quinta-feira, 23 de julho de 2020

COVID-19 E SAÚDE MENTAL III (MULHERES)


Meraldo Zisman (*)
Médico-Psicoterapeuta
A pandemia do novo coronavírus está afetando as mulheres de várias maneiras, desde preocupações com sua saúde, segurança e renda, até responsabilidades adicionais de assistência e maior exposição à violência doméstica. A violência doméstica, já endêmica em todos os lugares, aumenta acentuadamente quando as pessoas são submetidas a confinamento. Com base em estimativas acredita-se que em alguns países, como afirma a revista médica britânica Lancet, esse tipo de violência cresce de acordo com o número de dias de confinamento.
Outros estudos sugerem que o impacto das quarentenas pode ser tão grave que resulte em um transtorno de estresse pós-traumático, sendo o neologismo feminicídio o ápice da violência contra as mulheres. As mulheres são particularmente suscetíveis à violência durante uma pandemia e entre elas a violência aumentou mais de um terço, seguindo-se as meninas. A morte pela pandemia não é exclusividade apenas dos idosos e dos portadores de diabetes, cardiopatias e hipertensos.
Para não os cansar com números estatísticos, lembro ao leitor e leitora que o plantão da Justiça do Rio de Janeiro registrou nos últimos dias um aumento expressivo no número de assassinatos íntimos. Os casos de violência doméstica no estado aumentaram em 50%. Conferir: https://www.uol.com.br/universa/noticias/redacao/2020/03/24/violencia-domestica-rj-quarentena.htm?cmpid=copiaecola.
Já em agosto de 2010 numa pesquisa realizada pela Fundação Perseu Abramo SESC (Serviço Social do Comércio), numa amostragem de 2.365 mulheres dispersas nas 25 unidades da federação, despontava que em cada 100 mulheres, 5 sofreram agressões físicas. Estamos diante, majoritariamente, de feminicídios íntimos, em que o companheiro, marido, amante, namorado é o autor.Não esquecer que o impacto econômico da pandemia pode criar muitas situações propícias a deixar parceiros mais violentos.
A pandemia provoca um choque profundo na sociedade e não somente para a economia. Em certos casos, como no Brasil, o choque pode vir a ser até político. A vida cotidiana é drasticamente alterada. E enquanto a maioria das pessoas está engajada nas medidas de distanciamento social, as mulheres estão sendo impactadas pelo Covid-19 de maneiras diferentes e menos visíveis. Desde cozinhar e limpar, buscar água e lenha ou cuidar de crianças e pessoas idosas. As mulheres realizam três vezes mais tarefas domésticas e trabalho não-remunerado do que os homens. Cabe, no entanto, a todos os membros de cada família compartilhar o cuidado com as crianças através de ensino à distância ou a pessoas idosas e vulneráveis, além de cozinhar, limpar e administrar a família.
Como a maioria das profissionais da linha de frente da saúde são mulheres enfermeiras, seu risco de infecção é maior. Portanto, embora seja necessário prestar atenção para garantir condições seguras para todas os cuidadores, é necessária atenção especial às mulheres profissionais de saúde, que são 67% deles, não apenas no acesso a equipamentos de proteção individual como máscaras, mas também para outras necessidades, como produtos de higiene menstrual – que podem ser fácil e inadvertidamente ignorados, dado que a maioria das decisões são tomadas por pessoas do sexo masculino.
A violência que está emergindo agora como uma característica sombria dessa pandemia é um desafio aos nossos valores, à nossa resiliência e à nossa humanidade compartilhada. Devemos não apenas sobreviver ao coronavírus, mas emergir renovados, com as mulheres como uma força ainda mais poderosa, no centro da recuperação.
A velha história de que “em briga de marido e mulher, ninguém mete a colher” deve ser deixada de lado. As mudanças íntimas devem ser elucidadas no interior das mulheres. Atualmente existe um forte movimento que visa a libertação da mulher, mas, em alguns pontos, é necessário que a mulher reconheça esta libertação como uma mudança interna.
(*) Professor Titular da Pediatria da Universidade de Pernambuco. Psicoterapeuta. Membro da Sobrames/PE, da União Brasileira de Escritores (UBE), da Academia Brasileira de Escritores Médicos (ABRAMES) e da Academia Recifense de Letras. Consultante Honorário da Universidade de Oxford (Grã-Bretanha).

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