Por Padre Geovane Saraiva *
Bendito seja Deus que amou tanto o mundo que nos deu o seu Filho
unigênito (cf. Jo 3,16); que também nos deu um bispo, um pastor, um teólogo e
um Cardeal exemplar como Dom Aloísio Lorscheider, filho de José Aloysio
Lorscheider e de Verônica Gerhard Lorscheider, nascido em Linha Geraldo,
município de Estrela, no estado do Rio Grande do Sul, em 08 de outubro de 1924.
Foi um ser humano extraordinário, que a partir do projeto de Deus, soube
compreender nossa realidade em toda sua conjuntura, por isso se posicionava
sempre de maneira clara e bem definida, fazendo profundas análises e conclusões
teológicas pastorais, o que passava para as pessoas de boa vontade, um clima que
favorecia e gerava uma confiança generalizada. De acordo com Dom Edmilson da
Cruz: “É este dom Aloísio que o Ceará guarda no coração como uma imagem de
Nosso Senhor Jesus Cristo, uma presença viva de São Francisco de Assis: o
Cardeal Arcebispo, o Mestre, o Amigo dos pobres, o Pastor e o Profeta. Por toda
esta imensa graça do céu que nos foi dada”.
Dom Aloísio, filho de São Francisco de Assis, soube descobrir a
verdadeira face de Deus, na qual refletia-se vividamente o traçado de seus
passos, a partir dessa realidade misteriosa, ao afirmar numa tonalidade poética
e com profunda sabedoria: “Sempre fiquei muito impressionado e atraído pelo
amor quente e apaixonado que São Francisco dedica a Deus. Parece que no beijo
do leproso ele entendeu, como Saulo no caminho de Damasco, a doação total de
Deus a nós em seu Filho Jesus Cristo. Custou a Francisco não só descer do
cavalo fogoso que no momento montava, mas muito mais do cavalo do orgulho e da
vaidade com que ele queria conquistar o título de grande e nobre”.
Foi exatamente a virtude da simplicidade, da humildade, que o
transformou no Cardeal que mais se destacou em todos os Conclaves e Sínodos,
dos quais participou, gerando sempre para o mundo inteiro e, especialmente para
a imprensa, uma grande expectativa ao se manifestar. Sua palavra corajosa e
profética era acolhida por todos como uma boa notícia, como uma dádiva que
descia do céu! Eis que disse o Senador Pedro Simon a respeito de Dom Aloísio:
“[...] sua voz, naturalmente doce, alternava-se quando era preciso confrontar
os vendilhões da justiça, quando todos os jardins da democracia corriam o risco
de ser alvo de bombas atiradas pelos olhares fixos da repressão. Sua voz ecoou
pelos corredores das prisões [...]”.
Esta impoluta figura humana dizia que “[...] Para aprofundar e
anunciar os mistérios da nossa fé é preciso entrar no silêncio de Deus”. Homem
de grande coerência entre ações e palavras, de fato era notadamente visível seu
habitual sorriso nos lábios, que revelavam a doçura e ternura em pessoa que
verdadeiramente era, e se vivo fosse, estaria completando noventa anos neste
dia oito de outubro de 2014. Dom Aloísio Lorscheider, que pela graça de
Deus, fez-se discípulo de São Francisco de Assis em toda sua plenitude, ao
dizer com segurança sobre o pobrezinho de Assis: “Um homem livre, amarrado a
ninguém, levando-o a redescobrir a pureza original das criaturas.
Indubitavelmente, o Cântico das Criaturas expressa esta liberdade interior e
exterior conseguida pelo Santo de Assis. Só uma vida inteiramente aberta a Deus
e ao irmão é capaz de dar à criatura humana o gozo da libertação, que conduz à
liberdade pura e santa com que Deus nos criou”.
Nomeado aos 04/04/1974 pelo Papa Paulo VI arcebispo de Fortaleza
– CE, com a missão de suceder Dom José de Medeiros Delgado, tomou posse em 05
de agosto do mesmo ano. Menos de dois anos depois, aos 24 de abril de 1976
chegou alvissareira notícia de que fora elevado a cardeal Presbítero com título
de São Pedro “in Montorio”, pelo mesmo Romano Pontífice e, como tal, tomou parte
nos dois conclaves, nos quais foram eleitos os papas João Paulo I e João Paulo
II, nesta ordem. Homem profundamente marcado pela mística franciscana, um dom e
presente de Deus, o suficiente para mergulhar no Mistério da Encarnação e da
Paixão do Senhor Jesus Cristo, Dom Aloísio nos revelou o rosto de uma Igreja
verdadeiramente pascal, em seus sentidos mais profundos da liberdade e da
perfeita alegria cristã. Tendo como alicerce a simbologia do manto da paz, da
justiça e da solidariedade, desmanchou montanhas de orgulho e de egoísmo, o que
nos faz pensar que o consumismo, o egoísmo e o individualismo não podem ofuscar
o florescimento da alegre esperança de nossos irmãos e irmãs, ávidos a sempre
mais redescobrir, numa bela e maravilhosa aventura, que Deus é amor.
Dom Aloísio verbalizou com todas as letras, no IV Encontro
Regional do Clero do Nordeste sua experiência: “Assim deve ser nossa prática
pastoral: encarnada na vida do povo, quenótica, esvaziada de si mesmo, entregue
nas mãos de Deus e do povo simples, sem temer as tensões, aprendendo a conviver
com os conflitos, crescendo na fé”. Para encerrar esta reflexão cito mais uma
vez seu grande e fiel amigo, Dom Edmilson da Cruz, nascido cinco dias antes:
“Nele o permanente era o trabalho às vezes prolongado noite adentro, o
atendimento às pessoas, sempre atencioso e amigo, a reflexão, a redação de
textos e documentos, que novos rumos iam imprimindo às diversas Pastorais,
novas luzes que iluminavam o céu da caminhada em rigorosa fidelidade ao
Evangelho e à melhor tradição da Santa Igreja”. Após uma vida inteiramente
devotada por amor ao Cristo, revelada para ele na face dos menos favorecidos, o
Cardeal Lorscheider, aos 23 de dezembro de 2007, no Hospital São Francisco, em
Porto Alegre, no qual estava internado havia quase um mês, parte para o seio do
Pai. Assim seja!
* Padre da Arquidiocese de Fortaleza, escritor, colunista,
blogueiro, membro da Academia Metropolitana de Letras de Fortaleza, da Academia
de Letras dos Municípios do Estado Ceará (ALMECE) e Vice-Presidente da
Previdência Sacerdotal - Pároco de Santo Afonso - geovanesaraiva@gmail.com
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