sexta-feira, 9 de junho de 2017

EM DEFESA DE UMA CERTA ANSIEDADE

Meraldo Zisman (*)
Médico-Psicoterapeuta
A ansiedade pode ser sinal de coisa boa?
Desde que o mestre Sigmund Freud afirmou ser a causa das neuroses, ela passou a ser vista como maligna, quando deveria ser considerada como uma das defesas para a perpetuação da espécie.
Os dicionários definem ansiedade como uma sensação de aflição, receio ou agonia, sem causa aparente; inquietação ou impaciência acarretada por desejo ou vontade, traduzido por um estado afetivo penoso, pela expectativa de algum perigo que se revela indeterminado e impreciso, e diante do qual o indivíduo se julga indefeso. A maioria dos psicólogos considera a ansiedade como uma atitude emotiva concernente ao futuro, marcada por vaivém entre o medo e a esperança.
Acredito que qualquer que seja o conceito atribuído, ele deveria ser encarado de outra maneira, antes de ser tido como patologia. A ansiedade muda com o “espírito da época”, ou seja, com o conjunto da atmosfera intelectual e cultural vigente, em determinada fase da História. Os exemplos são numerosos. No século passado, por exemplo, a ansiedade estava associada ao problema do holocausto atômico - o Day After, tema que atemorizava a todos.
Passada a Guerra Fria, a ansiedade ficou associada à questão do desemprego, das crises econômicas, dos terremotos, do aquecimento global, da poluição, do terrorismo, da violência, das migrações, das guerras localizadas, entre outros problemas que sensibilizam ou venham a sensibilizar. E os meios de comunicação, em particular, sabem como ninguém comandar as ansiedades da ocasião.
Considerando-se a ansiedade, por si só, creio que, para o homem das cavernas, o medo do aparecimento do tigre de dentes de sabre deve ter sido bem mais estressante, do que hoje, o medo dos assaltantes e bandidos. O mecanismo referente ao estresse permanece o mesmo. Em outras palavras, diante do perigo, todos nós somos iguais. O grau de resposta é que varia de uma pessoa para outra.
No século XVI, o maior medo era o de ser queimado vivo, por problemas de crenças religiosas (como a Inquisição), dívidas, ou doenças como a peste negra. Quanto aos açoites e torturas, estes permanecem no tempo. O medo de errar, de se sentir culpado, frustrado ou envergonhado, fazem parte da condição humana. Desconheço civilização onde alguém sobreviva sem sentir algum grau de ansiedade. Contudo, ela passa a ser um problema quando atinge um estado psíquico de intranquilidade permanente, de agitação, de temor diante de uma ameaça real ou imaginária. Ainda assim, só será problema para quem acha que ela é um problema. E esses não estão adaptados para viver a vida de uma maneira menos ansiosa (devido a causas psíquicas ou fisiológicas). Será que os evolucionistas não percebem que, na luta vital contra os predadores, a presença de indivíduos, apontados como ansiosos, foi decisiva? A ansiedade foi e continua sendo uma necessidade adaptativa à sobrevivência da espécie. O problema é saber delimitar seu diagnóstico. Faz-se necessário cuidado com as rotulações do poder médico. Quantos gênios não estariam confinados em manicômios, se a ansiedade fosse considerada uma patologia?
(*) Professor Titular da Pediatria da Universidade de Pernambuco. Psicoterapeuta. Membro da Sobrames/PE, da União Brasileira de Escritores (UBE) e da Academia Brasileira de Escritores Médicos (ABRAMES). Consultante Honorário da Universidade de Oxford (Grã-Bretanha).

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