Por Hélio Leitão (*)
Durante os anos sombrios da ditadura
militar, a diocese de Crateús, à frente Dom Antônio Batista Fragoso, seu
primeiro Bispo, tornou-se um bastião de resistência democrática, símbolo de
comprometimento com as causas populares. Profundamente identificado com as
linhas teológicas e pastorais traçadas pelo Concílio Vaticano II, Dom Fragoso,
ao lado de Dom Helder Câmara e outros Bispos, foi subscritor do Pacto das
Catacumbas de Domitila, documento firmado em 16 de novembro de 1965, em que
selam o compromisso com os ideais de justiça social próprios da
chamada Teologia da Libertação. Um movimento que buscava reposicionar a ação da
igreja católica diante das injustiças do mundo, deste mundo, e que a cada dia
ganhava mais força, sobretudo na América Latina.
Nada mais previsível naquele então que a
ação repressora do regime dos generais se abatesse sobre a igreja de Dom
Fragoso, que, com sua "opção preferencial pelos pobres", cerrava
fileiras com os trabalhadores do campo, historicamente explorados pelos grandes
latifundiários, na sua luta pela terra e por condições dignas de trabalho.
Vários os padres da diocese de Crateús,
militantes da igreja popular, que foram vítimas do acosso dos militares. Um
houve, falecido no último dia 3, cuja história - ou pelo menos uma pequena
parte dela, quero contar.
Geraldo Oliveira Lima, o padre Geraldinho,
era cria de Dom Fragoso, por ele ordenado. O homem atuava fortemente junto às
Comunidades Eclesiais de Base e sindicatos rurais. Viu-se preso em pleno
aeroporto da cidade de Natal, sob a bizarra acusação de subversão, afinal os
espiões da ditadura haviam descoberto ter ele servido de portador, quando
voltava de um encontro da Pastoral Rural em Recife, de exemplares de "O
Círculo" - pequeno jornal, na verdade pouco mais que um boletim, de aberta
oposição ao regime, que deveriam ser entregues a um outro padre, o francês
Daniel Jouffre. Esse o seu crime. Era o dia 28 de junho de 1971.
Barbaramente torturado, submetido a toda
sorte de sevícias e humilhações, padre Geraldinho foi condenado a um ano de
prisão, vindo a ser absolvido em segundo julgamento. Tudo somado, amargou dez
meses de cadeia, experiência que lhe deixou marcas profundas na alma.
Após a morte de Dom Fragoso e o novo
redirecionamento da orientação pastoral da diocese, padre Geraldinho perdeu o
gosto pelo sacerdócio, vindo a largar a batina. Passou a dedicar-se de corpo e
alma à cultura, à memória e à história dos Sertões de Crateús. Deixou um museu
e vários livros publicados. De sua autoria tenho "A marcha da coluna
Miguel Costa - Prestes no Ceará", que ainda não li. Este artigo sai à sua
memória.
(*) Advogado.
Ex-presidente da OAB-CE.
Fonte: Publicado In: O Povo, de 11/09/25. Opinião, p.19.
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