O poeta Carlos Drummond de Andrade
não curtia poemas de Natal, e rotulava mesmo como “industrialização” a quase
obrigatoriedade de escrevê-los nesta época. Otacílio Colares – um dos mais
competentes sonetistas cearenses – confessou que “alegria de Natal não dá
margem à Poesia” (“Três Tempos de Poesia”. Editora Henriqueta Galeno,
Fortaleza, 1973). Contudo, o nascimento anual de Cristo acorda e anima emoções
vividas que se esvaem em versos. Aliás, para nós o infante Jesus nasce
diariamente quando acordamos, pois trazêmo-lo no coração. E muito há que
escrevemos (aqui citando um trecho): “o Natal no Nordeste é o ano todo / tem
sempre um menino nascendo / com promessa de eça / ... um brasil linheiro outro
torto / tem sempre um menino morto”.
Amiúde somos instigados a cometer
maiores estrofes em seu louvor ou bem – querença, mas “lutando contra o metro
adverso”, como disse Machado de Assis, não temos logrado natalinizar mais o
pensamento. E assim contradizemos o poeta José Maria Barros de Pinho, cristão
posto que agnóstico, contudo recalcitrante: “No Natal se dizem coisas
diferentes / e a palavra tem sabor de oração”. Pois é, mas aqui estamos a falar
das mesmas coisas, como se estivéssemos orando com fervor maior, deplorando a
morte do Menino embora exultando com Sua ressurreição, aquele menino nosso
cordão umbilical, do eterno condão de sarar males, curar feridas, desvendar
cegos, mover paralíticos e montanhas.
Divino menino que desdenhou a
própria morte, vivendo pouco para não morrer. Natal é tempo de humildade,
tolerância, esperança. Na consoada (refeição na véspera) desta noite, miremos
aquela luz que guiou os três reis magos – Baltazar, Gaspar e Melquior – até a
manjedoura de Cristo nascituro, comemorando sua imortalidade com ouro, incenso
e mirra. Esperemos que Ele nos dê notícia da bem – aventurança dos nossos
ausentes, guarde a saúde dos presentes, e nos abençoe para o porvir. Sejam tais
nossos sentimentos no reveiom (em português é assim como todas as oxítonas
nasaladas; em francês “réveillon”, donde “réveiller” = acordar, despertar). E
amanheçamos olhando o céu. Queira Deus que o santo menino descerre os olhos do
Governo, tire o cerume dos seus ouvidos, e o fel do seu coração. Que nos
apascente os sonhos, iluminando-nos a sina, e a sena. Que nos sejam concedidos
a abolição das nossas dívidas e dúvidas, o perdão dos nossos pecados, e o
pagamento dos nossos precatórios.
Natal é Cristo de novo, e realmente
a água da chuva não é preta como aparentam as nuvens. O pernambucano João
Cabral de Melo Neto – um dos meus gurus em poesia – escreveu assim em “Cartão
de Natal” (Obra Completa – Volume Único. Ed. Nova Aguilar. RJ, 1994): “Pois que
reinaugurando essa criança / pensam os homens / reinaugurar sua vida / começar
novo caderno, / fresco como o pão do dia, / que desta vez não perca esse
caderno / ... /e possa enfim a ferro comer a ferrugem / o sim comer o não.”
(*) Médico, ex-presidente e
atual secretário geral da Academia Cearense de Letras.
Fonte: O Povo, Opinião, de 17/12/2014. p.8.
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