Por Ricardo
Alcântara (*)
2002. ‘Agora’
– era dito, prenunciando a vitória – ‘É Lula lá’. ‘Lá’, no imaginário dos
eleitores, era uma cidadela blindada onde representantes das elites econômicas
em nome exclusivo de seus interesses tomavam as decisões que ferravam a
plebe.
Pois bem. Era
o ano de 2002 e Lula chegou lá. E, chegando lá, fez o diabo para que pudesse
fazer também um pouco pelos mais pobres. Se não vendeu a mãe, passou perto.
Abriu mão de muito do que vinha prometendo há mais de vinte anos.
Quando ele
chegou lá, a Reforma Política já estava em pauta. Muitos esperavam que Lula
fosse buscar nas ruas a força necessária para fazê-la por compreender a
Democracia como a principal causa popular: afinal, para mudar, é preciso ter
voz.
Tratava-se de
dotar a democracia brasileira de uma representatividade efetiva: submeter os
partidos a ritos de decisão coletiva e, a seus membros eleitos, fidelidade
programática. E conter a força do interesse privado em suas posições.
Somente assim
a cultura patrimonialista cederia espaço à imposição do interesse comum. Sem
isso, a manifestação da vontade popular só seria percebida quando não ferisse
os privilégios dos donos do poder no Brasil. Raras oportunidades.
Tratava-se e
se trata ainda, como afirma o programa da Rede Sustentabilidade, de
‘democratizar a democracia’. Tirar do conceito nobre de representação popular o
constrangimentos das aspas que colocamos no termo ‘democracia’ brasileira.
Mas a
realidade tem pouco apreço pelas boas intenções. Para vencer uma herança
pesada, Lula adotou medidas conservadoras e, por maioria parlamentar, curvou-se
aos maus costumes. Caso contrário, dizia, a menor vítima seria ele e a maior, o
país.
Quando saiu do
governo, oito anos depois, a Reforma Política continuava ‘lá’, sempre muita
discutida e nunca votada. Era como uma mulher ao mesmo tempo bela e
problemática: todos gostavam dela, mas ninguém queria levar para casa.
Pois saindo do
governo, e compreendendo o preço de sua omissão, Lula disse que, já então livre
das imposições pragmáticas da presidência, se dedicaria a mobilizar a sociedade
por ela. Bem Lula: disse-o logo que saiu e nunca mais tocou no assunto.
A fatura veio
pelas ruas, no ano passado. O governo, ao perceber a mensagem subjacente às
queixas por um Brasil ‘padrão FIFA’, propôs a Constituinte exclusiva sob o
correto saber de que o poder (o congresso, no caso) não muda o poder.
Mas se haveria
que mudar a constituição e a matilha logo percebeu no refluxo das ruas, agora
ocupadas pelo ‘vandalismo’, a boa ocasião para à presidente lembrar quem é que
realmente manda. Como surgiu, a proposta evaporou e aqui estamos.
Domingo,
saberemos se ainda terá o Lulismo uma nova oportunidade para reparar sua
primeira dívida com o país (o aprimoramento da representatividade popular), já
que a segunda dívida (a adesão faminta à corrupção) está na casa do sem jeito.
(*) Jornalista e escritor. Publicado In:
Pauta Livre.
Pauta Livre
é cão
sem dono. Se gostou, passe adiante.
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