na areia.
Tem outros trechos da beira-mar com gente
em tempo de praia à noite. Talvez tenha em outros pedaços da orla. Conhecemos
tão pouco o lugar onde vivemos, não é?
O banho de mar diurno como lazer é uma
invenção recente. Pouco mais de cem anos. Você conhece imagens de Fortaleza
passeando em noite de lua na então Praia do Peixe, hoje Praia de Iracema?
Já havia o mar como terapêutica. Banhos
medicinais. Sabedoria que nos antecede, qualquer que seja nossa geração hoje.
Vi em Canoa Quebrada mãe mergulhar recém-nascido gripado nas piscininhas. Como
o riso, o banho de mar é expectorante.
Pensei em praças assim nas muitas
experiências de cidade que Fortaleza abriga, abraça e também repele, hostiliza.
Vazios pra gente fruir do silêncio e da brisa. E deixar viver o que é vivo. Não
comprometer a vida de ser algum. Nem as oiças.
Na areia da praia, ouvimos o mar, que se
tornou inaudível na cidade. Estampa de calendário, muda, muda.
Não se escuta a conversa do vizinho, como
nos restaurantes de besta da cidade, que fala alto como quem reza gritando,
pensando que Deus está fora, longe, e desatento.
Não tem sol para se estoporar de calor nem
ar condicionado de função desvirtuada, temperatura polar, para dizer da
distinção social e não tornar o ambiente confortável. Ô nois besta, espécie
estragadora de coisa boa.
Banho de mar à noite não é programa de fim
de semana. É bem parecido com a vida. Tem todo dia.
Não dá para parar e descer do mundo. Vamos
descer até a praia. As cidades de rio, riam-se.
Há muito choro contido na vida hoje, em
tudo que é lugar. Não existe fora nem longe. Talvez estejamos sem prestar
atenção.
Por mais banhos públicos. A alegria das
crianças na praia é a prova dos 9.
(*) Jornalista de O Povo.
Fonte: Publicado In: O Povo, de 22/06/25. Vida & Arte, p.2.
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